18.7.22

Papa Francisco, um corajoso defensor da paz

Lourenço Pereira Coutinho, opinião, in Expresso

No campo de batalha, como no diplomático, a guerra que resultou da invasão russa está sem fim à vista. Conseguiria a lógica altruísta de Francisco desarmar Putin, sentá-lo com Zelensky à mesa das negociações e fazer prevalecer a sensatez e o humanismo?

Para o Papa Francisco, construir a paz é um ato de coragem. A ideia faz parte do titulo do seu ultimo livro (“Contra a guerra, a coragem de construir a paz”), publicado já depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. É uma afirmação forte, pois desconstrói o simplismo que, invariavelmente, emparelha “guerra” com “coragem” e “paz” com “cedência”. O Papa vai mais longe, considerando a guerra “um sacrilégio” que vítima sobretudo “inocentes”, esquece a “incomensurável dignidade da vida humana” e atenta “contra a beleza da criação”. Nesta linha, todas as guerras são injustificáveis.

Ao longo da História, vários Papas estiveram no epicentro de guerras (por exemplo, as que resultaram da longa rivalidade entre “guelfos” e “gibelinos” durante a Idade Média), outros condenaram-nas (o Papa Francisco faz referência às condenações que João XXIII, Paulo VI e João Paulo II fizeram da guerra), mas não conheço critica papal ao tema tão incisiva quanto a de Francisco. Que não abdica de apontar o dedo e dar recados. Sobretudo para os “poderosos” que procuram alargar a sua preponderância e olham o mundo como “um tabuleiro de xadrez”, apostando “na lógica diabólica e perversa das armas” para servir os seus “interesses.” É neste contexto que se inserem não só a “violenta agressão à Ucrânia”, que o Papa condena com todas as letras, como, também, conflitos mais distantes mas não menos brutais, que por vezes assumem “a fisionomia de verdadeiras guerras por procuração”. Nenhuma potência fica bem nesta fotografia.

Numa imagem redutora, o Papa pensa com a lógica de um jesuíta e atua com o altruísmo de um franciscano. No entanto, o seu pacifismo, com raízes fundas na essência do cristianismo primitivo, tem um lado utópico, o que não é necessariamente negativo. Isto porque o “tabuleiro de xadrez” não vai desaparecer da História e dificilmente deixará de ser jogado por “poderosos”. A defesa é um direito e um dever dos Estados, pelo que a dissuasão é pois imprescindível como forma de anular ambições ilegítimas e só é eficaz com recurso às armas.

Por certo que o Papa Francisco o sabe como, também, sabe que o ser humano tem um lado intrinsecamente bélico. Mas, mais uma vez com uma admirável simplicidade lógica, o Papa reconstrói-o com pragmatismo. Este devia ser canalizado para que todos combatam em conjunto “as verdadeiras batalhas da civilização”: contra a “fome”, “epidemias”, “pobreza” e “escravidão dos nossos dias”. Tal só será possível caso o dinheiro destinado às armas seja aplicado nestas batalhas. Como bom negociador, o Papa pede o quase impossível para procurar obter o fundamental.

Pode este defensor da paz servir de mediador ao atual conflito na Ucrânia? O Papa acha que sim, sublinhando que a “Santa Sé está disposta a fazer tudo para se colocar ao serviço desta paz”. Eu também acho que sim, e desde o princípio. Há potências, como os Estados Unidos, interessadas em que a guerra dure, o que se perspetiva como provável; outras que esperam enigmaticamente pelo tempo de tirar partido da situação, como a China; outras, ainda, que procuram chamar a si o estatuto de negociador para obter vantagens, como a Turquia.

“Contra a guerra, a coragem de construir a paz” foi publicado pouco depois do início da invasão da Ucrânia. Esta tem resultado inúmeras atrocidades e provocado sofrimento infinito. No campo de batalha, como no diplomático, a guerra que resultou da invasão russa está sem fim à vista. Conseguiria a lógica altruísta de Francisco desarmar Putin, sentá-lo com Zelensky à mesa das negociações e fazer prevalecer a sensatez e o humanismo? Poucos pensam que sim, mas basta o Papa continuar a acreditar para que tal venha a ser possível.