20.2.09

Metade da comida que se produz é desperdiçada

Ana Fernandes, in Jornal Público

Para alimentar a população que se adivinha existir em 2050, bastaria usar com eficiência o que hoje o planeta já produz


Fala-se tanto da eficiência energética, mas impedir o desperdício de alimentos é tão ou mais essencial, sobretudo depois do susto do ano passado. E o caso está a assumir proporções gigantescas - as Nações Unidas dizem que metade do que hoje é produzido perde-se na produção, na distribuição e no consumo.

Poucos serão os que não tiveram na infância uma voz avisada - ou calejada pela guerra - que obrigava a não se deixar nem um grão de arroz no prato. Mas o certo é que, em toda a cadeia, do campo ao prato, muito fica pelo caminho.

"Para alimentar toda a população projectada para os próximos anos, bastaria tornarmo-nos mais eficientes. Isso ainda asseguraria a sobrevivência de muita da vida selvagem do nosso planeta", disse, na terça-feira, Achim Steiner, director do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. As contas são simples: para alimentar a população mundial em 2050, altura em que haverá mais 2700 milhões de seres do que hoje, será necessário aumentar a produção em 50 por cento. Ora se metade do que já hoje se produz não chega às bocas de todos...

Uma coisa já se sabia: o mundo produz comida suficiente para alimentar toda a gente - a fome é muito fruto de uma distribuição desigual, que inunda de abundância certas regiões do planeta e deixa à míngua muitas outras. As razões são diversas, vão das guerras às dificuldades de acesso aos mercados, mas o problema-base continua lá.
Agora, num relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, sobre o papel que o ambiente pode ter na prevenção de novas crises alimentares, os investigadores dão conta do imenso desperdício num planeta cuja agricultura, só por si, já está ameaçada por problemas ambientais, como as alterações climáticas, a degradação do solo, o aumento das pragas e a escassez de água. Um quarto da produção agrícola está ameaçada por este tipo de problemas.

Como se isso não bastasse, ainda se perde comida. Frutos e vegetais apodrecem no circuito da distribuição - um quarto, nos EUA -, os consumidores não seguem os conselhos dos avós - na Austrália, metade do lixo nos aterros é restos de alimentos e, no Reino Unido, um terço do que é comprado não chega a ser comido.

Na produção, perdem-se colheitas devido a pragas ou práticas pouco eficientes, tanto de colheita como de armazenamento.

Daí ser cada vez mais fundamental tornar toda a cadeia mais eficiente. Porque o futuro não se afigura risonho. Segundo as projecções, nas próximas décadas, os preços da comida podem aumentar 30 a 50 por cento. Quem vive na extrema pobreza gastará 90 por cento dos rendimentos só na alimentação - a recente alta de preços já fez com que subisse para os 70-80 por cento.

As soluções

Face às ameaças que pendem sobre a produção agrícola, que dificilmente aumentará a produtividade para os níveis necessários, com a subida de custos dos pesticidas e fertilizantes, conjugado com as perdas de culturas devido a fenómenos extremos meteorológicos, o mais provável é que o mundo chegue a 2050 a produzir menos um quarto do que necessita.

Por isso, defende o estudo, é necessário encontrar novos caminhos. Há duas respostas possíveis: a primeira é fazer subir o preço dos alimentos e tentar aumentar a produtividade a todo o custo. Todos os seres vivos sofrerão com esta opção, a começar pelos milhões de humanos que todos os dias se levantam e adormecem com fome. E a acabar na vida selvagem, que cada vez mais terá de ceder espaço à expansão de uma agricultura altamente ineficiente.

A outra solução é a eficiência. Uma das questões fundamentais é encontrar alternativas para a alimentação animal. O estudo considera que um dos grandes desperdícios advém da enorme quantidade de cereais gastos nas rações - um terço do que hoje é produzido, podendo chegar a 50 por cento.

A classificação de "desperdício" atribuído a este uso não será consensual, mas o relatório não advoga que se deixe de consumir carne - apesar de aconselhar a que o seu consumo estabilize nos países mais ricos, dado o enorme impacto que a pecuária tem nas alterações climáticas.

Antes considera que se devem encontrar alternativas, através da reciclagem dos resíduos alimentares e desenvolvendo novas tecnologias, como as que estão a ser desenvolvidas para os biocombustíveis, de forma a produzir alimentos calóricos a partir de palha, por exemplo.

Para a aquacultura, poderia usar-se o peixe que todos os anos é descartado - chega a 30 milhões de toneladas. Esta quantidade poderia representar mais de metade do aumento que se espera neste sector. E seria essencial para manter o consumo per capita de peixe em 2050 aos actuais níveis.

A reorganização do mercado alimentar para regular os preços e a disseminação do microcrédito para apoiar a agricultura familiar são algumas das sugestões que este estudo deixa (ver caixa).

Achim Steiner, da ONU, sublinha a crescente importância da eficiência na produção de alimentos.