23.7.07

Novo tratado é resultado do "compromisso e realismo europeus"

Teresa de Sousa (PÚBLICO), Marina Pimentel (RR) e Miguel Madeira (fotos), in Jornal Público

O secretário de Estado dos Assuntos Europeus será o pivot da negociação e está confiante na sua conclusão a 19 de Outubro, em Lisboa

Prudente, confiante, insistente, Manuel Lobo Antunes antevê uma Conferência Intergovernamental (CIG) em que os Estados-membros se manterão fiéis ao compromisso político obtido em Bruxelas, no mês passado, quanto ao que deve ser o novo tratado reformador que substituirá a defunta Constituição. Não quer admitir outro cenário, mas sabe que, na CIG, cada país é soberano. Extractos mais relevantes da entrevista que deu ao programa Diga Lá Excelência, uma colaboração entre o PÚBLICO, a RR e a RTP2.

Está confiante de que o projecto de tratado que a presidência portuguesa vai amanhã [hoje] apresentar em Bruxelas vai recolher o consenso de todos os Estados-membros?
Estamos confiantes, porque a base deste projecto de tratado é o mandato que recebemos do Conselho Europeu de Junho passado - um mandato completo e detalhado. Supomos que vai responder às expectativas de todos os Estados-membros. Partimos para este exercício com confiança.

Mas há ainda alguns problemas, aliás identificados no próprio Conselho Europeu. A Polónia já fez saber, depois disso, que não está satisfeita. Teme ainda um caso polaco?

Não sei se vai haver um problema polaco. Ouviu, e eu também ouvi, de responsáveis polacos determinadas questões que têm a ver com o futuro tratado. Mas também ouviu declarações do primeiro-ministro polaco muito positivas sobre o seu empenhamento para que cheguemos rapidamente a uma solução. É essa a mensagem que vamos recebendo das autoridades polacas.

É difícil de imaginar que tudo vá correr sobre rodas.

Vamos estar numa Conferência Intergovernamental (CIG) onde os Estados são totalmente livres de apresentar eventuais alterações, sugestões ou propostas. Essa é sempre uma possibilidade. Mas temos dito, de uma forma muito clara e repetida, que a nossa base de trabalho é o mandato e só o mandato. Não descartamos a possibilidade de algum Estado-membro vir a pedir algum esclarecimento. Mas, insisto, estamos confiantes de que, naquilo que importa e que é a substância do mandato, todos os Estados cumprirão o compromisso que alcançamos em Junho.

Para além da Polónia, houve uma outra questão que não ficou totalmente clarificada: a do estatuto e poderes do novo alto- representante para a política externa e de segurança, que já não se vai chamar ministro. Mudou a designação, manteve-se a dupla dependência do Conselho e da Comissão, mas falta estabelecer os contornos do novo serviço diplomático.

Está esclarecido no mandato. Só quando começar a CIG é que vamos realmente saber se haverá ainda um problema.

A acção externa da União era uma das áreas que mais se queria reforçar com o novo tratado. Ficou satisfeito com as alterações em relação ao que estava previsto na Constituição?

O novo tratado reformador recebe parte substancial do que se alcançou nessa matéria e que resulta de um debate muito aprofundado, quer na Convenção europeia [que redigiu a primeira versão do tratado constitucional], quer na anterior CIG. Todos nós concordámos que as alterações iam no sentido de dotar a UE de uma maior coerência e eficácia de acção. Mas isso não substitui a vontade politica dos Estados. A União precisa de instrumentos, mas precisa também de vontade política. Os novos instrumentos não substituem a vontade política, mas podem ajudar a que ela se forme e isso já é um passo positivo.

A Carta dos Direitos Fundamentais será juridicamente vinculativa, mas foi atirada para um anexo do tratado. Não há aqui uma desvalorização política?

Preferíamos que ela estivesse integrada no tratado. Mas o que era fundamental é que mantivesse o seu valor jurídico vinculativo, porque isso é a que é a substância da questão. Mas é evidente que, do ponto de vista político, simbólico, teria sido importante.

Como comenta a declarações de Mário Soares a um jornal alemão segundo as quais Portugal não estaria à altura de fazer aprovar o novo tratado e que teria sido melhor que a chanceler Angela Merkel tivesse concluído as negociações?

Não li essas declarações. Sei que o dr. Mário Soares, que conheço bem, reconhece as nossas capacidades. Vejo-as como um estímulo e um desafio.

O antigo primeiro-ministro italiano Giuliano Amato disse que o novo tratado será muito mais confuso e que serve apenas para "enganar" as pessoas, e o antigo Presidente francês e presidente da Convenção, Giscard d"Estaing, disse que o que o separa da Constituição é mera cosmética. Quer comentar?

A mim o que me importa são os resultados. E a verdade é que conseguimos um acordo e temos um caminho para avançar. E o que temos em cima da mesa é um progresso em relação ao que temos hoje, aos tratados actuais. A solução encontrada responde, de forma adequada, aos problemas institucionais e aos problemas da projecção externa da União e mesmo a novas exigências com que estamos confrontados no plano interno, como o combate ao terrorismo, a energia ou as alterações climáticas.

O que devemos discutir é se isto representa um progresso em relação ao que tínhamos antes. É evidente que há sempre soluções melhores, que poderíamos sempre progredir mais. É evidente que poderíamos ter sido mais ambiciosos. Mas o projecto europeu é sempre pautado pelo compromisso e pelo realismo e este é o resultado um compromisso europeu e do realismo europeu.

Mas reconhece que é pior do que a Constituição?

As coisas não se põem assim. Têm de se pôr no plano substantivo.

E a questão da ilegibilidade e da complexidade?

No momento em que os Estados-membros aceitaram que o processo de revisão tinha de ser o processo tradicional, isto é, que não teríamos um único tratado para substituir os outros, como era a ideia inicial, mas sim um novo tratado que emendava os tratados anteriores, sabíamos que a complexidade aumentava. Essa foi uma decisão tomada em consciência e no âmbito do compromisso que foi preciso encontrar.

É um mal menor?

Não. É um bem maior. A comparação não é com a Constituição, que nunca foi ratificada. Estão-se a esquecer que ela foi rejeitada em dois referendos. O tratado não tem de ser comparado com uma Constituição que nunca seria aprovada, mas com o que temos no Tratado de Nice.

Portugal considerou que essa Constituição representava um bom equilíbrio que convinha aos interesses nacionais. Não perdemos nada pelo caminho?

Mantém o que, para nós, era importante. Julgo que serve os nossos objectivos e os nossos interesses.

A presidência quer o novo tratado aprovado em 19 de Outubro. Não é excesso de optimismo? Ou é uma mera forma de pressão para evitar que o exercício resvale para lá da presidência portuguesa?

É uma data realista. Partimos de um mandato detalhado, temos orientações muito concretas e isso facilita o trabalho. Mas também porque há da parte de todos os Estados-membros um sentido de urgência.

Discutir também "o que nos divide"

Como vê as novas iniciativas que o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, tem posto em cima da mesa? Algumas, aliás, como a discussão do governo económico da zona euro, bastante polémicas.

Temos dito que é muito importante que a França esteja de volta à Europa, empenhada na Europa. Estamos abertos, como todas as presidências, às propostas e às ideias dos parceiros e devemos estar dispostos a discuti-las. Naturalmente, esperamos que a França, de forma mais detalhada, nos diga exactamente o que quer.

Outra das ideias do Presidente é discutir desde já as fronteiras da Europa, isto é, o lugar da Turquia. Está disponível para discutir esta questão na cimeira de Dezembro?

Também temos de discutir os assuntos que nos dividem, não só os que nos unem. Esse é um tema difícil e os franceses também o reconhecem. Mas penso que é um debate importante.

Numa altura em que acabamos de sair de uma crise, abrimos outra?

O Governo francês também sabe disso.

Durante a presidência portuguesa, a Turquia pode estar certa de que as negociações de adesão vão avançar?

Não temos intenção de interromper o processo negocial de adesão. Naturalmente que a Comissão tem aqui um papel central, porque é ela que faz os relatórios de progresso e as propostas subsequentes.

"A cimeira UE-África foi apoiada por todos"

23.07.2007

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, já fez saber que não virá à cimeira UE-África se o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, vier. Como é que a presidência portuguesa se lançou nesta cimeira sem ter garantido que a questão britânica estava resolvida?

Se quisermos garantir à partida o sucesso de tudo, então ficamos parados. Tudo na política externa europeia tem o seu risco. Mas devo dizer-lhe que não vejo aqui grande risco. Quando lançámos a primeira cimeira UE-África, em 2000, recordo-me perfeitamente que tínhamos um coro de vozes, tanto do lado africano como do europeu, que nos diziam que não ia ser possível, que havia grandes divisões do lado africano, que os próprios europeus não estavam unidos sobre a necessidade e os objectivos desta cimeira. Mas a verdade é que, com esses obstáculos, fizemos a cimeira.

Pensa que não se corre o risco de se repetir o que aconteceu em 2000 e ter de esperar mais sete anos para a próxima cimeira?

Primeiro, quero lembrar que não é só o Reino Unido que acha que se deve punir o Zimbabwe, é toda a União, que decidiu aplicar-lhe sanções. Em segundo lugar, a questão da cimeira foi referida em três conselhos europeus e é endossada por todos os governos, o que quer dizer que não é um devaneio português para aumentar o número de cimeiras que vamos realizar. Portugal faz aquilo que acha que é bom para a Europa e que é bom para os Estados africanos. A partir daí cabe às outras presidências seguir...

A reunião do Quarteto em Lisboa, na quinta-feira passada, foi vista pelos analistas como correndo o risco de estar condenada ao insucesso. Acha que Tony Blair, o novo enviado do Quarteto para o Médio Oriente, se tiver o apoio europeu, pode ajudar a fazer alguma diferença?

A Europa tem sorte em ter a trabalhar com o Quarteto uma pessoa com a experiência e o estatuto de Tony Blair. Podem discutir-se as suas opções políticas externas ou internas no passado, mas há uma coisa que não é discutível: que é um homem de convicções, que trabalhar para as realizar, que tem imensa experiência diplomática e que é um político de grande calibre. Pode fazer uma diferença.

O Quarteto já fez muitas reuniões, já aprovou muitas declarações sem grandes consequências no terreno. A Europa pode ter um papel mais efectivo?

É verdade que a Europa não tem conseguido fazer muito a diferença, se calhar porque não tem os instrumentos.

Ou porque está dividida?

Porque não temos todos a mesma perspectiva sobre o problema e isso representa uma fraqueza. Nós trabalharemos para que a Europa possa fazer essa diferença. E julgo que, mais do que no passado, há agora mais vontade política para que a Europa possa ter um papel mais efectivo.

O Kosovo também é outra questão muito difícil para a presidência. Que papel quer e pode a União jogar aqui?

O que é importante, para a presidência, é manter uma coesão de propósitos. O que seria ingerível seria que a Europa se dividisse, por exemplo, perante uma eventual declaração unilateral da independência.

Mas aqui o tempo ajuda. Seria conveniente ganhar algum tempo para se continuar a falar... É uma pista que gostaremos de explorar.

Esta questão entronca com a questão da Rússia. As relações entre a Rússia e a UE vão de mal a pior, agora com este conflito diplomático declarado entre Moscovo e o Reino Unido. Está a criar-se um clima que faz antever o pior para a cimeira com a Rússia em Outubro.

Já houve uma desdramatização da questão [entre Londres e Moscovo]. As relações com a Rússia são estratégicas e temos de trabalhar para isso, naturalmente fundados em valores comuns. O primeiro-ministro esteve na Rússia. O nosso propósito, não desconhecendo ou minimizando as dificuldades nem perdendo de vista que tem havido uma degradação das relações, é identificar as áreas onde podemos progredir.

Que são cada vez menos.

Podemos fazer progressos na ciência, educação, cultura, energia, ambiente. Gostaríamos que a negociação de um novo acordo [de parceria] fosse desbloqueada. Vamos ver se é possível ou não.

Mas há também duas linhas sobre a melhor estratégia a seguir. A cimeira de Samara, durante a presidência alemã, marcou um limite muito claro em relação àquilo que a União está dispostas a aceitar do Presidente Putin. Dá ideia que a posição portuguesa é outra, valoriza mais a cooperação a qualquer custo.

Nós valorizamos a parceria. Não pode haver outro tipo de relação com a Rússia. Ninguém pense que pode ter, em relação à Rússia, uma política de imposição. O que eu lhe digo é que essa pareceria tem de ser trabalhada. A partir do que é importante e o que nos une.

Admite que a cimeira de Mafra será muito difícil politicamente?

Mas não é uma cimeira condenada à vulgaridade.