Por Paul de Grauwe, in Jornal Público
Está na altura de as autoridades monetárias da Europa assumirem a responsabilidade por aquilo que se passa nas economias dos Estados-membros que aderiram ao euro.
A chave para compreender a crise da dívida do euro reside nos movimentos macroeconómicos divergentes na região ao longo dos últimos dez anos. Os países do Sul da zona euro, juntamente com a Irlanda, assistiram ao avolumar de bolhas nos seus mercados imobiliários, ao passo que os Estados-membros do Norte registaram um lento crescimento económico. Quando, nalguns países, o boomse transformou em queda, os governos desses países tiveram de juntar os pedaços, o que conduziu a enormes dívidas e défices orçamentais.
De onde vêm esses movimentos macroeconómicos divergentes? Diz-se, muitas vezes, que a origem da dinâmica boom-and-bust em países como a Espanha, a Grécia e a Irlanda foi o declínio das taxas de juro reais na sequência da sua adesão ao euro. Isso desencadeou uma explosão do consumo e uma bolha nos mercados da habitação.
Mas isto não explica tudo. A Itália desfrutou de uma descida das taxas de juro reais após a introdução do euro, não tendo, no entanto, experimentado nenhum boom. Uma outra explicação poderá residir nos aspectos subjectivos dos consumidores, ou ainda nas vagas de optimismo e pessimismo que, auto-realizando as suas próprias profecias, impulsionam as economias.
A zona euro está longe de estar integrada. Há uns anos, na Alemanha, prevalecia o receio (Angst), enquanto se verificavam explosões de optimismo em Espanha, na Grécia e na Irlanda. Hoje, o optimismo estimula a recuperação alemã e reina o pessimismo nos países outrora em expansão. Os Estados-membros que aderiram ao euro continuam a ser nações independentes, que criam os seus próprios factores económicos subjectivos.
Isto deu origem a uma competitividade divergente ao longo da última década. O optimismo em países periféricos levou a expansões económicas que desencadearam aumentos de salários e de preços. Uns quantos anos deste género de prosperidade foram suficientes para tornar os preços e os custos do trabalho incompatíveis com o resto da região.
Se as expansões e as desacelerações, e os subsequentes movimentos dos preços e dos salários, são resultado dos factores económicos subjectivos que continuam a ter uma génese nacional, o que é que se pode fazer? Será que os governos dispõem de ferramentas para lidar com isto? Terão, certamente, algumas. As políticas orçamentais podem ser utilizadas como instrumento contracíclico. Mas elas são muito forçadas, principalmente porque o processo de tomada de decisões subjacente a essas políticas as torna muito pouco flexíveis.
Existe um outro aspecto que tende a reduzir a capacidade de os governos lidarem com ciclos locais. Os boom estão, na maior parte das vezes, relacionados com a expansão interna do crédito, o que pode, em conjugação com as bolhas, ser letal (em especial, nos mercados da habitação). Assistimos a isso em Espanha e na Irlanda, onde crescimento do crédito bancário ajudou à subida acentuada dos preços.
Qualquer política orientada para a estabilização das economias nacionais também terá de ser capaz de controlar a criação de crédito local. Como os Estados-membros entraram numa união monetária, é óbvio que não possuem elementos para lidar com isso. Se as economias estiverem a ser accionadas por factores subjectivos alimentados com crédito, as únicas ferramentas capazes de lidar eficazmente com isso são as monetárias.
Ora os membros do euro deixaram essas ferramentas para as autoridades monetárias europeias. Será que instituições como o Banco Central Europeu (BCE) podem ajudar os governos nacionais? Disseram-nos que isso era impossível, porque o BCE deveria apenas preocupar-se com os aspectos globais do sistema. Ele não poderá ser responsável por condições económicas nacionais, porque tem apenas um objectivo: manter a estabilidade de preços na região como um todo, e porque apenas possui um instrumento para alcançar essa meta.
Isto é uma resposta que não convence nada. O BCE não é só responsável pela estabilidade de preços, mas também o é pela estabilidade financeira. A crise da dívida que, no ano passado, surgiu na zona euro teve a sua origem num número limitado de países. Portanto, é importante que o BCE centre a sua atenção não só no todo, como também naquilo que acontece em cada um dos países.
O crédito bancário em excesso nalguns dos Estados-membros também deveria ter sido detectada pelos radares do BCE em Frankfurt. Há quem diga que o BCE não pode lidar com esta questão em toda a zona euro. Mas não é assim. O sistema do euro tem capacidade técnica para restringir empréstimos bancários nos países (nalguns mais do que noutros) através da aplicação de requisitos de reservas mínimas ou da imposição de rácios de capital anticíclicos. Estes instrumentos podem e devem ser usados como estabilizadores ao nível de cada país.
O sistema do euro é parcialmente culpado pelas bolhas nos mercados imobiliários nacionais e pelos aumentos do endividamento privado que lhes está associado. Uma melhor governação na zona euro não deverá apenas centrar a sua atenção nas responsabilidades dos governos nacionais, mas também nas responsabilidades das autoridades monetárias europeias, como é o caso do BCE.
Professor de Economia na Universidade Católica de Leuven, Bélgica


