29.7.07

"Ter filhos para os ter na creche não é ter filhos"

Andreia Sanches, in Jornal Público

Infantários com super-horários são um alívio. Na TAP, há um que nunca fecha. Mas os pais lamentam o pouco tempo que têm para os filhos

O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, defende o alargamento do horário das creches para dar resposta aos pais que necessitam


Passa das 21h00, a cidade esvaziou-se, o volume da televisão do Infantário da TAP já foi reduzido, os corredores do edifício 28, na Rua C no aeroporto, em Lisboa, estão silenciosos, até que o som de um choro enche a casa. Vem de um quarto às escuras com várias caminhas brancas alinhadas. Numa delas está Diogo, de dois anos, a chorar. O menino de pijama de xadrez não quer dormir mais. E Ana Leal, a vigilante, trá-lo ao colo para a sala de espera. A mãe vem buscá-lo às 22h00. "A mamã já vem aí", diz-lhe para o consolar. Mas ele mantém-se sério. Já Duarte, de um ano e oito meses, hoje não vai a casa. Passará a noite na creche que nunca fecha. Dorme profundamente, noutra cama, depois de ter tomado um comprimido para a dor de dentes.

Criado há mais de 30 anos, o infantário da TAP funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano, Natal incluído, e é de uso exclusivo dos filhos dos funcionários da Transportadora Aérea Portuguesa. Há meninos que chegam a estar 48 horas sem ver os pais. "Ainda ontem e anteontem houve uma criança que dormiu cá duas noites seguidas. A mãe é hospedeira, foi voar. As restantes crianças passarão cá uma média de dez horas por dia", explica Maria Conceição Carvalho, responsável pelo serviço. "As funcionárias dizem por vezes: "este menino, ou esta menina, é filha da casa". Porque há meninos a passar cá muito tempo."

Este será um dos casos a que se referia o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, quando esta semana, ao defender a necessidade de as creches passarem a estar abertas mais tempo, explicou que já havia algumas a funcionar dia e noite. São ainda situações raras - nem o executivo nem a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade fornecem exemplos concretos, apesar de referirem que eles existem pontualmente.

No Infantário da TAP, frequentado por perto de 240 meninos (dos quatro meses aos cinco anos), quase todas as noites há pelo menos um que pernoita porque muitos pais trabalham por turnos no aeroporto ou são tripulantes. A creche está perfeitamente adaptada às necessidades das famílias.

"Até às duas da manhã há pais a vir buscar crianças, depois às 4h30 começam as entregas", diz Ana Leal. Os meninos jantam às 18h30, brincam e "querem ver o Noddy" na televisão. Deitam-se às 20h30, continua.

Chega a mãe do Diogo e o rosto dele ilumina-se com um sorriso. Já não há lágrimas. Passa das 22h00, o Duarte acabou mesmo por acordar. É a hora do leite. A enfermeira de serviço vai tratar do assunto.
"Dra., pode dar-lhe jantar?"

"O infantário lucra mais da minha filha do que eu. Vê-a crescer, a dar os primeiros passos", lamenta Ana Santos, contabilista da TAP, duas filhas, uma com três anos. "Quando no carro ela começa a dizer: "Olha à esquerda, olha à direita..." penso: "Bem, já aprendeste mais uma coisa nova e não foi comigo". "Claro que passar muito tempo aqui não é o ideal. Mas depende muito das crianças", explica Conceição Carvalho. "Aqui têm carinho, têm miminhos... só que às vezes falta-lhes o quartinho deles."

Ana Santos, tal como a colega Ana Mendes, assistente de bordo, mãe de duas crianças que frequentam a creche, não se cansa de elogiar este serviço. "Tenho dias que trabalho das oito às oito. E tantas vezes telefono: "Dra. Conceição, pode dar-lhe jantar?"" Ana Mendes continua: "Pago 11 por cento do ordenado, cerca de 270 euros", pelos dois filhos. "A realidade lá fora não tem nada a ver com estes números."
Neste "hotel de luxo", nas palavras de Conceição Carvalho - onde desde o bibe às refeições e aos passeios tudo está incluído no preço -, os pais vão tranquilos para o trabalho, os filhos estão em boas mãos. Mas, garante Ana Mendes, custa sempre passar pouco tempo com eles. Para incentivar a natalidade, vai dizendo, o que é preciso é dar mais tempo às pessoas. "Ter filhos para os ter nos infantários não é ter filhos", acrescenta Ana Santos.

Na Cova da Moura, um bairro de construção clandestina, na Amadora, as instalações da creche da associação Moinho da Juventude estão longe de ser as de um "hotel de luxo" - a creche funciona em prefabricados -, mas oferece um horário bem alargado: abre às 6h00 e encerra às 20h00. Os pais que precisam de deixar os filhos à noite recorrem a amas.

São 7h00 e Elisângela, empregada doméstica - como muitas das mães dos meninos -, traz Dailine, de dois anos, enrolada numa manta vermelha. Deita-a num colchão, ajoelha-se, passa uns minutos a dar-lhe beijos no rosto. Dailine não desperta. Ficará na creche até às 19h00 por 80 euros por mês. "Às vezes diz que tem saudades de mim", conta a mãe com tristeza.

"Tentamos que os meninos não passem aqui mais de oito horas", explica Elisabete Moura, auxiliar. Mas não é fácil para os pais. E estes prefabricados acabam por ser uma segunda casa onde as crianças tomam o pequeno-almoço, brincam, almoçam, fazem a sesta, brincam mais... Com um sorriso terno, Elisabete explica mesmo: "Algumas até nos chamam mãe".