15.7.07

Uma cidade com desigualdades crescentes, com pouca classe média e muitos idosos

Ana Henriques, in Jornal Público

Em 2001, 48 por cento dos habitantes viviam do trabalho, 30 por cento da reforma,
4 por cento do subsídio de desemprego ou outros subsídios e um por cento dos rendimentos


Uns vivem no centro da cidade, muitas vezes sozinhos, já quase sem forças para trepar pelos degraus tortos até ao lar que um dia foi doce mas hoje precisa de obras urgentes que a reforma não pode pagar e o senhorio se recusa a fazer. A única companhia é o gato, nem que tenham de roubar à boca e à farmácia para encher a barriga ao bichano. Os outros moram em sítios que de pitoresco só têm mesmo o nome - bairro das Salgadas, Ameixoeira -, famílias inteiras vindas das barracas e encaixotadas em prédios iguais aos dos subúrbios, longe de tudo e de todos. Preferem pitbulls.

É caricatural e no entanto é em grande parte assim a Lisboa que hoje vai a votos. Uma cidade onde as desigualdades "são cada vez mais gritantes", como diz o sociólogo Filipe Carreira da Silva. Uma capital que expulsou muita da sua classe média para pesadelos urbanísticos chamados Santo António dos Cavaleiros ou Brandoa. Ficaram os das rendas antigas e aqueles a quem o Estado e a autarquia não tiveram outro remédio senão realojar. Juntem-se-lhes os imigrantes - que já são dez a 15 por cento da população, segundo refere o investigador do Instituto de Ciências Sociais, embora a maioria ainda não tenha direito a voto -, mais os afortunados com dinheiro para pagar o luxo de habitar casas em condições nas zonas nobres da cidade e está uma parte significativa da população de Lisboa apresentada.

Filipe Carreira da Silva mostra-se preocupado com as implicações do comportamento de parte deste último grupo na vida da cidade. O fenómeno da gentrificação, nome habitualmente dado à substituição dos moradores dos bairros tradicionais por uma nova classe endinheirada, implica com alguma frequência a transformação das antigas casas em condomínios fechados. Reféns de um sentimento de insegurança que as estatísticas desmentem, são famílias que vivem sequestradas dentro da sua própria casa, da qual passam para a garagem, para o automóvel, para o colégio e para o escritório. Tudo é feito para evitar a vida da rua.

Viver nestas bolhas assépticas "tem fortes implicações a nível do comportamento político", prossegue o investigador, porque é precisamente no confronto com a diferença que reside uma das grandes virtudes dos espaços urbanos. "E isto não foi discutido na campanha eleitoral", critica. Quanto à saída de parte significativa da classe média de Lisboa, "os candidatos apresentaram soluções muito pouco estruturantes para o problema".

34 mil velhos sozinhos

"Daqui a dez anos vai ser pior", avisa Filipe Carreira da Silva sobre o envelhecimento e a desertificação da cidade. "O surgimento de propostas eleitorais à margem dos partidos já é consequência destes fenómenos."

Os números mais recentes falam por si: Lisboa perdeu perto de cem mil habitantes entre 1991 e 2001, e só em cinco das suas freguesias (todas elas periféricas: Ameixoeira, Carnide, Charneca, Lumiar e Marvila) existem mais jovens até aos 15 anos do que idosos, de acordo com dados de um artigo do final de 2005 do sociólogo Paulo Machado, do núcleo de Ecologia Social do Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

"Dos 134 mil idosos residentes, aproximadamente 43 por cento têm mais de 75 anos de idade. E destes muito idosos, quase 40 mil são mulheres", refere, acrescentando que 34 mil moram sozinhos e nem todos vivem no centro da cidade: "Grande parte vive nas avenidas novas, em Alvalade, em Benfica, muitos (cerca de 6500) em bairros sociais de realojamento". Constituem 23,6 por cento da população da cidade, uma percentagem que iguala a dos jovens até aos 24 anos, mas que em Alvalade, a freguesia mais envelhecida da cidade, sobe para cerca de um terço dos habitantes. Por isso, não admiram os esforços de vários dos candidatos em ganhar pontos junto deste eleitorado - sendo que, como diz Filipe Carreira da Silva, nem todos beneficiam de igual modo desta pirâmide etária.

Um terço de reformados

Na sua recente tese de doutoramento sobre a governação de Lisboa, o geógrafo urbano João Seixas explica que em 2001, e no que aos índices de pobreza diz respeito, um pouco mais de dez por cento dos lisboetas se situavam num nível "de baixo estatuto". A proveniência dos rendimentos dos lisboetas apresentava por outro lado a seguinte distribuição: 48 por cento dos habitantes viviam do trabalho, quatro por cento do subsídio de desemprego ou outros subsídios sociais, um por cento de rendimentos da propriedade e da empresa, 15 por cento estavam a cargo da família e 30 por cento viviam da reforma. "A população economicamente activa representa metade da população residente e é maioritariamente feminina", refere outro estudo coordenado pelo mesmo autor.

Curiosamente, algumas das freguesias lisboetas mais rejuvenescidas são precisamente aquelas onde menos abundam habitantes que fizeram o ensino superior, como é o caso de Carnide, onde apenas seis em cada cem moradores são licenciados. A existência de bairros de realojamento pode ajudar a explicar o fenómeno.

E é precisamente nestes bairros, a maioria dos quais situados nas freguesias periféricas, que se concentra uma grossa fatia da população lisboeta. Ao todo são 72 os bairros sociais de Lisboa, e os seus prédios, muitos deles a precisar de obras, abrigam pelo menos cem mil habitantes - embora haja quem fale em 150 mil. As suas rendas médias mensais não ultrapassavam no ano passado os 70 euros.