Helena Simão, in Jornal de Notícias
A azáfama é grande no bairro da comunidade cigana, junto às margens do rio Arunca, em Pombal. As mulheres lavam a roupa e arrumam alguns objectos em caixotes, enquanto os homens executam outras tarefas. Já falta pouco para, finalmente, terem uma casa nova e "bonita". O bairro Margens do Arunca, que acolherá 55 famílias da comunidade, vai ser inaugurado amanhã pelo secretário de Estado do Ordenamento, João Ferrão. A mudança deverá acontecer na primeira semana de Setembro. Mas há queixas de falta de acessos e de discriminação.
"As nossas crianças vão deixar de ir à escola", afirma, peremptório, Nuno Garcia. A futura morada, para além de ser "afastada da cidade", "fica do lado de lá do IC2 e toda a gente sabe que esta estrada é muito perigosa". Ora, "se nós vamos para a feira trabalhar, de madrugada, vamos deixar os nossos filhos arriscarem a vida, a atravessar a via? Claro que não. Vão ter de ficar em casa, fechados". Nos últimos meses, têm reivindicado uma passagem superior para peões, mas "a Câmara diz que não é possível".
Nuno Garcia fala também de um túnel existente na zona, que poderia servir para as crianças atravessarem a estrada, só que a dita passagem foi encerrada. Sem entender porquê, este pai de três meninas mostra-se indignado com a situação.
"Isolados"
Lelo Emídio também está muito apreensivo. "Fecharam o túnel e agora vamos ficar completamente isolados. Era isso que queriam, atirar-nos para um canto para fora da cidade?", questiona, garantindo que a sua única preocupação é com "os filhos e netos". O filho, Manuel, acena com a cabeça, como que a concordar com o progenitor. "Não vai ser fácil encontrarmos uma solução, até porque a minha mulher não tem carta de condução para poder levar a menina à escola". "Alguma coisa se há-de arranjar", adianta, mostrando que a família já está a arrumar as coisas. "Temos estes caixotes prontos e muito há ainda para fazer, antes da mudança", conclui.
Cremilde Perrulas, 57 anos, não esconde o seu contentamento, apesar de nem tudo ser perfeito, segundo diz. Enquanto não aprecia a beleza da cozinha e das duas casas de banho que, pela primeira vez, vai ter, vislumbra numa revista o que "parece ser uma casa de sonho". Vai ser muito bom", diz, ao JN, esboçando um sorriso, só interrompido pela lembrança dos netos, que residem no bairro S. João de Deus, no centro da cidade. "Enquanto morava aqui eles podiam vir visitar-me. Agora, não sei como vai ser. Eles não podem atravessar a estrada...", lamenta.
Pedro Miguel Emídio, 33 anos e um filho, já criado, vai viver num T2. "Comparado com esta barraca onde estamos agora, é muito bom. Não tem comparação", sublinha. Mas este membro da comunidade cigana não está totalmente satisfeito. O novo bairro "vai ter só ciganos e eu acho que devia ter também pessoas da vossa raça". Pedro Emídio defende que a proximidade de várias famílias da comunidade "não será motivo de união" e que, "com este bairro, tiram-se os ciganos da cidade", considerando a atitude discriminatória.
Com mais ou menos alegria, na próxima semana, as famílias assinam o contrato de arrendamento, para poderem tratar da água e da electricidade.