Francisco Veloso*, in Jornal Público
Relançar a "Estratégia de Lisboa" requer uma nova política de empreendedorismo
que fomente núcleos de excelência e encoraje empresas inovadoras a entrar no mercado
José Sócrates anunciou a revitalização da "Estratégia de Lisboa" como uma das prioridades da Presidência Portuguesa da União Europeia (UE). Tornar a Europa a região mais competitiva do mundo pelo ano 2010 foi a visão apresentada quando Portugal liderou pela última vez os destinos da UE.
A três anos da meta proposta, a Europa está longe de realizar esta visão. Relançar esta "Estratégia" requer, por isso, novas perspectivas. Uma política de empreendedorismo capaz de fomentar núcleos de excelência e encorajar a constante entrada de empresas inovadoras no mercado poderá ser o caminho. Esta é a conclusão de um workshop realizado na passada semana no âmbito da presidência portuguesa da UE e do Programa Carnegie Mellon - Portugal, que trouxe ao nosso país alguns dos mais conceituados investigadores internacionais nas áreas de empreendedorismo e mudança tecnológica.
Excelência...
O workshop juntou investigadores dos EUA e da Europa para dialogar sobre políticas e estratégias de investigação e ensino capazes de catalisar a competitividade económica de regiões.
Os participantes convergiram em torno da ideia de que é crítico investir em novo conhecimento e na geração de talento. É a partir daí que surgem oportunidades de inovação com potencial para alavancar a competitividade. Esta perspectiva parece alinhada com a "Estratégia de Lisboa", incluindo o emblemático objectivo de investimento de três por cento do PIB em I&D. No entanto, as conclusões do workshop apresentam também importantes dimensões específicas relativas a este investimento que sugerem uma reconfiguração das políticas a incluir nesta revitalização da "Agenda".
Primeiro, investir em talento e conhecimento com potencial para um real impacte económico requer a criação de pólos de excelência. As análises dos casos de sucesso sugerem que estes não estão distribuídos uniformemente por lugares com algum talento. De facto, a criação de empresas de grande sucesso é dominada por núcleos de talento verdadeiramente excepcionais. Nos EUA, das muitas universidades com qualidade, um número selecto de instituições, incluindo Stanford, MIT, Columbia e outras, domina a atracção de talento a nível global, a captação de fundos de I&D e também a geração de novas empresas e a transferência de tecnologia. Um fenómeno semelhante acontece no contexto empresarial. As estatísticas reportam um elevado número de novas empresas criadas, quer na Europa quer nos EUA. No entanto, a geração de real valor económico está concentrada em algumas que respiram excelência desde a sua fundação. São empresas que desde o início demonstram forte liderança, atraem talento excepcional, desenvolvem competências únicas e se movimentam num ambiente global.
... e empreendedorismo
A segunda perspectiva defendida pelos participantes no workshop é a de que a criação e reconfiguração de indústrias acontece não através de empresas estabelecidas, mas sobretudo através de empreendedorismo, a entrada de empresas inovadoras no mercado. Estas incluem start-ups empresariais, muitas vezes criadas a partir de ideias geradas em universidades de elite; ou spinoffs de empresas estabelecidas que impedem os seus empregados de explorarem internamente oportunidades que se afastam da sua estratégia de desenvolvimento. Pelo risco que encerram, muitas destas empresas inovadoras falham. Mas, as que vingam, tornam-se máquinas de geração de valor e líderes globais.
Quando conseguimos combinar talento de excelência e empreendedorismo, verdadeiras revoluções acontecem. Um exemplo é o dos semicondutores em Silicon Valley. Esta indústria surge a partir de sementes de grande talento, em particular um físico e inventor do transístor, William Shockley, e uma empresa, a Fairchild. Esta start-up esteve na origem de mais de 80 por cento das empresas que subsequentemente vieram a fazer parte do top 10 do sector de semicondutores, incluindo a Intel e a AMD. Este fenómeno poderia ser descrito de forma similar noutras indústrias e regiões, incluindo na Europa.
Perspectivas sobre a UE
O problema no contexto europeu é a existência de sistemas universitário e empresarial com funcionamento oposto às perspectivas acima referidas. As universidades são normalmente instituições de cariz público, com um nível de investigação relativamente homogéneo e tipicamente inferior ao dos seus pares nos EUA. Esta realidade resulta de incentivos públicos que promovem a equidade entre instituições, por oposição à criação de núcleos de excelência que competem na geração de talento e conhecimento avançado. Além disso, os principais instrumentos de política de apoio à I&D na UE funcionam através de projectos espartilhados entre paí-ses, divididos entre inúmeros participantes e controlados pelos gigantes industriais europeus. Estes são por defeito líderes de projecto e donos da propriedade intelectual do mesmo. O resultado é um processo que limita o empreendedorismo e estagna o sistema empresarial (ver caixa).
Estas observações têm implicações importantes no estabelecimento de políticas a nível europeu ou português. Primeiro, mais do que procurar aumentar o nível médio de investimento em I&D, é necessário fomentar desequilíbrios, dinamizando pólos de excelência, instituições que se distinguem pela sua capacidade para gerar talento e conhecimento. Um passo nesse sentido poderá ser a criação do European Research Council, que deverá assegurar recursos a qualquer instituição da UE em função da qualidade das suas propostas de investigação. Segundo, é necessário reduzir as barreiras à entrada de novas empresas de base tecnológica no mercado. Por exemplo, seria importante assegurar que estas têm mais acesso e podem controlar a propriedade intelectual em projectos de I&D europeus; do mesma forma, deveriam ser abolidas cláusulas de não competição, garantindo que empregados de grandes empresas podem sair e criar e start-ups que competem com os seus anteriores empregadores.
* assistant professor; associate director of the Institute for the Study of Entrepreneurship, Innovation and Technological Change, Carnegie Mellon University
Entre as 50 empresas com maior valorização bolsista (ver tabela), indicador que reflecte a perspectiva dos investidores sobre a competitividade futura das mesmas, apenas 15 estão baseadas na União Europeia (UE), contra 25 dos Estados Unidos da América (EUA) e 15 do resto do mundo. Mas o mais relevante é o facto de a estrutura empresarial da UE ser totalmente dominada por velhas senhoras, sendo a Vodafone a única do top 25 fundada depois de 1927. Nos últimos 57 anos, a UE foi incapaz de gerar uma nova empresa que tenha chegado a uma posição cimeira no espaço económico.
Este facto reflecte a dificuldade da Europa em alicerçar a sua competitividade na valorização económica de conhecimento avançado. Pelo contrário, nos EUA, 8 das top 25 foram criadas depois de 1950, 5 delas depois de 1975. A Microsoft, a Intel, a Oracle, a Cisco ou a Google foram protagonistas de sucessivas revoluções tecnológicas associadas às tecnologias de informação. A única empresa da UE com esta distinção, a SAP, foi criada em 1972 e surge em número 78 neste ranking.