14.7.22

Número de sem-abrigo cresce no Porto: são 730 pessoas

Mariana Correia Pinto, in Público on-line

Dados mostram aumento de 140 pessoas a viver nas ruas ou em abrigos entre Dezembro de 2020 e Dezembro de 2021. Câmara do Porto preocupada, mas não surpreendida, pede maior intervenção dos municípios vizinhos

Em Dezembro de 2021 havia 231 pessoas a viver nas ruas do Porto e 499 a viver em centros de acolhimento, apartamentos partilhados ou quartos de pensões. No total, são 730 pessoas em situação de sem-abrigo (sem-tecto e sem casa), o que representa um crescimento de 140 (mais 39 a viver nas ruas e 101 em abrigos) face a Dezembro de 2020. Os dados provisórios entristecem, mas não surpreendem o vereador com o pelouro da acção social da Câmara do Porto, Fernando Paulo, que sublinhou o trabalho “muito bem organizado” do NPISA Porto - Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo do Porto: “Se não tivéssemos este trabalho, estes números poderiam ser três ou quatro vezes piores”, disse aos jornalistas no final da reunião privada no executivo desta segunda-feira.

O diagnóstico está ainda a ser apurado, à medida que os dados recolhidos no âmbito da Estratégia Municipal para a Integração das Pessoas em situação de Sem-Abrigo 2020-2023 são tratados. Mas a autarquia vinha dizendo publicamente que o número de sem-abrigo não estava a crescer. Agora, Fernando Paulo avança “explicações de vária ordem” para entender o fenómeno: a “crise social” acentuou-se com a pandemia e continua a agravar-se “todos os dias”, começou por dizer. Mas há mais: se o crescimento das respostas sociais é, em si mesmo, uma boa notícia, significa, em termos numéricos, um agravamento do problema. A “atractividade” da cidade cresceu, garante, e isso faz subir o número de pessoas em situações vulneráveis que a procuram.

Essa realidade sentiu-se, por exemplo, com os reclusos a quem a pena foi perdoada ou diminuída durante a pandemia sem que tenha sido “acautelado o processo de reinserção”, apontou o vereador de Rui Moreira, que criticou ainda critica a “falta de resposta gravíssima” ao nível da saúde mental e de dependências, dois problemas comuns entre esta população.

O cenário convoca uma conversa antiga: falta uma estratégia metropolitana para as pessoas em situação de sem-abrigo. “O Porto representa 7% do fenómeno nacional e 49% da Área Metropolitana”, adiantou. O diálogo com os municípios vizinhos, algo que o Porto tem sublinhado ser urgente, “não deu frutos nenhuns”: foram apresentadas propostas por “duas vezes” e “nunca o assunto foi sequer agendado para a reunião do conselho metropolitano de vereadores da coesão social.”

Esse agendamento poderá, no entanto, estar para breve, sublinha num tom mais optimista, juntando ainda outras notícias mais positivas: a criação de Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo em Matosinhos e em Gaia e a aproximação a Gondomar, com o projecto comunidades desfavorecidas, onde o apoio a pessoas sem-abrigo assume relevância.

Nos primeiros dois anos de operacionalização da Estratégia Municipal, o Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano acolheu 157 pessoas e aumentou o número de vagas de 20 para 40. Nesse espaço, foi criado um centro acolhimento de emergência durante a pandemia e está pensada (e candidatada ao PRR) a criação de uma “estrutura residencial de baixo limiar”, com cinco vagas, uma resposta para sem-abrigo de longo termo.

O projecto Porto Sentido, que promove a reinserção social para estas pessoas em regime de alojamento em apartamento, quer, até 2023, criar resposta para 64 pessoas. Neste momento, existem na cidade 20 camas em apartamentos partilhados (projecto que resultou de uma parceria da autarquia com a Segurança Social e a Misericórdia do Porto) e está prevista a criação de um novo protocolo, desta vez com a Associação Seis, para criação de mais 40 camas. Estão em funcionamento três restaurantes solidários e prevista a abertura de mais um.

A equipa multidisciplinar que trabalha com esta população foi reforçada com um educador de pares durante a vigência desta estratégia e fez 1141 sinalizações e 519 acompanhamentos, em parceria com a SAOM, que “sinaliza todas as pessoas que chegam às ruas do Porto em 48 horas”, atribuindo-lhe um gestor de caso e burilando, depois, um processo de integração.
Afinal havia mais…

Ilda Figueiredo e Sérgio Aires começam por pôr o dedo na ferida: afinal, o número de sem-abrigo no Porto estava mesmo a crescer, como alertavam os seus partidos mas recusava a autarquia.

Para a vereadora da CDU, a gravidade deve até ser maior neste momento (os dados são de Dezembro) e obrigam a mais acção: a autarquia deve exigir do Governo “mais instalações do Joaquim Urbano” e mais “apoios financeiros”, sugeriu, reforçando ainda a importância de um “plano metropolitano”.

Para o vereador do BE, a contratação de “apenas um educador de pares” para os programas delineados no âmbito do PRR “não conseguirá dar resposta às mais de 700 necessidades identificadas até ao momento”. “Existe pouca monitorização do encaminhamento das situações e o município do Porto ainda não tem uma estratégia para implementar o programa Housing First que tem mostrado resultados muito positivos noutros países.”

Tiago Barbosa Ribeiro, do PS, sublinha a importância de combater o “flagelo social” das pessoas em situação de sem-abrigo, fenómeno “que se tem agravado substancialmente no Porto”. Pedindo “respostas integradas”, o socialista concordou com a estratégia municipal de se socorrer de dinheiro do PRR para reforçar o trabalho nesta área.