27.2.09

Aumentam pedidos de apoio à Cáritas da Terceira

Tibério Cabral, in Expresso das Nove

Mais de duzentos novos casos de pobreza foram detectados o ano passado por aquela organização católica, na ilha lilás, em agregados que entraram em ruptura financeira. Duas instituições de solidariedade social, ligadas à igreja católica, têm vindo a apoiar novas famílias que entram em situação de ruptura financeira.

De facto, a Cáritas da ilha Terceira registou, de 2007 para 2008, um aumento significativo em relação ao número de pessoas que pediram ajuda. Precisamente mais 222 novos casos: "Na verdade, são cada vez mais as pessoas que nos procuram e que trazem com elas graves problemas", confirma Anabela Borba, presidente da direcção da Cáritas da ilha Terceira. A dirigente considera que o aumento de novos pobres poderá estar relacionado com a tão falada recessão económica, que deu origem ao desemprego deixando muitas famílias numa situação difícil.

Na realidade começam a surgir novas formas de pobreza: "n passado, a Cáritas era procurada apenas por pessoas sem trabalho, maioritariamente com pouca orientação e/ou perspectiva de vida. Hoje, somos procurados também por pessoas que trabalham, mas cujos salários são muito baixos, alguns jovens que têm vontade de vencer na vida, mas que por mais que se esforcem não conseguem criar/ encontrar condições, e por idosos com baixos recursos", afirma ao expressodasnove.pt, esta engenheira de profissão.

Anabela Borba, que tem larga experiência de trabalho no terreno, considera que, na maior parte dos casos, as famílias que pedem ajuda são multi-problemáticas, apresentando diversos problemas que afectam o núcleo familiar.

"No entanto, o principal motivo pelo qual estas famílias procuram ajuda é a escassez de rendimentos, estando esta relacionada com vários factores, nomeadamente, o desemprego de longa duração, a baixa escolaridade, as elevadas despesas com dívidas e contas mensais, as dependências, a doença, entre outros".

Segundo a dirigente, existem algumas famílias que têm graves problemas no que diz respeito à capacidade de gestão doméstica: "esta situação poderá estar relacionada com o facto de a pobreza ter um carácter cumulativo, ou seja, existe uma transmissão geracional. Estas famílias não conhecem outra realidade".

Segundo relatos fidedignos da imprensa, no Continente, os agregados que, no passado, ajudavam famílias pobres, estão agora eles próprias a pedir apoio a organizações de solidariedade social. Um problema que já chegou também à ilha Terceira. "Estas situações começam a ser comuns. Existem muitos agregados familiares que procuraram a ajuda social pela primeira vez, tendo-se observado que eram famílias que até tinham boas/normais condições de vida, mas que devido ao desemprego, divórcio ou doença, tiveram que procurar ajuda. Nestas situações, existem muitos casos que nos são encaminhados por familiares, amigos ou vizinhos, pois as famílias têm vergonha de procurar ajuda", revela a presidente da direcção da Cáritas da Ilha Terceira.

Anabela Borba recorda que a organização tem como objectivo principal ajudar a colmatar as necessidades básicas das pessoas em situação de carência: "tentamos dar uma resposta imediata às situações de maior emergência social. Aí o nosso auxílio vai da ali- mentação, aos medicamentos, roupa, mobília etc.

"No entanto, não nos satisfazemos com isso. Temos consciência de que a nossa acção não poderá resumir-se a este gesto; temos que ajudar na promoção e desenvolvimento do indivíduo. Neste sentido, desenvolvemos vários projectos de promoção como sejam: o Programa Itineris, para jovens em risco, dando-lhes a oportunidade para estudar e de simultaneamente aprenderem uma profissão, enquanto os ajudamos a crescer como pessoas, melhorando as suas competências pessoais".

A Cáritas da Ilha Terceira promove também cursos de alfabetização e actualização de compEtências de literacia, para públicos adultos, assim como ajuda na procura activa de emprego e um envolvimento cada vez mais forte com empresas, nomeadamente ao nível da formação profissional em contexto de trabalho.

A presidente da direcção da Cáritas da Ilha Terceira admite que o rendimento social de inserção pode ser um instrumento de almofada social: "mas vejo-o como o mí- nimo dos mínimos, com pouco ou nenhum sucesso como instrumento de reinserção, mas útil, indispensável mesmo, para minimizar em primeira linha a fome, mas também como saída de situações de exclusão", afirma com convicção.

Rendimento social de inserção deve ser transitório

"Salvo determinadas excepções, de acumulação de vários factores conducentes à exclusão social, o Rendimento Social de Inserção (RSI) deve ter um carácter transitório, claramente definido nos acordos de inserção, para que a almofada não se transforme em sofá ou colchão". Quem o afirma, com fina ironia, é a presidente da direcção da Cáritas na Terceira. "Há todavia um problema de base no RSI - explica Anabela Borba - um problema de paradigma. O RSI é visto como financiamento (logo, desperdício) e não como investimento. É fundamental uma mudança de abordagem, tendo em vista a consideração do apoio como um investimento, já que terá de dar frutos que depois terão de ser avaliados. Um paradigma deste tipo credibiliza e é exigente na proporção exacta do que cada agregado familiar pode oferecer, realisticamente. Outra mudança crucial põe-se ao nível do discurso vigente sobre esta temática. Seria importante que a condenação fácil e imediata dos desvios ao RSI fosse equiparada ao enriquecimento ilícito. Em natureza são desonestidades comparáveis, já em magnitude nem por isso", conclui o seu raciocínio.