Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Doze dos 16 suspeitos de exploração laboral na agricultura são originários de Mirandela ou de outros concelhos do Nordeste transmontano
a O problema é frequente na franja espanhola de La Rioja, Navarra, País Basco, mas não há memória de tão grande operação. A Guarda Civil libertou 79 portugueses, oito espanhóis, dois angolanos, um moçambicano e um polaco que viviam "em regime de escravatura encoberta". E deteve 17 suspeitos - a maior parte oriundos do Nordeste transmontano. Os resultados da operação Lusa - o culminar de investigações que se arrastaram vários meses - foram ontem apresentados pelo delegado do Governo em Navarra, Vicente Ripa. E confirmadas pelo PÚBLICO junto de um porta-voz do comando da Guarda Civil.
São indivíduos "com uma cultura ínfima, quando não analfabetos funcionais, e, em muitos casos, vítimas de problemas de índole familiar", precisou Ripa, citado pela imprensa espanhola. Viviam em exclusão extrema, quando foram angariados por compatriotas em estações de transportes públicos e em albergues, sobretudo de Lisboa e Porto, e transportados para diferentes localidades da Ribeira de Navarra.
Trabalhavam nove horas por dia, seis dias por semana. Os empresários agrícolas pagavam-lhes seis euros por hora, mas os intermediários davam-lhes apenas dez a 15 euros por semana. Acompanhavam-nos ao banco ou obrigavam-nos a endossar o cheque, ficavam com uma média de 300 euros semanais por cada trabalhador. "Num cúmulo de desfaçatez e imoralidade, alguns chegavam a comunicar aos trabalhadores que não lhes davam mais dinheiro para não se embebedarem ou porque os custos de manutenção e alojamento eram superiores aos proventos das tarefas", comentou Ripas. De acordo com o porta-voz do comando da Guarda Civil, os "temporeros" eram mantidos em condições de "semi-indigência".
Instalados em casas degradadas sem quarto de banho, lavavam-se e faziam as necessidades na via pública. Possuíam apenas uma vestimenta. Não dispunham de contrato de trabalho, tão-pouco estavam inscritos na Segurança Social ou tinham seguro. O método é conhecido também em La Rioja e no País Basco. Compram velhas casas - algumas em aparente risco de ruína, sem água nem luz - e correm as ruas em busca de colchões e móveis. Os intermediários foram detidos em Arguedas, Milagro, Tudela, Valtierra e Cintruénigo. Doze têm nacionalidade portuguesa (Vila Real, Mirandela, Rio Torto, Sendim, Alfândega da Fé, Torre de Moncorvo, Valpaços, Vila Nova de Foz Côa) e quatro espanhola (Cintruénigo, Astúrias, Barcelona, Soria).
A origem do fenómeno está há muito diagnosticada. Pela legislação em vigor, os agricultores estão obrigados a facilitar alojamento aos trabalhadores temporários. Como muitos não o têm e não o querem pagar, agrada-lhes ter alguém que transporte os trabalhadores e que os aloje. Pela primeira vez em Navarra, a polícia encontrou provas para os implicar, o que não foi fácil, como sublinhou o coronel-chefe Luís Iglesias. Foram indiciados seis empresários (um deles acabou detido) de Tudela, Olite, Murchante, Fitero e Valtierra.
As autoridades tentem perceber se sabiam ou não que o grosso do dinheiro não chegava às mãos dos trabalhadores, na certeza de que alguns depositavam os montantes directamente na conta dos intermediários. 2trabalhadores portugueses regressam a Portugal. Os outros 77 devem continuar a trabalhar, mas legalmente e sem intermediário, disse o secretário de Estado das Comunidades, António Braga.


