Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
No debate sobre o programa da presidência, o primeiro-ministro defendeu a legitimidade das duas formas de ratificação do novo texto constitucional - por referendo ou nos Parlamentos
O primeiro-ministro, José Sócrates, expressou ontem pela primeira vez o desejo de ver o texto substituto da Constituição Europeia chamar-se Tratado de Lisboa, considerando que se trata de "uma bonita tradição" europeia dar-lhe a denominação do local onde deverá ser concluído.
Sócrates exprimiu esta ideia na conferência de imprensa que se seguiu ao debate do Parlamento Europeu sobre o programa de trabalho da presidência portuguesa da União Europeia (UE), em cumprimento do ritual de todos os inícios de semestre.
"Para já, estou mais interessado em concluir" as negociações para o tratado, afirmou o primeiro-ministro, em resposta a uma pergunta de um jornalista sobre a possibilidade de o novo texto ficar associado a Lisboa, a cidade que acolhe a cimeira dos líderes da UE que deverá concluir o processo, a 18 e 19 de Outubro. Mas, prosseguiu, "acho que ninguém levará a mal que uma presidência, se conseguir esse objectivo, possa reclamar para uma das suas cidades o baptismo desse tratado. Assim fizemos no passado, e acho que é uma bonita tradição que devemos manter".
Antes, Sócrates expressou perante o hemiciclo meio vazio do PE, em Estrasburgo, ao lado de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, a sua intenção de concluir rapidamente as negociações para o novo tratado, com base no mandato "claro e preciso" acordado pelos líderes da UE na cimeira de 21, 22 e 23 de Junho. Para isso, a presidência portuguesa conta apresentar um projecto de tratado consolidado à conferência intergovernamental (CIG) que terá a responsabilidade de negociar e aprovar o texto final, e que será inaugurada a 23 de Julho pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Vinte e Sete.
Ao longo de todo o debate com os eurodeputados, Sócrates e Barroso, "os dois Josés", como referiu Graham Watson, o líder dos liberais, foram firmes na recusa de reabertura do mandato de negociação, afastando implicitamente as recentes tentativas da Polónia para o reabrir.
"Longe do ideal"
"O mandato não é para alterar o mandato, é para transformar o mandato num tratado, e é o que vamos fazer", garantiu Sócrates. Na conferência de imprensa, acrescentou: "Não espero qualquer problema de nenhum Estado-membro, especialmente a Polónia, porque foi muito claro para mim o compromisso que fizemos no último minuto [da cimeira] com a Polónia".
Por seu lado, e lembrando que "nunca se começou uma CIG com um mandato tão preciso", Barroso considerou: "Seria extremamente negativo, inconcebível que se voltasse atrás no que já foi acordado". Deputados das principais famílias políticas concordaram, mesmo se quase todos reconheceram que o mandato de negociação "está longe do ideal".
A história de Portugal foi várias vezes invocada para apoiar as teses de sinal contrário dos deputados. Os euro-entusiastas subinharam o "passado glorioso" do país e a sua experiência de "grande navegador" para incitar a presidência a manter-se firme e ambiciosa na negociação. "Queremos que haja um Tratado de Lisboa no fim da presidência portuguesa, mas também queremos que seja um tratado de reforma e não de contra-reforma", afirmou o socialista espanhol Enrique Barón Crespo.
Já os eurocépticos referiram a "defesa firme da independência nacional" que marcou a história do país, para aconselhar Sócrates a manter essa postura na UE.
A mesma clivagem surgiu a propósito da ratificação do novo texto. A maioria dos grupos preconizou uma ratificação rápida de modo a permitir ao Tratado de Lisboa entrar em vigor a tempo das eleições europeias de 2009. Já os soberanistas e os eurocépticos defenderam a realização de referendos. Sócrates não se pronunciou, frisando que a questão é da competência de cada país, e que as duas formas de ratificação "são legítimas". E insistiu em que essa questão só será decidida em Portugal depois de conhecido o conteúdo do tratado.
Antes, perante as críticas dos deputados, o presidente em exercício da UE insurgiu-se: "Em sítio nenhum no Mundo, nas democracias liberais, se considera a ratificação parlamentar ilegítima. A tentativa de desvalorizar a ratificação parlamentar não honra a democracia participativa". E concluiu: "Nunca defendi a democracia directa para ser usada contra a democracia representativa".