17.10.10

Franceses contra vida de "metro, trabalho, sepultura"

Por João Manuel Rocha, in Jornal Público
Menos pessoas na rua do que em manifestações anteriores. Governo destaca "baixa", sindicatos encorajados. Terça há mais protestos

"Se mudam assim a idade da reforma, vão enterrar-nos vivos. Agora é "metro, boulot, caveau" [metro, trabalho, sepultura]." O protesto de Raoul Bourbot, de 56 anos, despedido da empresa de componentes automóveis Molex, registado pela AFP em Toulouse, mostra o sentimento dos que ontem saíram à rua em França, em luta contra a reforma do sistema de pensões: 850 mil, segundo o Ministério do Interior, muito perto de três milhões, segundo a CGT, principal central sindical.

Os números de adesão à quinta jornada de luta desde o início de Setembro contra o aumento da idade mínima de acesso à reforma dos 60 para os 62 anos e de adiamento da pensão completa dos 65 para os 67 foram inferiores aos da última terça-feira, mas considerados encorajadores pelos sindicatos.

Os 850 mil manifestantes da contabilidade do Governo são menos que os 899 mil que as autoridades reconheceram no protesto de 2 de Outubro, também um sábado, e os 1,2 milhões que admitiram na terça-feira passada. As centrais sindicais não coincidiram ontem na leitura dos números das 230 manifestações promovidas em dezenas de cidades e em que os jovens se incorporaram em grande número: a CGT anunciou quase três milhões de participantes, a CFDT ficou-se pelos 2,5 milhões. Ambas tinham reivindicado quase três milhões a 2 de Outubro e 3,5 milhões há cinco dias.

A tradicional disparidade nos números foi ontem mais evidente do que em ocasiões anteriores. Na maior concentração, em Paris, desfilaram 50 mil pessoas, segundo a polícia, 310 mil, de acordo com a CFDT. Em Marselha, houve 16.400 manifestantes ou 180 mil, conforme a fonte; em Bordéus 13.500 ou 130 mil; e em Toulouse 24 mil ou 125 mil.

Para o Governo - que viu na adesão de ontem uma "baixa significativa" relativamente às mobilizações anteriores -, o copo já vai meio vazio. Para os sindicatos, que tinham estabelecido como fasquia uma mobilização equivalente à de dia 2, está meio cheio. Porquê? No entender de Bernard Thibault, líder da CGT, o "movimento ancora-se e alarga-se". A opinião de Jean-Claude-Mailly, da Force Ouvrière, é de que as manifestações de ontem deixam prever "uma mobilização ainda mais forte" na próxima jornada de luta de greves e manifestações, marcada já para depois de amanhã, véspera da votação pelo Senado do projecto de reforma já adoptado pela Assembleia Nacional.

"Temos vários milhões de pessoas na rua, que nos apoiam e acreditam em nós", disse ontem, citado pela Reu- ters, o líder da CFDT, François Chérèque, em Paris. "O único bloqueio do país é o Governo." Para além das sucessivas manifestações, os sindicatos têm conseguido perturbar o estratégico sector dos transportes, particularmente os comboios, e quase fecharam a torneira do abastecimento de combustíveis.

A determinação parece bem viva entre os milhões que se têm mobilizado contra a impopular reforma do sistema de pensões, uma das principais bandeiras do Governo do Presidente Nicolas Sarkozy, que a considera indispensável para a sustentabilidade da Segurança Social. "É preciso ir até ao fim, permanecer firme e continuar com modos de acção diferentes", afirmou à AFP Daniel Daumières, de 54 anos, animador sócio-cultural, um dos manifestantes que se concentraram ontem em Bordéus.