23.7.07

"O regime de mobilidade especial mostra má gestão"

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Entrevista a Nadya Salson, coordenadora da Representação Sindical para o Diálogo Social Europeu nos Serviços Públicos


Público - O que acha da reforma da função pública que está a ser feita em Portugal? É semelhante ao que está a acontecer nos outros países da Europa?

Nadya Salson - O sector público é o que está, na Europa, a ser mais sujeito a reformas e o que está a acontecer em Portugal não é único. Está a acontecer em vários outros países. E a ideia, um pouco por toda a Europa, tem sido, basicamente, a de reduzir a despesa com os funcionários públicos. É um objectivo comum bastante claro. A perspectiva financeira do serviço público tornou-se numa tendência por toda a Europa.

Em todos os países têm existido confrontos entre o Governo e os sindicatos?

Há países onde se regista um forte diálogo social. Por exemplo na Finlândia, há dez anos, a reforma da função pública aconteceu por via de consultas com os sindicatos. Noutros países e, daquilo que vejo, também em Portugal, a situação é diferente.
É possível reduzir as despesas com os funcionários públicos através do diálogo com os sindicatos?

Foi possível na Finlândia, foi possível na Dinamarca. E, até um certo ponto, tem sido este o caso na Bélgica também. Mas é claro que quando os Governos estão dispostos a discutir e a negociar com os sindicatos, terão de mudar alguns dos seus objectivos, da mesma forma como os sindicatos também terão de se adaptar e chegar a um terreno comum. Na Finlândia, por exemplo, na questão dos prémios de desempenho, que é uma questão muito sensível para os sindicatos em geral, estabeleceu--se que as suas regras teriam de ser sempre discutidas com os representantes dos trabalhadores.

Qual é a sua opinião em relação aos prémios de desempenho?

O objectivo é, em teoria, o de aumentar a motivação dos funcionários e melhorar a efeiciência dos serviços. Mas há estudos feitos, nomeadamente um pela OCDE em 2002, que concluem que os prémios de desempenho não aumentam a motivação nem fazem subir a produtividade do sector público. A nossa visão é que, no mínimo, devem ser negociados com os sindicatos e nunca devem substituir parte do salário, devem surgir sempre como um adicional.

Os sindicatos parecem, por vezes, não ser favoráveis a uma avaliação do desempenho. Porquê?

Não sou contra a avaliação. Até penso que muitas vezes o problema é o das pessoas não terem retorno sobre o que fazem e qual é o seu objectivo. Mas o desempenho no sector público tem de ser visto num contexto mais vasto, que leve em conta as condições de trabalho, o salário e a relação de confiança entre trabalhadores e dirigentes. Penso que um sistema de notas não é motivador para o trabalhador. É verdade que os trabalhadores querem ser avaliados, querem saber se a forma como desempenham o trabalho serve a organização. Agora, um sistema de notas em que se fica a saber se se está entre os cinco melhores ou entre os cinco piores não é muito útil. O que o funcionário precisa de saber é se está a fazer um bom ou um mau trabalho e como é que pode melhorar.

Então, como se faz a avaliação?

Ter um sistema justo de avaliação é muito difícil. Há sempre elementos subjectivos. Por isso, o que pode ajudar é que o sistema de avaliação não esteja centrado no indivíduo. É preciso uma avaliação por equipas e ter em conta que o objectivo da administração pública é o de melhorar os serviços prestados aos cidadãos. É por isso que acho que, ao contrário do que é a tendência, não se deve ligar a questão da avaliação aos salários. O objectivo da avaliação deve ser o de encontrar os pontos fortes e fracos do serviço que é prestado e perceber como é que, por via da formação ou de uma melhor distribuição do trabalho, se pode mudar.

Não acha que a diferenciação dos aumentos salariais pode ser importante para a motivação?

Não necessariamente. Quando as pessoas atingem um nível salarial razoável - o que não acontece nos sectores públicos de todos os países - e que lhes permita ter uma vida com qualidade, o aumento salarial não é o principal factor de motivação. É saber se o trabalho está a ser bem feito, se os recursos estão disponíveis e se existe uma valorização pelo esforço realizado. Em relação aos aumentos, é claro que é importante assegurar a manutenção do poder de compra, mas não são uma fonte muito importante de motivação.

E o critério dos anos de serviço para as progressões não é injusto?

A utilização dos anos de serviço como critério-base para a evolução da carreira pode estar desactualizada. Mas, mesmo assim, considero que um elemento fundamental da evolução na carreira deve ser o desenvolvimento de competências. E isto pode ser conseguido através de formação e de exames, para subida na carreira. É uma forma de avaliação que pode ser mais objectiva do que uma apenas baseada numa análise individual.

Um pouco por toda a Europa, os sindicatos têm procurado manter um estatuto laboral especial para os funcionários públicos?

Em todos os países há estatutos especiais. Em países como a Dinamarca ou a Suécia, o número de funcionários nessas condições diminuiu, passando a estar apenas em sectores como a Justiça ou a polícia. É muito importante que os serviços públicos sejam prestados da mesma forma a todos os cidadãos. Se se tem um estatuto especial como funcionário público, não se será tentado a prestar serviços diferenciados a alguma pessoa ou entidade. Porque se está protegido, tem-se segurança no emprego. É um sistema que foi desenhado para evitar a corrupção e evitar o tratamento injusto entre os cidadãos.

O que acha do regime de mobilidade especial que foi implementado em Portugal?
É um sistema que não encontro noutros países. Para mim, é um sinal de má gestão. Quando se chega a uma situação em que se conclui que 20, 25 ou 30 por cento da força de trabalho é inútil, é porque se está perante um problema muito sério de má gestão, que nenhum sistema de avaliação vai conseguir resolver. E a bolsa de supranumerários pode ser muito negativa para o moral de todos os funcionários.