29.7.22

Desigualdades sociais: em 28% dos concelhos, mais de metade das famílias são pobres

Raquel Albuquerque, in Expresso

Estudo da FFMS mostra como o país é “profundamente assimétrico” nas condições de vida e de bem-estar das populações. Mas as cidades dão menos apoio a quem não tem como viver dignamente. O que mais conta para os portugueses é viver num local com qualidade ambiental, próximo da família ou amigos e com trabalho digno

Em 28% dos municípios do Continente, mais de metade das famílias são pobres. Na sua maioria, esses concelhos encontram-se em territórios de baixa densidade populacional ou intermédia. Mas é nas grandes cidades, densamente povoadas e com menor proximidade entre os moradores, que é “mais duro” ser pobre, conclui um estudo divulgado esta segunda-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que avaliou o impacto das condições de vida no bem-estar das populações nos diferentes territórios do país.

Em 28% dos municípios do Continente, mais de metade das famílias são pobres. Na sua maioria, esses concelhos encontram-se em territórios de baixa densidade populacional ou intermédia. Mas é nas grandes cidades, densamente povoadas e com menor proximidade entre os moradores, que é “mais duro” ser pobre, conclui um estudo divulgado esta segunda-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que avaliou o impacto das condições de vida no bem-estar das populações nos diferentes territórios do país.

O estudo “Territórios de bem-estar: assimetrias nos municípios portugueses”, coordenado por Rosário Mauritti, socióloga e professora no ISCTE, aferiu a pobreza por concelho com base no número de famílias que se encontram nos 40% de rendimentos mais baixos, a partir de estatísticas das Finanças, uma vez que os dados oficiais sobre pobreza, calculados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), dão um retrato apenas nacional e por região.

“A concentração da pobreza está muito disseminada nos territórios estruturalmente mais frágeis, sobretudo os de baixa densidade e intermédios. Mas também a encontramos nos territórios inovadores, com maior densidade populacional e recursos. Neles, a pobreza é muito mais dura, porque não existe a teia de apoio que encontramos nos de baixa densidade. Ser pobre, ser velho e viver numa casa sozinho, na cidade, incorpora muito mais desafios do que ter a mesma situação numa comunidade mais pequena”, explica Rosário Mauritti ao Expresso.

Na cidade, a pobreza “é envergonhada e nem sempre reconhecida”, acrescenta a investigadora. “Nos chavões destes territórios, pretende-se promover o concelho como o que acolhe os melhores estudantes ou o que quer ter a melhor capacidade produtiva. Por isso, as manchas de pobreza ficam mal e aparecem apenas referidas na periferia das periferias, nos bairros marcados por forte diversidade étnica, por pessoas desempregadas ou com baixas qualificações.”

Pelo contrário, apesar de as zonas de menor densidade populacional serem mais envelhecidas, terem menos emprego, menor atividade económica e capacidade produtiva, é nelas que se vê “maior mobilização comunitária para mitigar o envelhecimento e a pobreza”. Aliás, o sector do apoio social está entre os que geram mais emprego nas zonas de menor densidade.

Portugal é um “país profundamente assimétrico” nas condições de vida e de bem estar das populações, conclui o estudo, que se baseou num conjunto alargado de indicadores estatísticos por concelho para fazer um retrato detalhado do Continente, agrupando os municípios em cinco grupos distintos com semelhanças entre si.

Designaram-nos por Territórios Industriais em Transição, Territórios Intermédios, Territórios Urbanos em Rede, Territórios Inovadores e Territórios de Baixa Densidade. E podem, daqui em diante, ser usados para ter uma visão das condições de vida e de bem estar dos portugueses, “mais próxima da realidade das suas vidas e produzida com base em estatísticas oficiais”, explica o estudo

Cada vez menos, indicadores como o PIB e o crescimento económico conseguem medir as condições de vida das pessoas nos diferentes territórios. “Percebemos isso sobretudo a partir da crise em 2008 e desde então surgiram mais estudos para medir a felicidade e o bem-estar, mas fazem-no de forma agregada, a nível nacional, e não sobre a realidade concreta das pessoas”, refere a coordenadora.

O QUE É ENTÃO O BEM-ESTAR?

Embora a ideia de bem-estar não signifique o mesmo para todos os portugueses, nem em todos os pontos do país, há algumas perceções comuns. E uma delas é viver num local próximo da família ou de amigos, com uma sensação de pertença. “Os contactos sociais são importantíssimos para os sentimentos de felicidade. Viver sozinho num terceiro andar com problemas de mobilidade e frágeis condições de recursos é ainda mais difícil na cidade”, refere Rosário Mauritti. Contudo, o estudo apurou que em mais de 60% dos municípios, um em cada cinco idosos vive sozinho.

O ambiente do local onde se vive é mesmo o traço mais valorizado, refere o estudo. A qualidade do ar, o espaço para caminhar e a proximidade do mar, de um rio ou da serra estão entre os fatores mais referidos na definição de bem-estar. E, depois do ambiente e dos contactos sociais, está também o trabalho digno, uma realidade “assimétrica” no território e muito associada à valorização do equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar.

Saúde, habitação e educação são três grandes áreas com assimetrias no território. Em zonas mais rurais, associa-se uma fraca mobilidade à ausência de cuidados de saúde especializados. Por outro lado, mais de metade da habitação social está concentrada em sete concelhos, sobretudo urbanos, onde a concentração de população é maior. “Este é outro dilema muito significativo”, refere Rosário Mauritti, lembrando, porém, que a questão da habitação é vivida de forma distinta noutras zonas de menor densidade, onde as aldeias ficaram com muitas casas vazias.

“Outra grande questão é a qualificação da população”, acrescenta a investigadora. “Temos uma população jovem que se está a qualificar, mas a economia não está a mudar ao mesmo ritmo. A incapacidade de reconverter o tecido económico é um dos enormes desafios em Portugal. Todo o país expulsa os jovens para os territórios inovadores, que são poucos e pequenos. E isso sem essa reconversão, isso vai continuar a acontecer.”