23.7.07

Fugiu ao álcool, à droga,à prostituição e à violência

João Pedro Fonseca*, in Jornal de Notícias

Luísa, 16 anos, cresceu a ver o seu pai bater diariamente na mãe e nos irmãos. Adulta à força, Luísa, de olhos azuis, cabelo claro, comprido, veste calças de ganga de cintura descaída e esforça-se por sorrir a cada momento. À primeira vista poder-se-ia pensar que é uma rapariga feliz, como tantas outras da sua idade, mas cresceu entre o álcool, droga e prostituição. Hoje está a salvo, na "Protecção à Rapariga".

Cresceu com a casa sempre cheia de gente que não conhecia, que bebia álcool, que fumava drogas, mulheres vestidas de forma estranha. Luísa está na "Protecção à Rapariga" de Faro, mas, apesar de um passado triste, tem sonhos para o futuro.

Luísa sempre se habituou a saber que o inferno pode ser a nossa própria casa, mas há uns anos tudo mudou, quando os tribunais e a Segurança Social conseguiram afastar o seu pai de casa. Tudo mudou então para melhor, mas foi sol de pouca dura. A mãe, uma mulher massacrada a vida toda por um homem violento, fugiu de casa, abandonando quatro filhos Luísa, de 16 anos, uma irmã mais velha, de 18, um irmão de dez, e uma outra irmã, de 12. Todos foram entregues a instituições pelo tribunal. A mais velha e o rapaz estão numa instituição "lá para Lisboa", Luísa ficou com a irmã mais nova em Faro. Da irmã mais velha diz que é, entre os irmãos, "a mais certinha, só que é muito infantil".

Justifica "é muito bem comportadinha, nunca sai de casa à noite"... e ri-se, envergonhada, percebendo que estava a assumir que o comportamento da irmã era errado. E é precisamente o contrário que lhe estão a dizer na instituição. "Luísa, não digas isso, olha que saber dizer não é muito importante na vida. A tua irmã não era nada infantil, pelo contrário, mostrou grande maturidade ao conseguir comportar-se bem numa situação dessas tão difícil", diz a professora, aproveitando a conversa para fazer pedagogia.

A Luísa tem dificuldade em explicar o comportamento da mãe, mas percebe-se facilmente que o amor que tem por ela supera todos e quaisquer erros que esta tenha cometido. Por isso mesmo deseja voltar a viver com ela.

*agência Lusa


Quando se pergunta pelo pai, os olhos de Luísa ficam vidrados por momentos, fica sem resposta, esboça um sorriso e diz que não com a cabeça "não quero saber dele para nada". O ambiente fica pesado, é preciso mudar de assunto, e o futuro tem de ser sempre melhor que um passado destes, numa jovem de 16 anos: "quero ser educadora de infância, gostava de trabalhar com crianças". Provavelmente tentar dar o carinho que nunca teve. Luísa acabou por inscrever-se no 10º ano, num curso técnico-profissional diferente - Turismo - porque na zona de Faro era difícil encontrar vaga nessa saída profissional, mas não desiste. Afirma que vai aplicar-se este ano neste curso e, mais tarde, muda para o de educadora de infância, fazendo as disciplinas que ficarem em falta. Luísa diz que é uma boa aluna, chumbou apenas no sétimo ano, e no ano passado teve notas de 15, 14 valores. Quando se lhe pergunta o que aconteceu naquele ano para ter chumbado, se sempre teve boas notas, faz uma expressão de misto de amargura, tristeza e ódio e diz apenas duas palavras: "Meu pai". O futuro tem muito para dar a Luísa, uma menina que acredita numa vida melhor. O seu sonho é voltar a estar com a mãe, que vai para o Algarve viver com umas amigas. "Não é fácil, não é fácil, temos muito trabalho para fazer com estas meninas", afirma Filomena Rosa, presidente do centro de acolhimento, deixando claro que Luísa é, entre muitas das jovens que recebe, a que tem melhores perspectivas de futuro. "Se soubesse o que para aqui há", admite.