Inês Sequeira, in Jornal Público
A circulação dos principais jornais tem vindo a cair, os gratuitos estão em dificuldades e a crise chegou na pior altura. Mas já se fala de uma nova vida na Internet
O despedimento colectivo de 123 trabalhadores do Diário de Notícias, Jornal de Notícias, 24 Horas e O Jogo, todos ligados à Controlinveste, é hoje motivo para uma nova reunião entre a administração do grupo e representantes laborais, num processo ainda distante do seu desfecho legal. Aquele que tem sido apontado como o maior despedimento colectivo nos grupos de media portugueses desde o fim dos anos 80, e que pode atirar para o desemprego 61 jornalistas, está todavia longe de ser um caso isolado.
Considerando também o grupo Impala, o Record e o Primeiro de Janeiro, para além de casos isolados em outros jornais e revistas, ascendem a quase duas centenas os trabalhadores afectados pelo actual "emagrecimento" do sector.
"A imprensa tem sido objecto de um discurso de crise desde há muito, muito tempo, que agora recrudesceu com a Internet e os novos media digitais", lembra Manuel Pinto, professor na Universidade do Minho e especialista em ciências da comunicação. Desta vez, o problema é que "ainda não é detectável um desfecho". Até porque, acompanhando uma tendência registada na Europa e nos Estados Unidos, os principais diários generalistas portugueses (PÚBLICO, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e 24 Horas) viram a sua circulação total descer mais de 12 por cento entre 2004 e 2007, de acordo com os números de circulação média paga da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação.
Mesmo assim este comportamento do sector tem sido influenciado por vários factores, como a oferta de brindes e a venda de produtos associados, e não é igual para todos os títulos. Este tipo de acções até permitiu que, entre Janeiro e Outubro de 2008 (os números totais do ano não estão ainda disponíveis), esses cinco títulos tenham vendido, em média, mais 20.614 jornais por dia face ao mesmo período de 2007 - um aumento de 6,3 por cento.
Este aumento pode, de acordo com João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa, ser explicado por, "nas alturas de crise econónima, as pessoas procurarem mais informação, devendo estar a comprar mais jornais".
Mas mesmo que os números finais do ano confirmem uma inversão na tendência de descida, as empresas deparam-se agora com a quebra de outra grande fonte de receitas: o investimento publicitário está a diminuir por causa da crise económica, que provoca uma redução geral nos investimentos das empresas em comunicação e publicidade.
Menos publicidade
Tendo em conta os grandes descontos praticados no mercado publicitário - basta comparar os preços de tabela e os preços correntes praticados, segundo estimativas do mercado -, o investimento publicitário total deverá descer mais de oito por cento em 2009. Na imprensa diária e não diária, os números divulgados (que excluem o importante segmento dos jornais regionais e locais) não escapam a esta regra, que mesmo assim afecta mais as televisões e as rádios.
Em contrapartida, a Internet continua a crescer a bom ritmo, podendo as receitas totais subir 50 por cento em 2009, para 33,5 milhões de euros. Porém, cerca de metade desse valor é capturado por empresas não jornalísticas, como o Google ou os grandes portais ligados a empresas de telecomunicações. O impacto nos grupos de media é menor, "pois mesmo sendo grande o crescimento, parte de uma base muito pequena", lembra Rui Ramos Pereira, secretário-geral da Confederação Portuguesa para os Meios de Comunicação Social (CPMCS).
Prudência é pois a palavra de ordem. Luís Santana, administrador da Cofina Media (Correio da Manhã, Jornal de Negócios, Sábado, entre outros), admite numa resposta escrita que 2009 "será um ano difícil, na medida em que os media são um dos primeiros sectores a reflectir as conjunturas económicas". A solução passará por "um ainda maior rigor na gestão".
Também a Impresa Publishing, que junta as publicações escritas do grupo de Francisco Pinto Balsemão (Expresso, Visão, Caras e outras), encara com cautela este novo ano, depois de ter encerrado em 2008 um processo de reorganização. José Carlos Lourenço, administrador executivo da empresa, confia em que os vários títulos irão manter as posições relativas, mas respondendo por e-mail admite que já está "a trabalhar com cenários alternativos, que apontam para uma redução do mercado publicitário face aos valores de 2008". O caminho passa agora pelo "aprofundamento dos projectos editoriais" e dos "projectos multiplataforma": "Para além do papel, grande prioridade à Internet e, nos casos aplicáveis, igualmente presença em televisão", sustenta.
Futuro está no online?
É cada vez mais consensual que o futuro dos jornais passará pela sua capacidade de adaptação às novas tecnologias e pela presença na Internet. Manuel Pinto, da Universidade do Minho, defende que é preciso encontrar respostas que respondam aos desafios da nova era digital, mas não sabe até que ponto os jornais conseguirão encontrar, no curto prazo, um novo modelo de negócio adaptado à Internet fixa e móvel.
"Ainda se anda à procura de um modelo, pois ninguém vive do ar", sublinha este investigador universitário. "Nos últimos anos têm-se testado muitas soluções diferentes, é grande a pressão para manter a gratuitidade da informação, mas é evidente que enquanto o fluxo da publicidade online não se tornar mais significativo, se estará sempre num terreno difícil e experimental", sublinha.
A perspectiva do Sindicato de Jornalistas é que são erradas as receitas "que passem por reduzir o espaço informativo e o número de jornalistas". O seu presidente, Alfredo Maia, defende que se devem "encontrar alternativas e redinamizar os projectos editoriais", pois "este é um sector com obrigações sociais muito específicas, não é como qualquer outro".
Mas como? Neste momento de crise, alguns dos patrões do sector pedem incentivos específicos ao Estado. José Carlos Lourenço, da Impresa Publishing, considera que o Governo deve, por exemplo, estudar "incentivos fiscais aos anunciantes, no sentido de permitir que as empresas possam sobreviver nesta crise".
Ajudas do Governo?
Luís Santana, da Cofina, sugere que o Governo adopte "algumas das medidas tomadas em França" pela equipa de Sarkozy, que atingirão um total de 200 milhões de euros e incluem cortes nos portes de correio e assinaturas gratuitas para os mais jovens.
Já José Manuel Fernandes, director e administrador do PÚBLICO, não acredita que "os governos possam salvar jornais, sem, ao fazê-lo, diminuírem a sua independência". "Aos governos cumpre antes não tornar ainda mais difícil a vida das empresas jornalísticas privadas, designadamente quando concorrem com elas em situação de vantagem económica desproporcionada", considera, ao lembrar os subsídios às empresas públicas (RTP e Lusa), sem lhes impor limites na competição pela publicidade.
Por seu turno, Francisco Santos, administrador da Lena Comunicação (grupo Lena) - responsável por um novo diário generalista que sairá antes do Verão - defende uma nova ordem nas relações entre marcas, centrais de meios e as empresas que dependem da publicidade. "Mais grave do que a quebra de receitas é a concorrência sem regras que existe no sector, em que as tabelas de publicidade são uma ficção e o mercado pratica descontos acima de 50 a 70 por cento."
A CPMCS formou entretanto um grupo de trabalho para apresentar ao ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, uma lista de "medidas temporárias", que incluem incentivos e medidas de tratamento fiscal mais favorável para empresas de imprensa, rádio e televisão. Isto, apesar de Augusto Santos Silva, ministro que tutela o sector, ter afirmado que não apoia a hipótese de ajudas específicas. Mas, para já, recuou-se na transferência para um portal na Internet dos anúncios de natureza pública, que se traduziria num corte de 30 por cento das receitas publicitárias dos jornais.
Mesmo com a possibilidade de medidas específicas, ainda é cedo para perceber como irão ser mais afectados os títulos de imprensa. "Em Portugal o mercado dos jornais é muito pequeno", lembra Manuel Pinto, para quem a situação de aperto das empresas irá acelerar as alterações que se operam hoje no jornalismo impresso.
Para já, desenham-se novos modelos de relacionamento entre jornais e a sociedade civil. Uma das linhas de trabalho é a "participação dos cidadãos em projectos de informação através de múltiplas modalidades em que a gente comum pode, na sua área de conhecimento e de vida, conviver com os profissionais", exemplifica Pinto, lembrando as reportagens que recebem colaboração dos leitores, cabendo aos jornalistas verificar os factos. Tudo no espírito de uma maior participação, numa era em que os cidadãos "devem sentir-se mais implicados na definição das agendas dos media".


