in Jornal Público
Guterres diz que a ausência da Europa no mundo é um problema de vontade política, mais do que do tratado.
Acha que a Europa, em relação ao Médio Oriente ou à África, tem desempenhado o papel que deveria desempenhar?
Há um problema de afirmação política da Europa que nós conhecemos. Penso que a Europa está hoje mais debilitada do que no tempo em que eu tive responsabilidades a esse nível. Há uma enorme falta de Europa no mundo. O mundo precisa de uma Europa politicamente unida, activa e empenhada...
Já se diz isso há tanto tempo...
Mas há quem se bata por isso. Há um problema global que é a Europa ser ou não capaz de falar a uma só voz em relação às grandes questões internacionais e manter um empenho comum. E há que reconhecer que, se olharmos para as principais crises internacionais, a Europa esteve dividida e, por estar dividida, esteve ausente.
Acha que a forma como se está a resolver a questão do tratado é positiva?
Tudo o que seja um passo em frente é bem-vindo, mesmo que alguns gostassem de dar um passo maior. Mas o importante é que haja um debate racional e não populista, nomeadamente sobre os problemas sérios que a Europa enfrenta, face à imigração, face aos desafios das sociedades multiétnicas e multiculturais que são cada vez mais as suas sociedades. Esse debate não tem existido, e por isso nem sempre tem sido possível adoptar as políticas mais adequadas.
O tratado prevê a criação de um ministro dos Negócios Estrangeiros, mesmo que não se vá chamar assim...
É uma questão de vontade política, mesmo que o tratado seja importante. Se franceses, ingleses, alemães e outros quiserem colaborar para uma política comum, isso é mais importante do que ter um ministro. Se houver um ministro que passe a vida a correr entre as capitais e a ouvir coisas completamente díspares e nenhuma vontade de encontrar uma política comum, isso não serve de nada.
Vai finalmente haver outra cimeira com África...
Não deixa de ser curioso que a primeira cimeira tenha sido com uma presidência portuguesa e que tenha sido preciso uma segunda presidência portuguesa para isso voltar a acontecer. Isso revela um profundo desinteresse da Europa, e não falo das relações pós-coloniais, em relação ao continente africano.
Mas deve a Europa aceitar a presença de ditadores como Robert Mugabe?
Como alto-comissário, não me posso pronunciar sobre isso. Para as Nações Unidas, não pode haver esse tipo de distinções.
Então como é que podemos avançar neste direito de protecção dos cidadãos contra os seus tiranos, quando nos fóruns internacionais eles têm passadeira vermelha?
Para poder combater os tiranos, há uma coisa essencial: não separar os bons e os maus tiranos, os tiranos nossos amigos e os tiranos que não são nossos amigos. E um dos problemas mais dramáticos do mundo ocidental tem sido essa falta de equidade: há uma grande tolerância em relação aos tiranos amigos e uma grande intolerância em relação aos tiranos inimigos. O problema não está nos tiranos, está na tirania.