Inês Schreck, in Jornal de Notícias
Em cinco anos, os técnicos do "Porto Feliz" contactaram 2500 arrumadores. Quase 700 aderiram ao programa e 334 ficaram livres da droga e prontos a ser reinseridos no mercado de trabalho
O programa da Câmara do Porto para tirar das ruas os toxicodependentes que se dedicam a arrumar carros vai acabar. O fim do projecto "Porto Feliz" que, em 2001, Rui Rio hasteou como bandeira eleitoral foi anunciado, ontem, pelo presidente da Câmara do Porto. Em causa, segundo o autarca, estão divergências com o Ministério da Saúde, concretamente o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), sobre a filosofia do programa, que além da reabilitação dos arrumadores procurava a sua reinserção no mercado de trabalho. Assumindo-se revoltado, Rui Rio acusou o Governo de, por "razões político-partidárias","matar" um projecto "reconhecido nacional e internacionalmente". E põe nas mãos dos socialistas o que acontecer daqui para a frente.
"O Governo venceu ao matar o Porto Feliz", atacou o presidente da Câmara, admitindo que "o socialismo pode ter destruído o emblema de Rui Rio, mas a derrota é dos cidadãos do Porto". O autarca considera que o Governo tem legitimidade política e legal para acabar com o programa, "mas terá de assumir as responsabilidades do que vai acontecer nas ruas do Porto".
O JN tentou ouvir o Ministério da Saúde, que remeteu explicações para a Direcção do IDT. Contactado pelo JN, o presidente do IDT, João Goulão, negou que o fim do "Porto Feliz" esteja relacionado com disputas políticas, mas preferiu não se alongar em comentários.
Foi em Julho do ano passado que o IDT comunicou à Câmara do Porto que ia denunciar o contrato, com efeitos a partir de 15 de Novembro. Isto porque a Autarquia não aceitou assinar um protocolo que obrigava a mudar a filosofia do "Porto Feliz", aproximando-o do programa do Governo (ler caixa Contraponto). Naquele mês, o financiamento do programa foi suspenso, inviabilizando novos internamentos. "Desde Novembro que não tiramos um único toxicodependente das ruas", disse Rui Rio. Recorde-se que o Porto Feliz era financiado pelo IDT, Câmara do Porto e Segurança Social, em proporções idênticas. Depois de "quase um ano de conversações" com o IDT e com o ministro da Saúde "para lhes mostrar o absurdo e a estupidez da decisão", o autarca do Porto baixou os braços.
"Já seguiu uma carta para o Ministério da Saúde dando-lhe a taça. Seguiu outra para o IDT dando conta de que as casas [de acolhimento] ficam vagas a 30 de Setembro", referiu Rui Rio, adiantando que a Casa de Vila Nova, que acolhe 161 utentes, também passa para o organismo no final do mês.
Técnicos desempregados
Com o fim do projecto, os 59 técnicos envolvidos no "Porto Feliz" ficam sem trabalho. Rui Rio garantiu que, na carta enviada ao IDT, procurou sensibilizar o instituto para a necessidade de integrar aqueles profissionais.
Cinco anos depois da Câmara do Porto ter acordado com o Ministério a criação do programa Porto Feliz, Rui Rio admite que "as ruas da cidade não ficaram totalmente livres de arrumadores, mas houve uma redução drástica". E recorda as acusações que lhe foram sendo feitas pela Oposição "Criticavam-me por não ter erradicado os arrumadores, mas não punham em causa que tinham diminuído".
As críticas a que se referiu surgiram depois do ex-vereador da Acção Social, Paulo Morais, fundador do programa, ter assegurado, numa entrevista, em 2002, que se demitia se passado um ano ainda houvesse arrumadores. O fenómeno persistiu e a Oposição pediu a "cabeça" do autarca. Ontem, ao JN, Paulo Morais não quis comentar o fim do projecto.
Mas a Oposição não poupou nas críticas. Para o socialista Manuel Pizarro, "já havia graves problemas internos" no seio do projecto e Rui Rio ,"cada vez mais com a cabeça em Lisboa", quis "um pretexto para entrar em guerra com o Governo". Também o comunista Rui Sá teme que Rui Rio esteja "a criar um conflito para justificar o fracasso do programa".O bloquista João Semedo diz que o projecto foi um "instrumento de propaganda de Rui Rio", "caro" e com "maus resultados".