Alexandra Marques, Bruno Simões Castanheira, in Jornal de Notícias
Ao chegar ao segundo piso da moradia rosa no Parque da Saúde, em Lisboa, a "Casa do Gil" - que celebra hoje um ano de existência - um menino corre ao nosso encontro. Agarra no bloco e desenha algo indecifrável. "Ele quer ser jornalista", diz Manuela Miguel Martins, a coordenadora. O petiz de quatro anos diz o que desenhou, mas não se entende. Tinha fenda palatina e lábio leporino, foi operado, mas ainda não consegue falar como as outras crianças da sua idade. No fim, oferece dois brinquedos que os meninos fizeram duas metades de casca de noz pintadas: um avião azul e uma tartaruga verde.
Este foi o primeiro impacto da "Casa do Gil". Uma residência com dois andares. No rés-do-chão ficam a cozinha, o dispensário, as salas dos pais e os escritórios do psicológo e da coordenadora. No segundo piso, os quartos e a sala onde podem brincar.
Ladeada por um jardim de três mil metros quadrados, que tem um parque infantil, a moradia foi reconstruída em três anos, graças à solidariedade de milhares de portugueses, anónimos e ilustres.
É lá que as crianças com doenças crónicas ou deficiências de vária ordem vivem enquanto dura o tratamento médico e hospitalar de que carecem. "Só aceitamos as crianças que estão nos hospitais", diz a "mãe" da Casa, de 39 anos e há sete ligada ao projecto.
Alguns pais podem passar o dia e pernoitar - a Casa tem dois quartos para esse efeito - outros têm horários para a visita diária e ainda há os que se encontram proibidos pelo tribunal de contactarem com a criança.
Quando o tratamento termina e os pais já sabem como prestar os cuidados médicos aos filhos, regressam às famílias de origem ou é-lhes atribuído um projecto de vida alternativo concebido em parceria com a Segurança Social. Porque algumas destas crianças são oriundas de agregados familiares desestruturados ou em situação de risco.
Atenuar o mal da doença
Num dos quartos existe um equipamento de oxigénio e ar comprimido para uma menina com deficiências respiratórias, uma outra criança é ligada todas as noites a uma máquina, para que de manhã possa ir à escola e fazer a sua rotina diária. No berçário dorme um bebé, ao qual foi feito um transplante de coração. Tendo a mãe sempre a seu lado.
A meio da manhã, é hora de ir ao hospital. Há birras e choros porque preferiam ficar a brincar. A carrinha da Casa leva-os e vai buscá-los. É sempre assim.
O próximo sonho é abrir uma segunda casa - uma unidade de cuidados de saúde continuados - para as crianças com problemas graves, que não podem voltar à família ou ser adoptadas.