18.10.10

União Europeia prepara-se para nova "guerra orçamental"

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Em tempo de crise, os estados não querem ouvir falar de uma subida das contribuições, mas o Parlamento quer reforçar orçamento da UE


O Parlamento Europeu (PE) vai esta semana abrir uma verdadeira guerra em várias frentes com os governos da União Europeia (UE) sobre o orçamento comunitário que poderá resultar numa redução dos financiamentos dos fundos estruturais em Portugal no próximo ano.

Na origem do novo braço-de-ferro está o projecto de orçamento da UE para 2011 que servirá de ponto de partida para uma negociação bem mais vasta sobre os contornos e o financiamento futuro das políticas comuns.

Pela primeira vez em muitos anos, o PE afirma-se disposto a aceitar um aumento quase nulo das despesas comunitárias em 2011 face aos valores deste ano, de modo a ter em conta o actual contexto de crise económica. Só que, como contrapartida, os eurodeputados exigem obter desde já um compromisso do Conselho de Ministros da UE (que reúne os governos dos Vinte e Sete) sobre um aumento das despesas a partir de 2012 para financiar as novas competências da UE a par de uma alteração radical do sistema de receitas do orçamento europeu.

As duas reivindicações são por enquanto liminarmente recusadas pela Comissão Europeia e pelos governos, com o argumento de que a revisão das receitas e despesas só será aplicada em 2014, o ano em que en- trará em vigor um novo quadro orçamental plurianual. Para os governos está fora de questão reabrir o actual quadro orçamental plurianual que fixou o nível dos gastos até ao último cêntimo entre 2007 e 2013.

Alain Lamassoure, eurodeputado francês que preside à comissão parlamentar dos orçamentos, lembra no entanto que o acordo político-jurídico firmado entre o PE e o Conselho sobre o actual quadro orçamental prevê expressamente a possibilidade da sua revisão no caso de um eventual novo tratado reforçar as competências comunitárias. Foi isso mesmo que aconteceu com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, há quase um ano. "Assistimos há vinte anos a uma discrepância crescente entre as novas competências dadas à UE por quatro tratados sucessivos e os meios orçamentais, que permanecem limitados a um por cento do PIB" dos Vinte e Sete, justifica.

O problema, prossegue Lamassoure, está no facto de o orçamento europeu ser alimentado sobretudo por contribuições directas dos estados, calculadas em função do seu nível de riqueza, o que gera batalhas azedas e intermináveis em torno de cálculos contabilísticos sobre o que cada um paga e recebe, sobretudo por parte dos "contribuintes líquidos", como o Reino Unido, a Alemanha ou a Holanda. "O estado dos orçamentos nacionais por causa da crise é tal que os governos estão na impossibilidade de aumentar as suas contribuições para o orçamento europeu", constata o eurodeputado, frisando que "o orçamento europeu está prisioneiro dos orçamentos nacionais".

Desta forma, o PE exige como contrapartida da moderação orçamental "um acordo político do Conselho sobre a forma de assegurar o financiamento das políticas europeias" já a partir de 2012 e o lançamento de uma reflexão sobre as receitas comunitárias com o objectivo de criar um recurso verdadeiramente europeu, que acabe com o conceito de "contribuição nacional" (ver caixa).

Se o Conselho recusar estas reivindicações, vários grupos parlamentares estão dispostos a não votar na quarta-feira o orçamento de 2011, que precisa do acordo conjunto do PE e do Conselho para ser executado. E iniciar uma verdadeira "guerra orçamental" entre as instituições, à semelhança de outras do mesmo tipo no passado que deixaram marcas profundas na evolução da UE. A ser assim, o orçamento comunitário corre o risco de iniciar o ano em regime de duodécimos, com as despesas congeladas aos níveis deste ano.

Neste cenário, Portugal poderá ver os seus fundos estruturais reduzidos face ao previsto. Isto porque o aumento superior a 16 por cento previsto na proposta original da Comissão não poderá ser concretizado. É por isso que os "contribuintes líquidos" estão relativamente tranquilos sobre o cenário dos duodécimos, que limitará as suas contribuições para Bruxelas. Em contrapartida, os "beneficiários líquidos", como Portugal, começam a dar sinais de preocupação.