Marco Rafael, opinião, in Público
A minha emigração é inegavelmente diferente da dos meus pais: faço videochamadas que encurtam distâncias físicas; leio jornais portugueses no telemóvel; vou a Portugal com frequência; tenho flexibilidade para trabalhar alguns dias a partir de Gouveia, no interior de Portugal, sem que isso tenha qualquer impacto no meu dia-a-dia.Eis uma constatação acerca dos “rótulos” do título do artigo — tenho-os desde 2014. Lembrei-me deles quando participei recentemente – virtualmente – numa sessão da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (Sim, depois dos 30 ainda se é jovem!) que debatia a emigração na profissão e que me fez reflectir, além da discussão em si, no seguinte: o cuidado de alguns com a semântica.Eis no que pensei como português e filho de ex-emigrantes: nasci fora do país e, curiosamente, 2022 é um ponto de viragem. Resido há mais anos fora de Portugal do que residi em Gouveia, onde cresci, e, também, mais anos em Basileia, onde resido actualmente, do que em Coimbra onde me tornei farmacêutico e comecei a minha carreira profissional. A minha emigração é inegavelmente diferente da dos meus pais: faço videochamadas que encurtam distâncias físicas; leio jornais portugueses no telemóvel; vou a Portugal com frequência pois há 3-4 voos diários do aeroporto a 15 minutos de minha casa; tenho flexibilidade para trabalhar alguns dias a partir de Gouveia, no interior de Portugal, sem que isso tenha qualquer impacto no meu dia-a-dia, na minha produtividade e sem que necessite de grande planeamento!
Foi, à data da saída, uma emigração carreirista, com objectivo de desenvolvimento profissional e crescimento pessoal que Portugal não me poderia oferecer e que continuo a achar não poder oferecer hoje. Esta liberdade de escolha e abertura a novos desafios devo-a aos meus pais, à sua capacidade de trabalho, à educação que me deram e à sua crença infinita nas minhas capacidades.
Posto isto, na minha interpretação e porque não tenho problemas com semântica, sou um emigrante tal como os meus pais foram. Noto, no entanto, que o termo “expatriado”, talvez por inglesismo, é cada vez mais comum e adoptado na minha geração de emigrantes altamente qualificados ou da “diáspora”, como os responsáveis do Governo português agora designam. Pelo contrário, o termo “emigrante” parece ter uma certa conotação negativa, talvez fruto da emigração ilegal em partes do mundo anglo-saxónico, que se foi generalizando. Acho esta distinção curiosa e queria partilhar com o leitor que “expatriado”, segundo o dicionário da Porto Editora, é sinónimo de exilado, i.e., alguém que foi forçado a sair do país.
Em Portugal, gosta-se dos Dr.s e dos Eng.s, dos Ex.mos(as) Sr(as), das hierarquias e estatutos e preza-se por cumprimentar longa e protocolarmente mesmo em discussões informais, talvez pela riqueza da nossa língua que não nos permite a informalidade do “you” inglês. Acaba-se, por vezes, por cair no ridículo como aquando da visita a Portugal, em 2020, da Presidente da Comissão Europeia, com o letreiro do “Dr.” António Costa (licenciado, advogado) a contrastar com o de Ursula von der Leyen (médica, mestre em saúde pública e doutorada) nos respectivos palanques.
Muito provavelmente à custa da conjuntura mundial, do buraco negro da dívida soberana portuguesa amplificado pelas taxas de juro em crescimento, da inflação galopante e da falta de visão e soluções que os titulados governantes apresentam, a deterioração das condições de vida em Portugal será mais acelerada do que em outros países da União Europeia e voltaremos a ter mais emigração por razões mais comuns de outros tempos, i.e., emigração “forçada”.
Assim sendo, o que chamar àqueles que, com e sem títulos, ganham salário médio e, não sendo piegas, decidam sair do país por não verem o aumento de 20% prometido pelo primeiro-ministro? E aos restantes um milhão de portugueses que auferem o salário mínimo e que tomem semelhante decisão? E os outros que o decidam por outras razões que não meramente económicas? “Expatriados”, “emigrantes” ou “portugueses da diáspora”? A meu ver, estas não são, de todo, as perguntas cruciais, mas sendo Portugal um país de títulos e rótulos, comecemos por aqui…