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25.9.23

Alunos mais emocionais e com menos conhecimento. Como recuperar as aprendizagens no pós-covid?

Francisco de Almeida Fernandes Jornalista, in Expresso

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Este mês, o tema em foco é a educação e os seus principais desafios, como a recuperação de aprendizagens no pós-covid


OS FACTOS

A 13 de março de 2020, onze dias depois de confirmados os primeiros casos de covid-19 em Portugal, o Governo declarou o encerramento das escolas em todo o país. Cerca de um mês depois, o executivo anunciava o regresso dos estudantes às aulas do terceiro período, mas apenas em formato virtual. Nascia, então, o Estudo em Casa – emissão especial da RTP Memória com conteúdos pedagógicos para vários níveis escolares - que viria a acompanhar os alunos até ao ano-letivo seguinte.

Os habituais exames nacionais foram suspensos durante este período. Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) mostram que no ano-letivo 2019/2020, o primeiro afetado pela covid-19, até se registou um aumento na taxa de transição/conclusão de 93,8% para 96,1%. No entanto, voltaria a descer nos dois anos seguintes: primeiro para 95,5% e, depois, para 95,4%. A única exceção verificou-se no ensino secundário, que no ano letivo 2020/2021 melhorou os resultados de 91,5% para 91,7%, tendo voltado a cair para 91,4% no ano seguinte.

91,4%

é a taxa de transição/conclusão verificada no ensino secundário no ano-letivo 2021/2022, de acordo com dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência


A taxa de retenção e desistência, que registava tendência decrescente desde 2012/2013 quando atingiu 12,5%, continuou a cair no entre 2018/2019 e 2019/2020 para 3,9%. Porém, no ano-letivo 2020/2021 – o primeiro que sofreu com os efeitos covid-19 durante todo o período de aulas – a retenção aumentou para 4,5% e, em 2021/2022, novamente para 4,6%.

Para mitigar os eventuais efeitos negativos da suspensão das aulas e da alteração do formato de físico para o digital, o Governo lançou, em 2021, o plano de recuperação das aprendizagens dirigido aos ensinos básico e secundário. Em abril deste ano, o ministro da Educação, João Costa, respondeu aos apelos de duas associações de diretores de escolas e confirmou que o programa de intervenção – previsto inicialmente para durar entre 2021 e 2023 – iria ser prolongado até 2024.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Apesar de faltarem dados objetivos e comparáveis que permitam analisar, ao detalhe, as consequências da pandemia na aprendizagem, estudos internacionais permitem um vislumbre do que pode ter acontecido em Portugal. A principal preocupação de Domingos Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNEDU), prende-se com os primeiros anos de ensino. “As crianças que estavam no primeiro ano quando houve a primeira interrupção [das aulas], sobretudo as dos meios mais vulneráveis, são as que estão em maior risco de não acompanhar a aprendizagem”, aponta. Em causa está, explica, o facto de ser nestes primeiros anos que os alunos aprendem a escrever, a ler e absorvem as bases da matemática, fatores essenciais para, mais à frente no percurso escolar, compreenderem os conteúdos lecionados. “A escrita e a leitura são absolutamente estruturantes para o desenvolvimento cognitivo e intelectual”, reforça o professor.


97

foi o número de dias que os alunos do terceiro ciclo do ensino básico estiveram sem aulas presenciais entre março de 2020 e maio de 2021


Opinião convergente tem a professora do ensino secundário, Maria Rosário Azevedo, que confirma empiricamente que as consequências “atingiram todas as disciplinas”, mas em particular as áreas das “humanidades, artísticas e de expressão física”. Os alunos “não conseguem entender as perguntas ou colocar o seu pensamento de forma clara no papel”, lamenta. Por outro lado, continua, os professores notam os estudantes com mais “ataques de pânico, de ansiedade”, mas também com “falta de autonomia para atividades simples”.

Sobre o plano para a recuperação das aprendizagens, Domingos Fernandes considera “excessivo” o número de medidas recomendadas pelo Ministério da Educação às escolas. Maria Rosário Azevedo diz ainda que “há muito poucos professores para acompanhar os alunos que têm mais dificuldades” e que, apesar do esforço dos docentes, existem desafios em concretizar esse apoio adicional aos estudantes. E esse apoio, destacam os peritos ouvidos pelo Expresso, é particularmente importante junto dos alunos mais vulneráveis – são aqueles que, em regra, beneficiam de apoio social escolar e que vivem em meios mais desfavorecidos.

Outro dos problemas nesta jornada de recuperação de aprendizagens tem que ver com a falta de dados disponíveis. “Não temos comparação [de resultados antes e depois da pandemia]. Não sabemos, efetivamente, se os alunos aprenderam menos, se aprenderam mais ou se foram prejudicados com o ensino online”, critica o presidente do CNEDU. Apesar dos resultados das provas nacionais terem sido “surpreendentes” pela positiva, em comparação com o período pré-pandémico, Domingos Fernandes diz que não são comparáveis e prefere olhar para a investigação desenvolvida além-fronteiras.


“Julgo que os filhos e as filhas das famílias das classes média e média alta não tenham tido grandes problemas [na aprendizagem, ao contrário dos alunos mais vulneráveis]”, aponta Domingos Fernandes

“Estudos feitos na Alemanha e na Suíça com dados que podem ser comparáveis, publicados em revistas credíveis, dizem que a partir dos 12, 13 anos não há perdas [de aprendizagens]”, afirma, citando a recolha de dados naqueles dois países. Ainda assim, verificam-se “algumas perdas relativamente pequenas no ensino básico, sobretudo na matemática e na língua materna”. Mas Domingos Fernandes alerta ainda para outra questão: os esforços feitos pelas famílias e pelas escolas durante a pandemia foram “desiguais” e prejudicaram aqueles com condições socioeconómicas mais desfavoráveis.

PARA ONDE CAMINHAMOS

A recuperação do tempo e do conhecimento perdidos durante a crise sanitária deve ser, defendem a uma só voz os peritos, a prioridade do sistema de ensino português. Sobre esta questão, Noam Angrist, investigador australiano especializado em educação, não tem dúvidas de que “o primeiro passo é a avaliação”. “As crianças devem ser avaliadas para fazer um balanço sobre o seu nível de aprendizagem e outras necessidades que possam ter”, acredita.

A resposta tem de passar pela abordagem “ensino ao nível certo”, que, em resumo, dita que os professores devem perceber em que estádio de desenvolvimento está cada aluno e adaptar o ensino às suas carências. Angrist defende a utilização dos meios tecnológicos como arma de combate às perdas de aprendizagens, até porque “o potencial da tecnologia reside na sua capacidade de ser adaptável em vez de uma abordagem única”. O investigador diz que não basta distribuir, de forma indiscriminada, computadores e tablets pelos alunos e esperar que eles, “magicamente”, resolvam o desafio da aprendizagem. “Tecnologias diferentes funcionam para diferentes segmentos da população e devemos ajustar isso em conformidade. Claro que não é apenas a plataforma, mas também a pedagogia que importa, pelo que chegar ao “nível certo” deve ser conjugado com ensinar ao nível certo”, remata.

Vale a pena assinalar que, em pleno início do ano-letivo 2023/2024, professores e associações do sector alertam para a possibilidade de existirem, nos próximos meses, menos docentes alocados à recuperação de aprendizagens pelo fim do financiamento europeu ao programa nacional.

29.7.22

Estudo revela que somos um país cada vez mais envelhecido com maior desigualdade

Arlinda Brandão, in RTP

A Fundação Francisco Manuel dos Santos esteve a comparar os municípios portugueses em matéria de bem-estar de desigualdade social e concluiu em quase um terço dos municípios de Portugal mais de metade das famílias são pobres e há mais idosos do que crianças em 96% dos concelhos do país.Estas são duas das muitas conclusões de um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que caracteriza perfis de bem-estar e de desigualdade social nos vários concelhos portugueses. Chama-se «Territórios de Bem-Estar: Assimetrias nos municípios portugueses».

Os municípios que mais perderam população jovem são os que têm rendimentos mais baixos e a qualidade do ambiente é um dos traços mais valorizados nas apreciações de bem-estar. Estas são outras conclusões do estudo onde também se diz que o equilíbrio entre trabalho e vida familiar é muito valorizado pelos portugueses nas apreciações de bem-estar.

Este estudo mostra que são vários os desafios para melhorar as condições de vida e de bem-estar das populações, que está dependente das oportunidades e condições de emprego, acesso à habitação, à saúde ou à segurança, oferta de bons ou maus transportes.

As principais conclusões permitem mostrar caminhos aos decisores para reduzir o fosso entre os municípios do litoral e do interior do país.

A noção de bem-estar não significa o mesmo para todas as pessoas, nem em todos os lugares.

Mas o que contribui para o bem-estar dos cidadãos?

Foi a esta questão que os investigadores quiseram responder e que permitiu concluir neste Estudo que as pessoas apresentam condições devida e de participação social muito desiguais nos municípios portugueses.

E que há vantagens e desvantagens em viver nos municípios do litoral ou do interior do país. Isto porque a perceção de bem-estar é influenciada não só por critérios ligados à capacidade económica da população, como o acesso ao emprego ou a bons salários, que se destacam nos concelhos do litoral; mas também de qualidade de vida, ligados ao ambiente, à família, ao apoio social que no interior são em média melhor.

Os que mais perderam população jovem são os que têm rendimentos mais baixos, o equilíbrio entre trabalho e vida familiar tb é muito valorizado pelos portugueses , são outras conclusões deste estudo abrangente.

A jornalista Arlinda Brandão falou com a coordenadora do Estudo, Rosário Mauritti para perceber como foi feito tendo em conta áreas como a saúde, habitação, trabalho, transportes, educação ou cultura, numa análise comparativa em diferentes territórios de Portugal.

Desigualdades sociais: em 28% dos concelhos, mais de metade das famílias são pobres

Raquel Albuquerque, in Expresso

Estudo da FFMS mostra como o país é “profundamente assimétrico” nas condições de vida e de bem-estar das populações. Mas as cidades dão menos apoio a quem não tem como viver dignamente. O que mais conta para os portugueses é viver num local com qualidade ambiental, próximo da família ou amigos e com trabalho digno

Em 28% dos municípios do Continente, mais de metade das famílias são pobres. Na sua maioria, esses concelhos encontram-se em territórios de baixa densidade populacional ou intermédia. Mas é nas grandes cidades, densamente povoadas e com menor proximidade entre os moradores, que é “mais duro” ser pobre, conclui um estudo divulgado esta segunda-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que avaliou o impacto das condições de vida no bem-estar das populações nos diferentes territórios do país.

Em 28% dos municípios do Continente, mais de metade das famílias são pobres. Na sua maioria, esses concelhos encontram-se em territórios de baixa densidade populacional ou intermédia. Mas é nas grandes cidades, densamente povoadas e com menor proximidade entre os moradores, que é “mais duro” ser pobre, conclui um estudo divulgado esta segunda-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que avaliou o impacto das condições de vida no bem-estar das populações nos diferentes territórios do país.

O estudo “Territórios de bem-estar: assimetrias nos municípios portugueses”, coordenado por Rosário Mauritti, socióloga e professora no ISCTE, aferiu a pobreza por concelho com base no número de famílias que se encontram nos 40% de rendimentos mais baixos, a partir de estatísticas das Finanças, uma vez que os dados oficiais sobre pobreza, calculados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), dão um retrato apenas nacional e por região.

“A concentração da pobreza está muito disseminada nos territórios estruturalmente mais frágeis, sobretudo os de baixa densidade e intermédios. Mas também a encontramos nos territórios inovadores, com maior densidade populacional e recursos. Neles, a pobreza é muito mais dura, porque não existe a teia de apoio que encontramos nos de baixa densidade. Ser pobre, ser velho e viver numa casa sozinho, na cidade, incorpora muito mais desafios do que ter a mesma situação numa comunidade mais pequena”, explica Rosário Mauritti ao Expresso.

Na cidade, a pobreza “é envergonhada e nem sempre reconhecida”, acrescenta a investigadora. “Nos chavões destes territórios, pretende-se promover o concelho como o que acolhe os melhores estudantes ou o que quer ter a melhor capacidade produtiva. Por isso, as manchas de pobreza ficam mal e aparecem apenas referidas na periferia das periferias, nos bairros marcados por forte diversidade étnica, por pessoas desempregadas ou com baixas qualificações.”

Pelo contrário, apesar de as zonas de menor densidade populacional serem mais envelhecidas, terem menos emprego, menor atividade económica e capacidade produtiva, é nelas que se vê “maior mobilização comunitária para mitigar o envelhecimento e a pobreza”. Aliás, o sector do apoio social está entre os que geram mais emprego nas zonas de menor densidade.

Portugal é um “país profundamente assimétrico” nas condições de vida e de bem estar das populações, conclui o estudo, que se baseou num conjunto alargado de indicadores estatísticos por concelho para fazer um retrato detalhado do Continente, agrupando os municípios em cinco grupos distintos com semelhanças entre si.

Designaram-nos por Territórios Industriais em Transição, Territórios Intermédios, Territórios Urbanos em Rede, Territórios Inovadores e Territórios de Baixa Densidade. E podem, daqui em diante, ser usados para ter uma visão das condições de vida e de bem estar dos portugueses, “mais próxima da realidade das suas vidas e produzida com base em estatísticas oficiais”, explica o estudo

Cada vez menos, indicadores como o PIB e o crescimento económico conseguem medir as condições de vida das pessoas nos diferentes territórios. “Percebemos isso sobretudo a partir da crise em 2008 e desde então surgiram mais estudos para medir a felicidade e o bem-estar, mas fazem-no de forma agregada, a nível nacional, e não sobre a realidade concreta das pessoas”, refere a coordenadora.

O QUE É ENTÃO O BEM-ESTAR?

Embora a ideia de bem-estar não signifique o mesmo para todos os portugueses, nem em todos os pontos do país, há algumas perceções comuns. E uma delas é viver num local próximo da família ou de amigos, com uma sensação de pertença. “Os contactos sociais são importantíssimos para os sentimentos de felicidade. Viver sozinho num terceiro andar com problemas de mobilidade e frágeis condições de recursos é ainda mais difícil na cidade”, refere Rosário Mauritti. Contudo, o estudo apurou que em mais de 60% dos municípios, um em cada cinco idosos vive sozinho.

O ambiente do local onde se vive é mesmo o traço mais valorizado, refere o estudo. A qualidade do ar, o espaço para caminhar e a proximidade do mar, de um rio ou da serra estão entre os fatores mais referidos na definição de bem-estar. E, depois do ambiente e dos contactos sociais, está também o trabalho digno, uma realidade “assimétrica” no território e muito associada à valorização do equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar.

Saúde, habitação e educação são três grandes áreas com assimetrias no território. Em zonas mais rurais, associa-se uma fraca mobilidade à ausência de cuidados de saúde especializados. Por outro lado, mais de metade da habitação social está concentrada em sete concelhos, sobretudo urbanos, onde a concentração de população é maior. “Este é outro dilema muito significativo”, refere Rosário Mauritti, lembrando, porém, que a questão da habitação é vivida de forma distinta noutras zonas de menor densidade, onde as aldeias ficaram com muitas casas vazias.

“Outra grande questão é a qualificação da população”, acrescenta a investigadora. “Temos uma população jovem que se está a qualificar, mas a economia não está a mudar ao mesmo ritmo. A incapacidade de reconverter o tecido económico é um dos enormes desafios em Portugal. Todo o país expulsa os jovens para os territórios inovadores, que são poucos e pequenos. E isso sem essa reconversão, isso vai continuar a acontecer.”