14.10.10

Agravamento do IVA vai eliminar 20 mil empregos na distribuição de gás de garrafa

Por Lurdes Ferreira, in Jornal Público

De um lado, estão 1,1 milhões de consumidores. Do outro, seis milhões. De um lado, o litoral, do outro, o interior. No meio, um problema de "justiça social", acusa o sector


A Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec) adverte que o agravamento do IVA sobre o gás de botija, de 21 para 23 por cento, e o recurso ainda maior à compra deste combustível a preços mais acessíveis na zona fronteiriça com Espanha vão obrigar as empresas portuguesas a eliminar um terço dos 60 mil postos de trabalho que garantem actualmente.

Para o sector da distribuição de gás engarrafado este é um risco à vista, explicado pelo desigual tratamento fiscal do Governo em relação ao gás de garrafa e ao gás natural, tratando os portugueses do interior do país, sem acesso ao gás natural, como "cidadãos de segunda". Neste grupo, sublinha, não se encontra apenas uma faixa significativa da população mais desfavorecida como ainda entidades de serviço social, desde os centros de saúde, instituições particulares de solidariedade social, lares, refeitórios de escolas, aos bombeiros e forças de segurança.

O problema não é novo, mas agrava-se com o recente pacote de austeridade. De um lado, encontram-se 1,1 milhões de consumidores, segundo a ERSE, que pagam IVA de seis por cento pelo gás natural, sobretudo nas cidades e no litoral. Do outro, cerca de seis milhões de consumidores, de acordo com a Anarec, que pagam IVA a 21 por cento pelo gás de botija, vivendo maioritariamente no interior, e sem o gás natural como alternativa. Estes preparam-se agora para pagar IVA a 23 por cento e "podem ter em risco o fornecimento de gás engarrafado", alerta a entidade.

Pelo meio, encontram-se 60 mil pequenas e médias empresas de distribuição e revenda com rácios de emprego superiores ao gás natural porque "prestam também um serviço social, chegando a zonas de difícil acesso". Segundo estimativas da associação, por cada 100 quilómetros de rede, as distribuidoras de gás natural têm menos de um trabalhador, enquanto as de gás butano e propano chegam aos seis.

Há ainda um terceiro lado, que é Espanha. No país vizinho, os dois combustíveis têm igual tratamento fiscal de seis por cento de IVA, incluindo-se ambos no chamado "cabaz de compras", razão pela qual cresce o desvio de consumo nas zonas de fronteira.

"É da mais elementar justiça que o gás engarrafado e o gás natural, produtos que se destinam ao mesmo fim, tenham em Portugal a mesma carga fiscal. Não se justifica que as populações do interior do país, que não podem aceder ao gás natural, tenham de pagar o gás de garrafa bastante mais caro", dizia ontem, em comunicado, a associação, que retomou a proposta levada no final do ano passado ao Parlamento. O gás engarrafado devia ser incluído no cabaz de compras dos portugueses, com IVA à taxa reduzida de seis por cento, à semelhança do que faz a Espanha, ou então devia aplicar-se uma taxa única para o gás natural e para o de botija nivelada pela do gasóleo de aquecimento, que é de 13 por cento, defende.

Para a Anarec, a real taxa de IVA que incide sobre o gás engarrafado é superior aos actuais 21 por cento, por ter ainda de reflectir "a taxa agravada de cinco por cento que o Governo aplica às actividades de distribuição e revenda, pelo que, na verdade, o consumidor paga hoje 26 por cento de IVA e vai passar a pagar 28 por cento", defende José Reis. A associação aguarda o fim desta tributação agravada, através de uma prometida norma europeia, mas que não deverá aplicar-se antes de 2012.

A "falta de controlo" da Autoridade da Concorrência sobre as empresas gasistas também preocupa o sector, sobretudo depois dos vários aumentos de preço estabelecidos por estas e que somam 21 por cento no último ano. "As companhias aproveitam a fragilidade de controlo do sector e fixam os preços que bem entendem, mantendo elevados lucros que não conseguem através do gás natural", denuncia a Anarec.