Bárbara Simões, in Jornal Público
Novas Oportunidades apontado pelo primeiro-ministro como "o programa mais importante que o Governo lançou". Diplomas foram entregues, em Lisboa, a alguns dos participantes
Acontece às vezes no mundo dos adultos. Parar algures no meio da azáfama e pensar: "Quero mais para a minha vida."
Alguns desses adultos estiveram ontem de manhã no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. Conseguiram, nalguns casos décadas depois de terem desistido da escola, ver certificadas competências adquiridas ao longo da vida e aumentar as suas qualificações.
Receberam os diplomas com palmas e indisfarçada emoção. Arminda Costa, mãe de um filho de sete anos, foi quem se dirigiu ao microfone para deixar o seu testemunho: "Tenho 38 anos e completei há pouco tempo o 9.º ano."
A entrega de diplomas a estes adultos que concluíram o processo de reconhecimento, validação e certificação de competências - um nome difícil de decorar que traduz a possibilidade, oferecida pelo programa Novas Oportunidades, de obter num menor espaço de tempo habilitações de nível básico e secundário (9.º ou 12.º ano) - precedeu uma outra: a de 35 dos primeiros cinco mil computadores portáteis que ontem começaram a ser distribuídos, por membros do Governo, nas capitais de distrito do país.
Em Lisboa foi o primeiro-ministro, José Sócrates, a comparecer no arranque desta iniciativa, anunciada no final de Maio, com que o Governo pretende garantir, de forma faseada, a mais de meio milhão de estudantes, professores e trabalhadores em formação o acesso a computador e Internet de banda larga a preços reduzidos.
"Exemplo para o país"
Sócrates terminou a sua intervenção lembrando que "massificar o uso do computador é essencial para que Portugal se modernize". Mas foi aos recém-diplomados que dedicou a maior parte das palavras.
O país, disse, "precisa de aprender mais". Os números são conhecidos: a grande maioria (70 por cento) dos cinco milhões e 100 mil portugueses a trabalhar não tem o secundário. E aqueles que já na idade adulta reconhecem que têm de saber mais e, com "esforço" e "coragem", decidem ir aprender são "um exemplo para todo o país".
Porque entende que "a única forma" que Portugal tem de competir na economia global é aumentar o valor do conhecimento de cada português, o primeiro-ministro diz não ter dúvidas se alguém lhe perguntar qual "o programa mais importante que o Governo lançou". Foi "este programa Novas Oportunidades".
"O desafio para o Governo português é criar oportunidades para a Arminda", resumiu.
Arminda diz: "Quero mais para a minha vida."
Fala já no final da cerimónia. Está "emocionada"; "é um sonho que renasce". É empregada de mesa no Estado-Maior do Exército, mas sempre quis ser "enfermeira-parteira". Agora voltou a sentir que podia conseguir. Tenciona fazer mais um curso de informática e continuar a estudar.
Há pelo menos outra pessoa na sala com o mesmo gosto por enfermagem. Fátima Pereira, 51 anos. Em Angola, de onde veio em 1977, estudou até ao 6.º ano. Um dia estava a ver o Telejornal e ouviu falar neste programa de formação para adultos. Participar exigiu "um bocadinho de sacrifício", mas "valeu a pena". Já tem o 9.º ano e quer ir "pelo menos até ao 12.º".
A filha, deficiente auditiva, "está crescida" e cuida da sua vida. "Agora estou a pensar em mim."
Até agora inscreveram-se no Novas Oportunidades 250 mil portugueses. São três os objectivos traçados pelo Governo: fazer do 12.º ano "o referencial mínimo de qualificação"; possibilitar que metade dos alunos do secundário sejam "abrangidos em vias tecnológicas e profissionalizantes"; e qualificar, até 2010, um milhão de activos através da validação de competências e formação de adultos.
Paulo deixou ontem de ter vergonha das suas habilitações
A cerimónia já acabou e Paulo Gigante desce a rampa de acesso ao Pavilhão do Conhecimento. Na mão traz a caixa com o computador portátil que acabou de receber. Também há-de ter algures o envelope com o certificado que atesta que agora, aos 34 anos, concluiu o 9.º ano de escolaridade. Já não precisa de continuar a desviar a conversa, quando o assunto tiver a ver com habilitações.
Porque era isso, confessa-o sem rodeios, que acontecia. "Por vezes tinha vergonha de dizer a escolaridade que tinha." Mesmo com os amigos, era um tema incómodo: "Calava-me ou tentava puxar outro assunto."
Paulo deixou de estudar há 22 anos, tinha 12 de idade. Só fez o 5.º ano. "Não era dos piores alunos, mas também não era dos melhores." Foi por "razões financeiras" que abandonou a escola. "Pensava que para ser independente tinha de ter o meu próprio dinheiro, para comprar aquilo que queria."
Começou a trabalhar numa oficina de automóveis, em Lisboa, ainda com 12 anos. Mais tarde entrou no ramo da construção civil, onde continua. Há pouco mais de dois anos abriu uma óptica, com o irmão e a mulher. O seu futuro deverá passar por aí.
Hoje sabe que "foi um erro" ter deixado de estudar tão cedo. Os erros, às vezes, pagam-se caro, mas também se emendam. E a oportunidade de Paulo chegou por fax. Enviou-o para a óptica a Associação Nacional dos Ópticos, dando a conhecer aos associados o programa Novas Oportunidades.
À noite, no final do trabalho, Paulo Gigante passou a ter aulas. "Aprendi muita coisa." Matemática foi o que custou mais. Agora quer continuar até ao 12.º ano. Tem sabido bem. "Nem que seja pela auto-estima. Renova-se, reforça-se. Estamos autoconfiantes e a partir daí a vida pode ser melhorada. Auto-estima - é como diz o nosso primeiro."