Filipe Santa-Bárbara, in TSF
Vai o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) resolver os problemas da habitação no país? Foi isso que a TSF foi tentar perceber junto de dois investigadores académicos e especialistas no tema. Teresa Costa Pinto (ISCTE) e Gonçalo Antunes (FCSH/UNL) congratulam-se pelo facto de haver verbas específicas, mas não acreditam que os problemas sejam resolvidos com a "bazuca"."Gota de água num oceano". As palavras são da investigadora Teresa Costa Pinto, especialista em habitação e estudos urbanos no ISCTE, sobre o modo como as verbas do PRR destinadas à habitação vão ter um impacto no mercado da habitação em Portugal. Já Gonçalo Antunes, também especialista e investigador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sublinha que o grande problema é estar a "propor políticas de habitação pública" e não "políticas públicas de habitação".
São mais de 2700 milhões de euros que estão destinados a dar um impulso para resolver os problemas da habitação em Portugal, uma grande fatia - de mais de 1200 milhões - é mesmo para o programa de apoio ao acesso à habitação e que visa dar resposta a necessidades básicas numa previsão para 26 mil famílias, um número que hoje já se sabe estar desatualizado.
"Temos um problema demasiado complexo e abrangente para ser resolvido na sua forma cabal por estes programas que estão em cima da mesa", nota Teresa Costa Pinto lembrando que, no caso da habitação pública, "partimos de um patamar muito baixo" de cerca de 2% quando a média da União Europeia está nos 7%.
Destaca a investigadora que, mesmo para chegar a uma fasquia dos 5%, como é o caso da Alemanha, seria necessário "mais de 170 mil fogos", um número que fica bastante acima daquele que está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência.
Já Gonçalo Antunes também defende que é necessário um aumento do parque habitacional público, mas nota à TSF que "não será nenhuma panaceia" para solucionar os problemas da habitação, "muito menos todos os problemas".
"Dificilmente irá contribuir para diminuir os preços do mercado, seja na compra ou no arrendamento, como já ouvi dizer alguns responsáveis públicos. O crescimento do parque habitacional público não fará isso porque a dimensão daquilo que está previsto não é suficiente para contrariar as tendências do mercado", vinca o investigador da FCSH que considera "redutor" o modelo de aplicação do PRR por "propor políticas de habitação pública e não propor políticas públicas de habitação".
Mais regulação?
Além das respostas a carências básicas de habitação, há uma verba de 775 milhões de euros a título de empréstimo para "construção e reabilitação para disponibilização do património público devoluto do Estado, com aptidão habitacional, para promoção de arrendamento a preços acessíveis". O que, nos objetivos do governo, se traduz em 6.800 fogos de habitação acessível em todo o país.
Para ambos os investigadores, o número é manifestamente insuficiente. "Um programa destes, que se propõe disponibilizar 6.800 fogos em seis anos para o mercado de arrendamento a custos acessíveis, não creio que possa solucionar este problema que é complexo e de grande abrangência social", começa por notar Teresa Costa Pinto.
A professora do ISCTE realça que "além do problema da provisão pública, nos vários sentidos", é necessário "colocar outras variáveis na equação" que, no seu entender, "passarão muito pela regulação e pela capacidade que o Estado tiver de regular os mecanismos do mercado".
"Para mim, é um bocadinho paradoxal e completamente ausente de sentido ajudar a criar lógicas - e criaram-se lógicas com vários programas e pacotes legislativos - cuja consequência foi a especulação imobiliária e a subida exponencial dos preços e, depois, para tentar colmatar os efeitos colaterais destes mecanismos, o Estado ter de criar apoios para mitigar este problema", nota.
"Conhecemos experiências internacionais que, às vezes, nos parecem radicais e que não defendo que sejam transpostas linearmente para o contexto português, mas pelo menos deveriam desencadear uma reflexão sobre o assunto", destaca a investigadora.
Já Gonçalo Antunes é um pouco mais avesso a essa questão, nomeadamente, quando se fala em congelamento de rendas ou a fixação de tetos máximos. "Tenho de confessar que tenho sempre algum pé atrás relativamente a essas medidas, definir tetos de rendas e outras medidas similares, elas acabam por ser o contrário do mercado e negam a existência do próprio mercado", afirma o professor da Nova.
"É preciso perceber que os próprios tetos de rendas, como o exemplo de Berlim, não são nenhuma solução ou panaceia e acabam por criar outros problemas. Beneficiam uns, por norma aqueles que já estão no mercado, e muitas vezes acabam por prejudicar aqueles que estão à procura de casa", diz o investigador que reconhece que o "mercado deve ter liberdade", ainda que possa ser um pouco mais regulado.
São dois pontos de vista de académicos habituados a tratar o problema da habitação e que não acreditam que o Plano de Recuperação e Resiliência venha resolver o problema. Isto numa altura em que o Executivo tem um compromisso claro inscrito no programa de Governo: "erradicar as principais carências habitacionais identificadas no Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional de 2018 até ao 50.º aniversário do 25 de abril, em 2024".