22.2.09

Governo quer reformados de volta ao trabalho. E por que não?

Natália Faria, in Jornal Público

Ministérios da Educação e da Saúde estudam recurso a reformados para colmatar lacunas nos serviços. É incontornável, dizem especialistas


Primeiro foi o Ministério da Educação a lançar a ideia de recorrer a professores reformados para fazer trabalho voluntário nas escolas. Depois foi a vez de a ministra da Saúde, Ana Jorge, anunciar que quer contratar médicos reformados. Portugal está a envelhecer a uma velocidade nunca vista e a sociedade, que tende a olhar para quem tem acima de 65 anos como algo de descartável, tem que começar a reorganizar-se. Afinal, em 2050, e segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), vai haver 242 idosos por cada 100 jovens.

Estas projecções até são optimistas porque pressupõem um índice sintético de fecundidade de 1,7 crianças por mulher em idade fértil. Ora, em 2007, este índice já baixou para as 1,33 crianças por mulher, ou seja, o futuro já começou a acontecer. E, numa altura em que o grupo dos grisalhos já perfaz 17,4 por cento da população (mais do que os 15,3 por cento de jovens entre os 0 e os 14), que significado tem este "recrutamento" dos reformados nas áreas da Saúde e da Educação?
"Desde que isto não seja uma forma encapotada de aumentar a idade da reforma", responde Mário Leston Bandeira, presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD), "é uma boa ideia, porque assegura, à partida, que aquele que dentro de pouco tempo vai ser o maior grupo populacional continua activo e integrado". Este demógrafo defende, aliás, que "cada trabalhador devia ter o direito de prolongar a sua carreira até à idade que considerasse adequada, independentemente de ter o direito de se reformar aos 65 anos".

A demógrafa Ana Fernandes também considera que o culto da juventude está condenado e não é porque Madonna envelheceu: é porque, num país que dentro de 20 anos terá entre 25 a 30 por cento de habitantes com mais de 65 anos, não será possível continuar a "chutar" as pessoas precocemente para fora do mercado. Por outro lado, "nem toda a gente na reforma consegue encontrar um sentido para a vida". "Logo, nós não vamos poder continuar a pagar uma mensalidade a esta fatia enorme da população, deixando-a excluída e sem contexto como fazemos agora", nota esta professora na Universidade Nova de Lisboa. Neste sentido, "o trabalho ou o voluntariado são vias para ajudar a que estas pessoas se sintam conectadas".

Velhos mas saudáveis

Com o envelhecimento populacional a assumir uma escala mundial, Mário Leston Bandeira não duvida que a sociedade vai ter que se reorganizar para lhe fazer frente. "Nos países onde o envelhecimento é uma realidade - e Portugal é dos países mais envelhecidos do mundo -, os mais velhos vão chegar a idades cada vez mais avançadas em condições de saúde razoáveis. As teses que têm sido apresentadas lá fora defendem que as sociedades têm que se reorganizar de maneira a que as pessoas possam entrar na vida activa, trabalhar durante uns anos, fazer uns cursos de formação e voltar a trabalhar a seguir, em vez de estarmos a concentrar o período de lazer e de descanso na parte final da vida", sugere.

Deste modo, evita-se que as sociedades se transformem em asilos de velhos e, de caminho, fomenta-se a natalidade. "As pessoas com idades entre os 30 e os 40, com filhos ainda pequenos, precisam de estar mais disponíveis para a família, logo é natural que tenham de trabalhar menos", insiste.

Para Ana Fernandes, "o salto extraordinário na esperança de vida" vai obrigar a que se pense num padrão de ligação ao trabalho diferente do actual. "Hoje, trabalha-se loucamente e depois deixa-se de trabalhar de repente", questiona, dizendo que a organização económica que faz com trabalho seja igual a emprego e igual a salário tem os dias contados.

"Estas sociedades salariais em que vivemos vão mudar. Aliás, há teses muito interessantes e muito debatidas, que apontam para o fim do trabalho, por causa dos factores da robotização e da automatização e também por causa da deslocalização do trabalho para as franjas da população mundial que recebem salários mais baixos. Portanto, nestes espaços centrais em que vivemos, e onde os salários são mais altos, as lógicas terão que ser diferentes. E uma das questões que está em cima da mesa é corrigir este desequilíbrio que sofremos ao longo da vida e que nos obriga a ter filhos e a investir muito no trabalho ao mesmo tempo, ainda por cima numa altura em que se ganha menos."

Mais tempo no mercado

O problema, como aponta o economista e ex-secretário de Estado da Segurança Social Mendes Ribeiro, "é que, do ponto de vista da economia micro, não é sustentável pedir às empresas que paguem o mesmo por menos horas de trabalho". Portanto, "só é possível pôr as pessoas a trabalhar menos se elas estiverem na disposição de ganhar menos", nota Ribeiro Mendes. O que, num país que, como Portugal, aposta em políticas de salários baixos, redundaria numa descida na qualidade de vida das pessoas. Aliás, "por isso é que em Portugal o trabalho a tempo parcial se desenvolveu tão pouco".

Para este economista, autor do livro A Conspiração Grisalha, as teses que apontam para a redução das cargas horárias das pessoas na faixa etária entre os 30 e os 40 anos "são teses interessantes mas que falta experimentar na prática". O economista não hesita, no entanto, em declarar a necessidade de mudança. "Este sistema de reformas foi lançado numa altura em que as pessoas viviam três ou quatro anos em média depois de se reformarem. Agora, vive-se 20 e mais anos". Logo, "é evidente que as pessoas terão que se manter mais tempo no mercado de trabalho".

Conjugar esta perspectiva com a actual escassez de empregos só é possível acreditando, como Mendes Ribeiro, que "o mercado de trabalho e o sistema de emprego vão mudar radicalmente".

A revolução, aliás, já está em curso. E anuncia a morte do emprego como algo permanente, único e vitalício. "As pessoas vão ter que combinar um sistema de actividades variadas. O normal será que uma pessoa tenha uma relação de trabalho mais importante com determinada entidade, somando-lhe várias outras actividades, em profissão livre e sujeita a recibos", antecipa o economista, para quem, à boleia desta mudança, terá que surgir um novo sistema de protecção social, no desemprego, na doença e nas pensões. "Vai ter que ser mais flexível e permitir que as pessoas contribuam mais nas fases mais positivas da sua vida para depois poderem receber mais subsídios sem pôr em causa a sustentabilidade financeira dos sistemas", sintetiza.