6.7.07

Lula defende que biocombustíveis oferecem "ocasião histórica" para combater a pobreza

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

O Presidente brasileiro recusou, em Bruxelas, a ideia de que os biocombustíveis possam provocar penúria alimentar e aumento de preços


Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente do Brasil, recebeu ontem uma longa e entusiasta ovação numa conferência internacional em Bruxelas sobre os biocombustíveis ao defender a necessidade de permitir aos países pobres disporem de "plantas de petróleo".

Presidente do país líder mundial de etanol - 13 milhões de toneladas produzidas em 2005 a partir de cana-de-açúcar, cereais ou beterraba -, Lula considerou que os biocombustíveis oferecem "uma oportunidade única para reduzir a pobreza e construir um mundo mais próspero, unido e justo". Isto, frisou, garantindo simultaneamente "a segurança energética sem prejudicar o ambiente" devido à redução das emissões de gases responsáveis pelo efeito de estufa, e a modificação "de um modelo de consumo não sustentável respeitando as aspirações de bem-estar e de desenvolvimento".
A experiência do Brasil, construída ao longo de 30 anos de investigação e utilização do etanol, permitiu, segundo Lula, criar mais de seis milhões de postos de trabalho directos e indirectos, "incluindo pequenos agricultores em regiões deprimidas".
"Podemos produzir estes resultados nos países pobres de África, Caraíbas e Ásia, que têm as terras e o sol necessários, com grande impacto na redução da pobreza e dos problemas ambientais", defendeu.

Sem olhar para o lucro

Lula considerou por outro lado que os países ricos "não podem olhar para os biocarburantes apenas em termos de lucros. Precisamos de mais solidariedade para dar uma oportunidade aos que não a tiveram no século XX e que não se podem dar ao luxo de voltar a não ter no século XXI".

"É preciso olhar para os biocarburantes não apenas com a lógica dos países desenvolvidos onde as coisas já estão feitas, a economia está desenvolvida, e em que o barril de petróleo a 60 ou 70 dólares não é um problema, mas olhar para o mundo e perceber que todos, do mais humilde e do mais pequeno país, e do mais humilde ser humano, têm a tecnologia e o conhecimento para poder cavar um buraco de 30 centímetros e plantar uma "planta de petróleo" que pode produzir energia." Actualmente, prosseguiu, 20 países produzem petróleo para mais de 200. Com os biocombustíveis, serão mais de cem a produzir, "democratizando o acesso à energia". O Presidente do Brasil afastou igualmente as críticas que atribuem aos biocombustíveis o risco de provocarem uma penúria alimentar nos países mais pobres - pelo facto de os produtos orgânicos serem utilizados para outros fins além da alimentação - e um aumento dos preços, ou ainda de incitarem à desflorestação para o seu cultivo.

"A fome no meu país diminuiu no mesmo período que em aumentaram os biocombustíveis", afirmou, frisando: "Não estamos aqui a ter de escolher entre a comida e a energia, porque a principal energia de que precisamos é a comida."

Além disso, "se a Amazónia fosse apropriada para o cultivo de cana [de açúcar], os portugueses há muitos séculos que já o teriam feito!", afirmou com humor dirigindo-se aos outros dois portugueses convidados "estrela" da conferência: Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e o primeiro-ministro português, José Sócrates, na sua qualidade de presidente em exercício da UE. Utilizando a analogia de Lula, Barroso exprimiu sobretudo a visão europeia dos biocarburantes, e Sócrates a portuguesa.

Dirigindo-se aos europeus, que assumiram recentemente objectivos ambiciosos em termos de energias renováveis, Lula considerou que "não pode haver agendas contraditórias: os governos que querem energias renováveis não podem criar obstáculos a que os biocombustíveis se transformem em matérias-primas internacionais".

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milhões de toneladas em 2005 a partir de cana-de-açúcar eleva o Brasil a líder mundial na produção de etanol. A experiência construída ao longo de 30 anos permitiu criar mais de seis milhões de postos de trabalhos.