Manuel Vitorino, in Jornal de Notícias
Sem honra nem glória, com dívidas e críticas à Câmara do Porto, chegou, anteontem à noite, ao fim a Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto (FDZHP) que, durante 17 anos, interveio no núcleo antigo da cidade. O corte de verbas protocoladas com a Câmara e o esvaziar de competências da instituição por parte de Rui Rio aceleraram o "triste fim". No decorrer de uma reunião, foi aprovada, por 19 votos a favor, dois votos contra e uma abstenção, a sua extinção. As juntas de freguesia da Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, todas de maioria PS, também concordaram com a opção.
Foi sob alguma tensão dos moradores e funcionários que decorreu o conselho geral destinado a propôr a extinção da Fundação e o subsequente despedimento colectivo dos 24 trabalhadores. "É uma injustiça. A Câmara de Rui Rio é a grande responsável pela situação criada, já que não cumpriu com os protocolos estabelecidos", repetiu, ao JN, uma das funcionárias do organismo situado na medieval Rua dos Mercadores, que recusou identificar-se com medo de represálias.
Enquanto fala, alguns moradores criticam a opção do Executivo e exaltam-se. "É uma vergonha", grita um deles. São quase 22 horas e antes da reunião começar, novo "frisson" acontece quando os trabalhadores da Fundação exigem participar nos trabalhos. "Uma arruaça", classificou um dos conselheiros. Uma hora depois, e após ter sido permitida a permanência de dois representantes, a proposta subscrita pela Segurança Social, Câmara do Porto, Instituto de Emprego e Formação Profissional e Confederação das Instituições Privadas da Solidariedade Social (IPSS), resolvem extingir a Fundação, promover a transição das valências de apoio às crianças e idosos para as instituições de solidariedade social já existentes no Centro Histórico. Quanto à reabilitação dos prédios degradados, uma das áreas de intervenção da FDZHP, ficará a cargo da Porto Vivo-Sociedade de Reabilitação Urbana.
Senhas de 250 euros
Entre o conjunto de medidas votadas pela maioria dos conselheiros, conta-se a realização de uma auditoria às contas, destituição dos actuais responsáveis (que, por cada reunião, tinham direito a uma senha de presença de 250 euros) e a nomeação de novo Conselho de Administração, a propôr conjuntamente pela Segurança Social e Câmara Municipal do Porto.
"A Fundação esgotou-se. Não fazia sentido manter-se uma instituição sorvedora de dinheiros públicos. A Fundação custava à Segurança Social cerca de 1,3 milhões de euros anuais e só conseguia gerar receitas no valor de 137 mil euros. Como era possível manter uma estrutura deste tipo a funcionar?", perguntou um dos conselheiros, que também não quis identificar-se.
Segundo o JN apurou junto de várias fontes presentes na reunião, a Segurança Social irá, "brevemente", exigir à autarquia o pagamento de cerca de dois milhões de euros pelas dívidas acumuladas desde 2002.
A Fundação tem um vasto património na zona histórica e será a futura comissão liquidatária a dar-lhe o seu destino. Entre os bens, conta-se a existência de 86 edifícios (56 recuperados e 30 degradados) e as rendas de 126 inquilinos.
Contactada pelo JN, a Câmara do Porto, através do Gabinete de Comunicação, recusou comentar as acusações.
Confusão, gritos e lançamento de água e ovos à mistura marcaram a saída dos conselheiros da reunião. A PSP foi chamada à sede da Fundação, não tendo, contudo, sido registado qualquer tipo de agressão ou violência. Alguns presidentes de junta de freguesia ficaram com as roupas sujas e a revolta aumentou de tom "Não há direito terem feito uma coisa dessas. Não é assim que se resolvem as coisas", insurgiu-se um morador da Rua dos Mercadores.
"Foi mais fumaça do que outra coisa, mas o incidente ficou a dever-se à manipulação política e falta de informação das populações. Se tivesse existido mais esclarecimento nada disto acontecia", resumiu, no final da "provocação", Jerónimo Castro, a viver no Centro Histórico do Porto.