António Marujo, in Jornal Público
Solidariedade, comunicação social, capelanias, educação e aplicação da Concordata estão entre os temas que provocam fricção
Os bispos já pediram uma audiência a José Sócrates para tentar sanar o "mal-estar", mas a resposta tarda em chegar
O conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reúne amanhã, terça-feira, em Fátima, com uma agenda carregada de zangas com o Governo: solidariedade, comunicação social, educação, segurança social, capelanias hospitalares e prisionais e aplicação da Concordata - vários são os temas que os bispos consideram que não estão a correr bem no diálogo com o executivo, para dizer o mínimo.
Da CEP, ninguém quer, para já, abrir mão dos argumentos e das alternativas que estão em jogo. Mas vários responsáveis católicos garantem ao PÚBLICO que o conselho permanente pode decidir convocar uma assembleia extraordinária da CEP para discutir estes temas - coisa rara na história do episcopado português. Em alternativa, podem escolher publicar uma nota pastoral, que daria expressão pública ao seu "mal-estar" no diálogo com o Governo. Em qualquer dos casos, já foi pedida uma audiência dos bispos ao primeiro-ministro, para tentar aplanar terreno. O pedido estará até agora sem resposta.
Entre os vários responsáveis ouvidos pelo PÚBLICO, não se poupa nas palavras: perversão, exigências exorbitantes, ataque à Igreja Católica, falta de diálogo. O padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), diz que este organismo tem "muitas preocupações". A CNIS congrega cerca de 2500 instituições, pouco mais de metade estão ligadas à Igreja.
Lino Maia diz que, em primeiro lugar, a divergência tem a ver com os ATL. "Corremos o risco de ter que encerrar." Esta consequência pode ter um custo social: 20 mil desempregados em 870 instituições, ligadas à Igreja e não só. Em causa está "o direito dos pais a escolher entre a resposta pública do prolongamento do horário escolar ou a resposta dos ATL".
O responsável da CNIS acredita que pode chegar a acordo com o Governo, mas de um princípio não arreda pé: "Não prescindimos deste direito de escolha e espero que o Governo o contemple". "O prolongamento do horário escolar é bom", afirma, "mas a resposta do ATL é uma escolha normal para muitos pais".
Lino Maia cita como exemplo uma reunião realizada a 30 de Junho. Apesar de convocada em cima da hora, compareceram 400 responsáveis de instituições particulares de solidariedade social (IPSS) com ATL. "Só um estava de acordo com a proposta do Governo." Maia compreende que a preocupação maior dos responsáveis da Igreja seja com os centros sociais paroquiais. Em relação às direcções destes organismos, diz, "há exigências exorbitantes do Estado que não podem ser asseguradas por voluntários", situação em que está a maior parte dos seus dirigentes.
Desagrado católico
"As IPSS são instituições que prestam um serviço de qualidade. Mas exige-se muito mais às IPSS que aos equipamentos públicos. E o Estado só comparticipa 42 por cento dos custos reais das valências. O resto é obtido com comparticipação dos utentes, dádivas e ofertas dos dirigentes."
A comissão dos bispos para a Pastoral Social irá entretanto fazer um levantamento dos principais problemas que as medidas do Governo podem provocar, quer em termos de emprego quer de custos para as instituições.
Na comunicação social, o desagrado católico não é menor. "Quem se quer atingir com a nova lei?", pergunta um responsável ligado à estrutura da Conferência Episcopal. Referindo-se à proposta de lei do Governo sobre o pluralismo e a não concentração dos media, o mesmo responsável afirma: "Parece que não se pode ter sucesso. O Estado pode, mas um outro proprietário já não. A lei parece que está feita para atingir a SIC e a Igreja, nomeadamente a Rádio Renascença". Entre os responsáveis católicos do sector, conta a mesma fonte, já houve quem apontasse uma alternativa para contornar, por exemplo, a limitação dos 30 por cento de capital que um mesmo proprietário pode deter: vender a RFM à Conferência Episcopal Espanhola. "É óbvio que isto não é solução, mas o que o Governo quer fazer também não nos agrada", diz este responsável.