Rafaela Burd Relvas, in Público
O BCE “deveria ordenar aos bancos” que comecem a colocar dinheiro de lado para fazer face às perdas que poderão sofrer em resultado da crise climática, defende a Positive Money Europe, organização dedicada à sustentabilidade financeira.O primeiro teste de stress climático realizado pelo Banco Central Europeu (BCE) já tem resultados e não são animadores. No curto prazo, os riscos associados à crise climática poderão levar os bancos europeus a incorrer em perdas de 70 mil milhões de euros, uma projecção que deverá até estar muito aquém da realidade, admite o próprio regulador.
É neste cenário que Stanislas Jourdan, director executivo da Positive Money Europe, uma organização sem fins lucrativos dedicada à investigação de temas relacionados com a sustentabilidade financeira, defende que o BCE deveria obrigar a banca a colocar dinheiro de parte para cobrir as “enormes perdas financeiras” com que, acredita, irá deparar-se em breve. Até porque, “não há modelos de negócio viáveis num planeta onde o aquecimento global supera os 2º C” e, por isso, o sector financeiro poderá enfrentar, em breve, uma “onda de insolvências” e um aumento do incumprimento do crédito.
Apesar da importância que os riscos climáticos já representam para o sector financeiro, o teste de stress agora realizado pelo BCE é um exercício meramente exploratório e não terá implicações para os rácios de capital dos bancos. O regulador está a atrasar-se neste tema?
Desde que o BCE lançou este teste de stress, vários eventos se sobrepuseram aos cenários por si desenhados, com destaque para a guerra na Ucrânia, que já produziu um choque semelhante, se não pior, ao que os modelos desenhados previam que a crise climática provocasse.
A decisão do BCE de atrasar a actuação no que diz respeito aos requisitos em matéria de rácios de capital é perigosa, tendo em conta os riscos reais que já estão a transparecer e que vão causar aos bancos enormes perdas financeiras.
O BCE deveria, imediatamente, ordenar aos bancos que constituam provisões para cobrir estas perdas, especialmente para as suas carteiras de crédito hipotecário, que provavelmente serão afectadas por uma onda de insolvências e por um cada vez maior número de famílias a enfrentarem custos energéticos mais elevados.
Os resultados mostram que, no curto prazo, os bancos poderão sofrer perdas de 70 mil milhões de euros, no caso de se materializarem os riscos de cheias e de calor extremo e secas na Europa, conjugados com uma transição energética “desordeira”. Mas o BCE admite que esta estimativa está aquém daquela que poderá ser a realidade. Até onde podem, realmente, ir as perdas?
Teríamos de ter uma bola de cristal para saber exactamente qual o montante de perdas em causa. Mas uma coisa é certa: não há modelos de negócio viáveis num planeta onde o aquecimento global supera os 2º C. Os bancos e os reguladores deveriam seguir o princípio da precaução e usar todas as ferramentas que têm ao dispor para ajudar os fluxos financeiros a mudarem de direcção para actividades ligadas à transição energética, de forma a prevenir estes cenários extremos.
De que forma é que a certificação energética das casas poderá ter impacto sobre a maior ou menor capacidade de cumprimento dos créditos à habitação por parte das famílias?
Este é um dos resultados mais surpreendentes do teste, que revela que existe uma correlação entre a performance energética das casas e os riscos de crédito destas habitações para os bancos. Os resultados do BCE mostram que o risco de incumprimento é três vezes mais elevado para uma casa com um certificado de performance energética G do para uma com um certificado A.
Os proprietários estão a enfrentar um golpe triplo, com o aumento dos custos de vida, a subida acentuada dos preços da energia e o agravamento do custo dos créditos, devido ao aumento das taxas de juro. Aqueles que vivem em casas com maus isolamentos vão sofrer mais, sobretudo devido à subida dos custos energéticos, uma vez que terão de enfrentar a difícil escolha entre aquecer ou refrescar as suas casas ou pagar os seus créditos.
Se as pessoas não conseguirem pagar as contas de energia, também é pouco provável que consigam cumprir com os seus serviços de dívida. Isto é exacerbado, também, pelo facto de as famílias mais vulneráveis tenderem a viver em casas com menor eficiência energética.
Acredita que este poderá ser o início de um novo ciclo, em que os bancos vão procurar atrair clientes que queiram fazer investimentos “verdes” ou fazer reabilitações ou construções de habitações energeticamente eficientes?
Tem de ser. Se não agora, quando? As carteiras de crédito à habitação constituem um dos maiores riscos de exposição dos bancos e os riscos de crédito já vão materializar-se nos próximos meses, devido aos choques nos preços da energia motivados pela guerra na Ucrânia.
A única forma positiva de os bancos actuarem é ajudarem os seus clientes a renovarem as suas casas de forma a neutralizar o risco de crédito na fonte. O BCE deveria trabalhar em coordenação com os governos nacionais e os bancos comerciais para que sejam desbloqueados os fundos necessários para os proprietários renovarem as suas casas.
Para reduzir o custo do crédito, o BCE poderia oferecer descontos nas taxas de juro aos bancos que aumentem a concessão de crédito para fins de reabilitação de habitação. Os governos também podem participar nesta estratégia, oferecendo assistência técnica e concedendo garantia públicas.