24.2.09

Um em cada cinco presos é estrangeiro

José Bento Amaro, in Jornal Público

As cadeias portuguesas inverteram uma tendência de décadas e já não estão sobrelotadas. A maior parte dos reclusos cumpre penas devido a roubos e tráfico de droga


Uma em cada cinco pessoas que estão presas em Portugal é estrangeira. De um total de 11.008 reclusos, 2240 não possuem nacionalidade portuguesa. São, na sua maioria, cabo-verdianos, brasileiros e angolanos, sendo que a maior parte cumpre penas de três a seis e de seis a nove anos de cadeia. São condenações, na generalidade, resultantes de crimes como o tráfico de droga e roubos.

Um relatório da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) referente ao terceiro trimestre de 2008 refere que, até essa data, estavam nas prisões portuguesas 275 pessoas condenadas a penas entre os 20 e os 25 anos (normalmente aplicadas em casos de homicídio) e, dessas, 22 são de nacionalidade estrangeira. As estatísticas referem ainda que no sector dos crimes contra as pessoas há, entre toda a população prisional, 1157 pessoas a cumprir pena por homicídio, o que representa 13 por cento. Os números de estrangeiros envolvidos em alguns dos crimes mais violentos apontam para o envolvimento de 135 estrangeiros em homicídios e 24 em violações.

Os números relativos aos presos estrangeiros por roubo apontam para a existência de 159 casos, que representam uma percentagem bem mais diminuta do que a que se refere aos portugueses implicados no mesmo tipo de delitos, os quais são 1097.

As estatísticas prisionais apontam ainda para uma grande intervenção dos estrangeiros em delitos relacionados com os estupefacientes. Aqui há um total de 733 pessoas de outras nacionalidades detidas, sendo que 107 são mulheres. A maior parte destas pessoas, de acordo com o parecer dos polícias que investigam o narcotráfico, são "correios". São, na sua maioria, pessoas de fracos recursos financeiros que, a troco de poucas centenas de dólares (porque a maior parte é oriunda de países sul-americanos e ali ainda é o dólar a moeda mais utilizada), aceitam viajar para a Europa transportando pequenas quantidades de droga (cocaína) no organismo ou dissimulada na bagagem. As "mulas", conforme são designadas pela polícia, poucos ou nenhuns conhecimentos possuem em relação à organização das redes de narcotraficantes. Muitas vezes desembarcam nos aeroportos e dirigem-se para uma morada que lhes foi facultada ainda no país de origem ou, simplesmente, aguardam por um contacto. As suas estadias, sempre a pretexto de turismo ou de visita a familiares, resumem-se a quatro ou cinco dias.

Habilitações mínimas

Com excepção dos crimes relativos a estupefacientes, todos os outros (contra as pessoas, contra vida em sociedade e contra o património) têm mais homens condenados do que mulheres. Nos processos de droga os homens correspondem a 25 por cento dos detidos e as mulheres a 75 por cento.

A maior parte da população prisional nacional possui apenas o 1.º ciclo do ensino básico. Os dados da DGSP indicam que 3826 dos 11.008 reclusos se incluem neste grupo de habilitações literárias. Com cursos superiores existem apenas 245 presos (137 são estrangeiros). Há, no total, 588 pessoas que não sabem sequer ler nem escrever e mais 564 que, conseguindo escrever ou ler, possuem estudos inferiores ao 1.º ciclo do ensino básico.

Em relação à idade da população reclusa, os gráficos mostram que o grupo mais numeroso, quase com 35 por cento do total, é o dos indivíduos com 30 a 39 anos, seguindo-se o grupo que compreende os de 40 a 49 anos (mais de 22 por cento) e aqueles que se incluem entre os 25 e os 29 anos (18 por cento). Apesar de há vários anos as diversas polícias estarem a alertar para a necessidade de controlar a violência juvenil (individual ou grupal), as estatísticas demonstram que as condenações de jovens (entre os 16 e os 18 anos) ainda são pouco significativas no panorama geral, ficando-se pelas 92 pessoas (31 estrangeiros), que representam apenas 0,8 por cento da totalidade.

As estatísticas referem, por fim, que os actuais 54 estabelecimentos prisionais do país (centrais, especiais e regionais) possuem todos vagas. A questão da não existência de sobrelotação, como acontecia até há bem pouco tempo, deve-se às reformas do sistema penal que, entre outras medidas, tem preconizado a aplicação de medidas alternativas à prisão, nomeadamente o uso de pulseiras electrónicas e a substituição da detenção por trabalho comunitário. A taxa média de ocupação era, no final do terceiro trimestre de 2008, de 88 por cento (11.008 presos para um total de 12.294 lugares). Existem entre os condenados 187 pessoas consideradas inimputáveis, as quais estão internadas em estabelecimentos psiquiátricos não prisionais.

Estrangeiros têm mais dificuldade em defender-se

Os estrangeiros que são julgados em Portugal têm mais dificuldades em defender-se? Para o presidente da distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Carlos Pinto de Abreu, essa é uma realidade. "Também um português que não fale chinês se veria aflito num tribunal da China", refere o causídico.

"Para além dos que não percebem a língua, existe também um obstáculo de natureza cultural", refere o advogado, tentando, desse modo, encontrar uma explicação para a eventual diferença no acesso e compreensão da justiça por parte dos cidadãos estrangeiros face aos portugueses.

São essas dificuldades que, de resto, poderão explicar o facto de o número total de estrangeiros presos em Portugal ser substancialmente mais elevado do que o número de estrangeiros com autorização de residência quando comparados, percentualmente, com o número de habitantes nacionais.

Carlos Pinto de Abreu entende ainda que pode existir "alguma discriminação legal" nas medidas de coacção que os operadores judiciários aplicam aos estrangeiros.
"A suspensão da execução de penas é sempre mais fácil de aplicar a nacionais do que a estrangeiros. Tem a ver com as garantias que estes podem oferecer para cumprirem as medidas de coacção, por exemplo", diz Pinto de Abreu.

O advogado salienta que, apesar de não existirem estudos científicos que comprovem as eventuais disparidades na aplicação da justiça em relação a portugueses e estrangeiros, há alguns sinais que podem indiciar uma propensão para desconfiar mais dos estrangeiros. "Mercê da rotina, abusa-se do estereótipo", refere. J.B.A.