Helena Bento, in Expresso
Recaídas aumentaram 12% num ano no serviço de tratamento por dependência de drogas. Fenómeno associado à perda de emprego. Equipas com falta de meios avisam que situação pode piorar
Vinte anos depois de ter estado internada numa unidade para desabituação de heroína, Olga (nome fictício, escolhido a pedido da própria) deu entrada noutra estrutura para tratar a dependência de drogas. Foi em janeiro deste ano, depois de vários meses sem conseguir parar de consumir. O início, desta vez, foi diferente. “Quando voltei a trabalhar presencialmente no ano passado, no desconfinamento, comecei a consumir cocaína. Saía de casa de manhã, metia-me na bicicleta, conduzia até ao bairro, consumia e depois ia para o trabalho”, conta Olga, que tem 48 anos e é funcionária numa junta de freguesia em Lisboa.
Cada explicação para o consumo de drogas é um tiro no escuro, mas Olga, que conversa com o Expresso numa das comunidades terapêuticas da associação Ares do Pinhal, na Rinchoa (Sintra), arrisca uma teoria: “As coisas estiveram a ser cozinhadas durante o confinamento. O regresso à normalidade foi uma explosão para mim.” Tinha várias tarefas nessa altura: dar atenção ao filho, de oito anos, que estava em casa sem aulas, preparar refeições, limpar a casa e trabalhar. A psiquiatra avisara-a de que tudo isso, a juntar à “vida vazia” que levava antes da pandemia, sem “encontros com amigos ou outros interesses”, poderia levar a uma recaída. Quando Olga se voltou a lembrar daquelas palavras, já estava “enterrada até às orelhas”, a “fazer vida de sem-abrigo” e a “cravar trocos na rua para sustentar o vício”. “Destruí dois salários seguidos em dois meses. Tive de entregar o meu cartão multibanco à minha mãe para não gastar mais dinheiro”, conta, acrescentando: “Caí no fundo, como todas as outras pessoas.