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11.7.22

Estudo mostra que pobreza é "condenação existencial" e em dez anos nada mudou

in RTP

A pobreza demonstrou ser uma "condenação existencial" para todas as pessoas que participaram num estudo sobre vulnerabilidades em Lisboa, cuja condição permaneceu inalterada durante dez anos apesar dos esforços e das políticas públicas existentes.

O estudo, Barómetro de Pessoas em Situação Vulnerável, do Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, decorreu entre 2011 e 2021 e teve por base quatro vagas de entrevistas com vista a acompanhar nestes dez anos um painel de 43 pessoas que se encontravam em situação de vulnerabilidade.

As conclusões, que vão ser partilhadas na sexta-feira, em Lisboa, na sessão de apresentação do livro que resulta do estudo, apontam que as trajetórias de pobreza, a sua gravidade ou a forma como as pessoas enfrentam a questão vão mudando consoante as conjunturas da vida.

"No entanto, apesar da diversidade de situações e de formas de vida, algo parece imutável ao longo destes dez anos: a manutenção na situação de pobreza", lê-se no documento, que acrescenta que esta "é a grande conclusão do estudo".

É dito de forma bastante clara que desde o início, "a maioria dos membros do painel estão numa condição de pobreza e permanecem nela apesar de todos os seus esforços individuais e das políticas públicas vigentes".

"É como uma condenação existencial", refere a publicação, sublinhando que a maioria das pessoas entrevistadas "vem de uma pobreza `hereditária`" e nos casos em que isso não acontece há em comum as "características de vulnerabilidade, de capitais culturais, económicos e simbólicos".

Destaca também que "poucos ultrapassam o limiar da pobreza", tendo isso acontecido apenas com sete pessoas e mesmo no caso dessas "administrativamente", uma vez que "as precárias condições de vida mantêm-se e a linha que os separa dos limiares da pobreza é ténue e instável".

O trabalho, uma iniciativa da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), revela que há duas grandes razões para isto acontecer, desde logo o "acumular de vulnerabilidades" e depois o facto de estas pessoas terem apenas acesso "às franjas do mercado de trabalho".

De acordo com o Observatório, "são, sobretudo, as frágeis habilitações escolares e profissionais que as condenam a um mercado marginal de trabalho", uma condição agravada quando há estados de saúde fragilizados.

"A associação entre saúde e pobreza revela uma estrutura de causalidade: a pobreza gera uma saúde deficiente e uma saúde deficiente gera pobreza", lê-se, acrescentando que "a saúde dos indivíduos espelha as desigualdades sociais que preconizam".

Além da saúde, o estudo salienta "o fracasso do sistema escolar na promoção de mecanismos de combate às desigualdades escolares e à promoção de uma educação com sucesso".

Acrescenta que as estas vulnerabilidades somam-se as relativas ao género e à etnia, sublinhando que quando há um contexto de pobreza a "posição desvantajosa da mulher (...) é ainda mais notória" e que as comunidades ciganas continuam afastadas de um processo de integração efetivo e transversal.

O estudo demonstra que nestes dez anos a forma como as pessoas inquiridas encararam a pobreza oscilou entre a acomodação e a resiliências, destacando que "quase todos os entrevistados estiveram inseridos no mercado de trabalho, embora de forma frágil e intermitente" e que o conseguiram "através do seu esforço pessoal e não através dos serviços públicos".

No que diz respeito às políticas de emprego e de ação social, o estudo aponta que há "falta de adequação, eficiência e eficácia no combate à pobreza e às múltiplas vulnerabilidades", e sublinha que o Rendimento Social de Inserção (RSI) é "o último refúgio possível para dar alguma proteção a situações de extrema pobreza".

O estudo deixa ainda três orientações, entre a criação de um modelo de desenvolvimento em que a produção e a redistribuição de rendimentos seja mais igualitária, acelerar o desenvolvimento económico para que os níveis salariais e as oportunidades de emprego aumentem e a garantia de que as políticas sociais assentam na capacitação e na inserção no mercado de trabalho.

3.11.16

Santana descentralizou os serviços sociais da Santa Casa

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Sérgio Cintra, administrador executivo, sublinha importância das pontes criadas nos últimos anos, apontando “novo modelo de gestão, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias”

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa já não se fecha tanto num mundo à parte, sobre si própria, com ar de auto-suficiente. Reorganizou algumas respostas sociais, tratou de desenvolver um modelo descentralizado, de construir pontes. Há uma marca de Santana Lopes na intervenção social?

Os relatórios e contas mostram que a partir de 2011 aumentaram os subsídios a pessoas carenciadas. Apontam a crise da dívida e o recuo do Estado social. Houve uma quebra no último semestre de 2014, que se tem vindo a manter. Atribuem-na à autonomização das pessoas, mas também à diminuição do tempo de espera na atribuição das prestações sociais.

Esta não é uma misericórdia como as outras. Reúne e coordena serviços que noutros concelhos são assegurados pela Segurança Social. Faz atendimento social, gere o serviço de adopção, uma rede de equipamentos de infância e juventude, respostas sociais para pessoas portadoras de deficiência, todo o tipo de serviços para idosos. E a emergência e o apoio à inserção de sem-abrigo.

Além de uma grande dimensão, a Santa Casa tem uma grande tradição, comenta Luís Capucha, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. A acção do provedor tem de atender a essa carga, que requer alguma estabilidade, mas também à orientação política. Afinal, este é um cargo de nomeação governamental. Parece-lhe que houve uma tentação caritativa, na era Passos Coelho, e um regresso à lógica solidária, com António Costa.

Que não haja equívocos, reclama Sérgio Cintra, administrador executivo da Santa Casa com o pelouro da Acção Social. “O provedor não se limita a gerir, tem uma visão própria”, sublinha. “Estamos inconformados com algumas soluções, achamos que devemos ser diferentes e temos iniciativas diferentes, inovar.” Nestes últimos cinco anos, a Santa Casa reabilitou equipamentos. Reorganizou serviços. Abriu duas residências de apoio moderado destinadas a jovens adultos que não conseguem ter autonomia completa mas têm capacidades para viver em habitação com suporte. Envolveu-se na criação da Rede Social e do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo de Lisboa. Ficou com a responsabilidade da intervenção e, nesse âmbito, com a gestão da Unidade de Atendimento à Pessoa Sem Abrigo.

Há, hoje, maior abertura ou, pelo menos, maior esforço de articulação, concorda Joaquina Madeira, que foi directora-geral da Acção Social entre 1991 a 2000 e em 2012 assumiu o papel de coordenadora Nacional do Programa Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações.
Sérgio Cintra prefere falar em pontes. Menciona o acordo firmado com a União das Misericórdias Portuguesas, que permitiu usar receitas do jogo para apoiar actividades de outras misericórdias do país. E um novo modelo de gestão, iniciado na sequência da reforma administrativa da cidade (24 freguesias), “mais descentralizado, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias, numa lógica de governação integrada”. Este novo paradigma, explica, assenta numa abordagem colaborativa e na gestão de caso.

Sérgio Aires, director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, nota um esforço para requalificar as equipas técnicas e para tomar decisões baseadas em conhecimento. “Nos últimos anos, os funcionários estão mais próximos das pessoas”, analisa. Tratam-nas com maior cuidado, seguindo uma lógica que, pouco a pouco, se propaga pelo todo nacional.

A Santa Casa, gaba-se Santana Lopes, já não fica tanto à espera que quem precisa bata à porta. E dá o exemplo do projecto Intergerações, que fez, pela primeira vez, o levantamento da situação dos idosos que vivem na cidade de Lisboa. Quase 60 jovens percorreram as ruas de Lisboa, porta a porta, e encontraram mais de 500 idosos a precisar de apoio urgente.

O provedor faz a defesa da intergeracionalidade e da substituição do apoio em lares pelo apoio em casa. E, lembra Sérgio Cintra, as equipas de apoio a idosos foram requalificadas e reforçadas. Foi impulsionada a figura do cuidador familiar. O curso de formação para agentes de geriatria termina em Novembro de 2016. E a Acção Social está agora a preparar um projecto de intervenção e apoio directo aos utentes e às famílias de modo a reforçar e qualificar o apoio no domicilio. Está já a preparar um manual de boas práticas para cuidadores informais.