in RTP
A pobreza demonstrou ser uma "condenação existencial" para todas as pessoas que participaram num estudo sobre vulnerabilidades em Lisboa, cuja condição permaneceu inalterada durante dez anos apesar dos esforços e das políticas públicas existentes.
O estudo, Barómetro de Pessoas em Situação Vulnerável, do Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, decorreu entre 2011 e 2021 e teve por base quatro vagas de entrevistas com vista a acompanhar nestes dez anos um painel de 43 pessoas que se encontravam em situação de vulnerabilidade.
As conclusões, que vão ser partilhadas na sexta-feira, em Lisboa, na sessão de apresentação do livro que resulta do estudo, apontam que as trajetórias de pobreza, a sua gravidade ou a forma como as pessoas enfrentam a questão vão mudando consoante as conjunturas da vida.
"No entanto, apesar da diversidade de situações e de formas de vida, algo parece imutável ao longo destes dez anos: a manutenção na situação de pobreza", lê-se no documento, que acrescenta que esta "é a grande conclusão do estudo".
É dito de forma bastante clara que desde o início, "a maioria dos membros do painel estão numa condição de pobreza e permanecem nela apesar de todos os seus esforços individuais e das políticas públicas vigentes".
"É como uma condenação existencial", refere a publicação, sublinhando que a maioria das pessoas entrevistadas "vem de uma pobreza `hereditária`" e nos casos em que isso não acontece há em comum as "características de vulnerabilidade, de capitais culturais, económicos e simbólicos".
Destaca também que "poucos ultrapassam o limiar da pobreza", tendo isso acontecido apenas com sete pessoas e mesmo no caso dessas "administrativamente", uma vez que "as precárias condições de vida mantêm-se e a linha que os separa dos limiares da pobreza é ténue e instável".
O trabalho, uma iniciativa da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), revela que há duas grandes razões para isto acontecer, desde logo o "acumular de vulnerabilidades" e depois o facto de estas pessoas terem apenas acesso "às franjas do mercado de trabalho".
De acordo com o Observatório, "são, sobretudo, as frágeis habilitações escolares e profissionais que as condenam a um mercado marginal de trabalho", uma condição agravada quando há estados de saúde fragilizados.
"A associação entre saúde e pobreza revela uma estrutura de causalidade: a pobreza gera uma saúde deficiente e uma saúde deficiente gera pobreza", lê-se, acrescentando que "a saúde dos indivíduos espelha as desigualdades sociais que preconizam".
Além da saúde, o estudo salienta "o fracasso do sistema escolar na promoção de mecanismos de combate às desigualdades escolares e à promoção de uma educação com sucesso".
Acrescenta que as estas vulnerabilidades somam-se as relativas ao género e à etnia, sublinhando que quando há um contexto de pobreza a "posição desvantajosa da mulher (...) é ainda mais notória" e que as comunidades ciganas continuam afastadas de um processo de integração efetivo e transversal.
O estudo demonstra que nestes dez anos a forma como as pessoas inquiridas encararam a pobreza oscilou entre a acomodação e a resiliências, destacando que "quase todos os entrevistados estiveram inseridos no mercado de trabalho, embora de forma frágil e intermitente" e que o conseguiram "através do seu esforço pessoal e não através dos serviços públicos".
No que diz respeito às políticas de emprego e de ação social, o estudo aponta que há "falta de adequação, eficiência e eficácia no combate à pobreza e às múltiplas vulnerabilidades", e sublinha que o Rendimento Social de Inserção (RSI) é "o último refúgio possível para dar alguma proteção a situações de extrema pobreza".
O estudo deixa ainda três orientações, entre a criação de um modelo de desenvolvimento em que a produção e a redistribuição de rendimentos seja mais igualitária, acelerar o desenvolvimento económico para que os níveis salariais e as oportunidades de emprego aumentem e a garantia de que as políticas sociais assentam na capacitação e na inserção no mercado de trabalho.
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11.7.22
Estudo mostra que pobreza é "condenação existencial" e em dez anos nada mudou
3.11.16
Santana descentralizou os serviços sociais da Santa Casa
Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Sérgio Cintra, administrador executivo, sublinha importância das pontes criadas nos últimos anos, apontando “novo modelo de gestão, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias”
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa já não se fecha tanto num mundo à parte, sobre si própria, com ar de auto-suficiente. Reorganizou algumas respostas sociais, tratou de desenvolver um modelo descentralizado, de construir pontes. Há uma marca de Santana Lopes na intervenção social?
Os relatórios e contas mostram que a partir de 2011 aumentaram os subsídios a pessoas carenciadas. Apontam a crise da dívida e o recuo do Estado social. Houve uma quebra no último semestre de 2014, que se tem vindo a manter. Atribuem-na à autonomização das pessoas, mas também à diminuição do tempo de espera na atribuição das prestações sociais.
Esta não é uma misericórdia como as outras. Reúne e coordena serviços que noutros concelhos são assegurados pela Segurança Social. Faz atendimento social, gere o serviço de adopção, uma rede de equipamentos de infância e juventude, respostas sociais para pessoas portadoras de deficiência, todo o tipo de serviços para idosos. E a emergência e o apoio à inserção de sem-abrigo.
Além de uma grande dimensão, a Santa Casa tem uma grande tradição, comenta Luís Capucha, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. A acção do provedor tem de atender a essa carga, que requer alguma estabilidade, mas também à orientação política. Afinal, este é um cargo de nomeação governamental. Parece-lhe que houve uma tentação caritativa, na era Passos Coelho, e um regresso à lógica solidária, com António Costa.
Que não haja equívocos, reclama Sérgio Cintra, administrador executivo da Santa Casa com o pelouro da Acção Social. “O provedor não se limita a gerir, tem uma visão própria”, sublinha. “Estamos inconformados com algumas soluções, achamos que devemos ser diferentes e temos iniciativas diferentes, inovar.” Nestes últimos cinco anos, a Santa Casa reabilitou equipamentos. Reorganizou serviços. Abriu duas residências de apoio moderado destinadas a jovens adultos que não conseguem ter autonomia completa mas têm capacidades para viver em habitação com suporte. Envolveu-se na criação da Rede Social e do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo de Lisboa. Ficou com a responsabilidade da intervenção e, nesse âmbito, com a gestão da Unidade de Atendimento à Pessoa Sem Abrigo.
Há, hoje, maior abertura ou, pelo menos, maior esforço de articulação, concorda Joaquina Madeira, que foi directora-geral da Acção Social entre 1991 a 2000 e em 2012 assumiu o papel de coordenadora Nacional do Programa Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações.
Sérgio Cintra prefere falar em pontes. Menciona o acordo firmado com a União das Misericórdias Portuguesas, que permitiu usar receitas do jogo para apoiar actividades de outras misericórdias do país. E um novo modelo de gestão, iniciado na sequência da reforma administrativa da cidade (24 freguesias), “mais descentralizado, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias, numa lógica de governação integrada”. Este novo paradigma, explica, assenta numa abordagem colaborativa e na gestão de caso.
Sérgio Aires, director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, nota um esforço para requalificar as equipas técnicas e para tomar decisões baseadas em conhecimento. “Nos últimos anos, os funcionários estão mais próximos das pessoas”, analisa. Tratam-nas com maior cuidado, seguindo uma lógica que, pouco a pouco, se propaga pelo todo nacional.
A Santa Casa, gaba-se Santana Lopes, já não fica tanto à espera que quem precisa bata à porta. E dá o exemplo do projecto Intergerações, que fez, pela primeira vez, o levantamento da situação dos idosos que vivem na cidade de Lisboa. Quase 60 jovens percorreram as ruas de Lisboa, porta a porta, e encontraram mais de 500 idosos a precisar de apoio urgente.
O provedor faz a defesa da intergeracionalidade e da substituição do apoio em lares pelo apoio em casa. E, lembra Sérgio Cintra, as equipas de apoio a idosos foram requalificadas e reforçadas. Foi impulsionada a figura do cuidador familiar. O curso de formação para agentes de geriatria termina em Novembro de 2016. E a Acção Social está agora a preparar um projecto de intervenção e apoio directo aos utentes e às famílias de modo a reforçar e qualificar o apoio no domicilio. Está já a preparar um manual de boas práticas para cuidadores informais.
Sérgio Cintra, administrador executivo, sublinha importância das pontes criadas nos últimos anos, apontando “novo modelo de gestão, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias”
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa já não se fecha tanto num mundo à parte, sobre si própria, com ar de auto-suficiente. Reorganizou algumas respostas sociais, tratou de desenvolver um modelo descentralizado, de construir pontes. Há uma marca de Santana Lopes na intervenção social?
Os relatórios e contas mostram que a partir de 2011 aumentaram os subsídios a pessoas carenciadas. Apontam a crise da dívida e o recuo do Estado social. Houve uma quebra no último semestre de 2014, que se tem vindo a manter. Atribuem-na à autonomização das pessoas, mas também à diminuição do tempo de espera na atribuição das prestações sociais.
Esta não é uma misericórdia como as outras. Reúne e coordena serviços que noutros concelhos são assegurados pela Segurança Social. Faz atendimento social, gere o serviço de adopção, uma rede de equipamentos de infância e juventude, respostas sociais para pessoas portadoras de deficiência, todo o tipo de serviços para idosos. E a emergência e o apoio à inserção de sem-abrigo.
Além de uma grande dimensão, a Santa Casa tem uma grande tradição, comenta Luís Capucha, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. A acção do provedor tem de atender a essa carga, que requer alguma estabilidade, mas também à orientação política. Afinal, este é um cargo de nomeação governamental. Parece-lhe que houve uma tentação caritativa, na era Passos Coelho, e um regresso à lógica solidária, com António Costa.
Que não haja equívocos, reclama Sérgio Cintra, administrador executivo da Santa Casa com o pelouro da Acção Social. “O provedor não se limita a gerir, tem uma visão própria”, sublinha. “Estamos inconformados com algumas soluções, achamos que devemos ser diferentes e temos iniciativas diferentes, inovar.” Nestes últimos cinco anos, a Santa Casa reabilitou equipamentos. Reorganizou serviços. Abriu duas residências de apoio moderado destinadas a jovens adultos que não conseguem ter autonomia completa mas têm capacidades para viver em habitação com suporte. Envolveu-se na criação da Rede Social e do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo de Lisboa. Ficou com a responsabilidade da intervenção e, nesse âmbito, com a gestão da Unidade de Atendimento à Pessoa Sem Abrigo.
Há, hoje, maior abertura ou, pelo menos, maior esforço de articulação, concorda Joaquina Madeira, que foi directora-geral da Acção Social entre 1991 a 2000 e em 2012 assumiu o papel de coordenadora Nacional do Programa Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações.
Sérgio Cintra prefere falar em pontes. Menciona o acordo firmado com a União das Misericórdias Portuguesas, que permitiu usar receitas do jogo para apoiar actividades de outras misericórdias do país. E um novo modelo de gestão, iniciado na sequência da reforma administrativa da cidade (24 freguesias), “mais descentralizado, com um forte pendor local de intervenção social, promovendo e reforçando parcerias, numa lógica de governação integrada”. Este novo paradigma, explica, assenta numa abordagem colaborativa e na gestão de caso.
Sérgio Aires, director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, nota um esforço para requalificar as equipas técnicas e para tomar decisões baseadas em conhecimento. “Nos últimos anos, os funcionários estão mais próximos das pessoas”, analisa. Tratam-nas com maior cuidado, seguindo uma lógica que, pouco a pouco, se propaga pelo todo nacional.
A Santa Casa, gaba-se Santana Lopes, já não fica tanto à espera que quem precisa bata à porta. E dá o exemplo do projecto Intergerações, que fez, pela primeira vez, o levantamento da situação dos idosos que vivem na cidade de Lisboa. Quase 60 jovens percorreram as ruas de Lisboa, porta a porta, e encontraram mais de 500 idosos a precisar de apoio urgente.
O provedor faz a defesa da intergeracionalidade e da substituição do apoio em lares pelo apoio em casa. E, lembra Sérgio Cintra, as equipas de apoio a idosos foram requalificadas e reforçadas. Foi impulsionada a figura do cuidador familiar. O curso de formação para agentes de geriatria termina em Novembro de 2016. E a Acção Social está agora a preparar um projecto de intervenção e apoio directo aos utentes e às famílias de modo a reforçar e qualificar o apoio no domicilio. Está já a preparar um manual de boas práticas para cuidadores informais.
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