Gina Pereira, in Jornal de Notícias
Valentim José, 79 anos, trabalhou a vida inteira na agricultura, participou na reforma agrária e dirigiu a cooperativa local. Não entende o abandono dos campos, nem as "grandezas" dos políticos e critica o aumento do fosso entre ricos e pobres. A reforma de 300 euros mal dá para comer.
Era o mais novo de três irmãos e seguiu as pisadas dos mais velhos quando estes decidiram deixar a escola. Estudou apenas até à 3ª classe e, ainda criança, foi guardar porcos para os montados de Mora, concelho alentejano onde nasceu e ainda hoje reside, após uma vida inteira de trabalho no campo.
Mais de 40 anos na agricultura valem-lhe uma reforma de 300 euros que, juntamente com a da mulher, tenta agora engordar com o que planta nas traseiras de casa. Batatas, couves, tomate, feijão, pimentos e cebola, tudo o que cai na panela da sopa, porque "o dinheiro chega cada vez menos" e "o que a gente arranja com a nossa mão já não compra no supermercado". De carne quase só comem frango e peixe pouco entra lá em casa.
Valentim José tem 79 anos e a mulher, Maria Rosa de Assis, 78. Conheceram-se na agricultura, quando ambos trabalhavam ao dia, ganhando "25 escudos". "Era aquilo que eles queriam pagar. Não podíamos reivindicar nada", recordam, lembrando os nove anos de namoro, sempre ao domingo, à vista da mãe dela, e sem as "modernices" de hoje. "Antes era aperto demais. Agora é liberdade a mais", resume Valentim.
Depois, deu-se o 25 de Abril de 1974, as nacionalizações, as expropriações, a "evolução". Valentim, militante do PCP, envolveu-se activamente na reforma agrária. Primeiro na formação das comissões de trabalhadores, depois na criação e gestão da cooperativa "A luta é de todos", que chegou a ter 450 trabalhadores e "16 tractores". Sobreviveu 20 anos.
"Unimos tudo: o que fosse bom para uns, era bom para todos; o que fosse ruim para uns, era ruim para todos", diz Valentim, lamentando que esse desígnio tenha sucumbido aos anos de "retrocesso", como classifica os governos de Mário Soares e o seu "socialismo em liberdade".
"Isto não é socialismo nenhum! Socialismo é as pessoas estarem mais perto umas das outras e os rendimentos estarem bem distribuídos", diz Valentim, que acompanha a par e passo as notícias na televisão e lembra-se bem de ter ouvido, recentemente, que Portugal foi o país dos 27 onde "a pobreza aumentou mais e onde a riqueza aumentou mais: os pobres ficaram mais pobres e os ricos ficaram mais ricos". "Sempre houve gente a viver bem e gente a viver mal. Mas as desigualdades sociais estão muito piores do que estavam", afiança.
Valentim não poupa nas críticas aos políticos pelas suas manias de "grandeza" e pela situação a que conduziram as finanças públicas. "Se eles não gastassem mais do que podem, isto não estaria assim. É comboios, é submarinos, é pontes... Eu não sei se a gente tinha necessidade destas coisas todas", diz ele que, aos quase 80 anos, faz contas fáceis de cabeça ao que o novo aumento do IVA vai provocar nas contas lá de casa.
Na farmácia - onde deixam em média 100 euros/mês - temem as mudanças com o fim da comparticipação dos medicamentos genéricos a 100%. E é certo que vão continuar a "encurtar" nos comprimidos para não esvaziar a carteira, tomando-os só quando as dores apertam. O que também não entra na cabeça de Valentim são os subsídios para ter as terras abandonadas. "O pouco que se produzisse era o menos que se ia comprar lá fora e ficava cá o rendimento", diz, ele que dá o exemplo lá em casa.


