Natália Faria, in Jornal Público
Os crimes cometidos via Internet contra menores não param de aumentar. A PJ decidiu ir às escolas
"Quando a miúda de 14 anos acabou o namoro, ele zangou-se e espalhou o vídeo em que ela estava a fazer um strip tease...". O inspector da Polícia Judiciária (PJ) Carlos Alves já descrevia há uns bons trinta minutos casos reais que misturam Internet, menores e abusos, nomeadamente sexuais, quando é interpelado por uma voz da assistência composta por alunos da EB 2,3 de Cabreiros, em Barcelos:
- "Não foi o namorado que pôs o vídeo, foi o irmão que lhe sacou o telemóvel e passou as imagens".
- "Esta história passou-se numa escola de Famalicão. Será o mesmo caso?", volveu o inspector.
Minutos depois, concluem tratar-se de histórias diferentes. O inspector aproveita a coincidência para reforçar a mensagem que o levou ali, em mais uma das 50 palestras que a PJ de Braga já promoveu nas escolas do distrito. "Há centenas de histórias iguais a estas que vos estou a contar. E todas elas envolvem colegas vossos que foram pressionados para fazer coisas que julgavam que nunca fariam."
A missão dos inspectores da PJ - alertar alunos, pais e professores para os riscos inerentes à Internet - não é nada impossível e até já permitiu que a PJ desencadeasse processos de investigação a partir de casos relatados pela assistência. "Houve um aluno de uma escola de Viana do Castelo que denunciou a existência de conteúdos pedófilos num site", exemplificou aquele responsável. A lista de crimes envolvendo menores na Internet é interminável. Da pedopornografia ao cyberbulling, passando por injúrias, burlas e pela chantagem. Um dos casos que passaram recentemente pela PJ de Braga envolvia uma miúda de 13 anos chantageada por alguém que conheceu num chat. "Falaram-se durante meses e ela, às tantas, aceita enviar-lhe umas fotografias por correio electrónico em que aparecia de calcinhas e nua da cintura para cima. Pouco tempo depois, ele, que era muito mais velho, ameaça divulgar essas fotos se ela não aceitasse ter relações sexuais". A chantagem prolonga-se por semanas até que a adolescente acaba por desabafar com uma professora. A PJ acabou por conseguir identificar o indivíduo e o caso é um dos que Carlos Alves costuma relatar nas escolas. "Ainda que falem o dia inteiro durante cinco meses na Internet com alguém que não conhecem pessoalmente, não acreditem que já conhecem a pessoa. A regra é desconfiar sempre".
A mãe de um dos miúdos ali presentes, Glória Martins, sai da sessão preocupada. "Com isto da Internet temos que andar sempre de pé atrás, não é? A gente nunca sabe", preocupa-se. O filho, com dez anos, só tem permissão para navegar na presença do pai. "Eu confundo-me muito com aquilo, acho que é muito evoluído para mim. Vejo lá as letras e as palavras, mas não consigo entender-me. O que sei é que tanto pode dar para o bem como para o mal".
Abusos sexuais
Por saber das dificuldades de muitos pais em lidar com a Internet, sobretudo em meios rurais como o que envolve esta escola de Barcelos, é que a professora de Informática, Hélia Lima, decidiu assegurar que os pais vão ser orientados no manuseamento do programa de controlo parental contido nos Magalhães. "É importantíssimo que os pais aprendam como proteger os miúdos". Os contactos estabelecidos a partir de redes sociais como o Hi5, Messenger, MySpace e Facebook, entre outros, estão na base de muitas queixas chegadas à PJ. Das quais um preocupante número dizendo respeito a abusos sexuais. "O simples facto de os miúdos aparecem em fotografias que os identificam nas páginas do Hi5 pode suscitar o interesse dos predadores sexuais", sublinha Carlos Alves.
O inspector-chefe Camilo Oliveira, da PJ de Coimbra, que também anda em palestras pelas escolas, confirma que aqueles "pontos de encontro" são, ao mesmo tempo, verdadeiros catálogos para predadores sexuais. "Neles, estes indivíduos conseguem seleccionar as suas vítimas em função da idade, do sexo e da localização", refere. "O ano passado, nos Estados Unidos, foi feito um cruzamento entre bases de dados e descobriu-se que 29 mil predadores sexuais cadastrados tinham página no MySpace", conta o responsável da PJ, apontando estudos que demonstram que "mais de 80 por cento do tempo que os miúdos portugueses passam na Net é em sites do género".
Não por acaso, em 2007, foram registados em Portugal nove desaparecimentos de meninas associados a contactos via Net. E os casos vão-se repetindo. Em Setembro de 2008, a PJ de Lisboa deteve um homem de 52 anos que aliciou uma menor de 13 via Internet. Em Julho, dois indivíduos foram acusados da co-autoria de uma violação de uma rapariga de 16 anos que conheceram através da Internet e atraíram depois para o mundo off line. Em Novembro, os jornais contaram a história de uma adolescente de 14 anos que viajou do Estoril ao Funchal, sem conhecimento dos pais, para encontrar-se com um rapaz que tinha conhecido num chat. Ao todo, no ano passado, passaram pela PJ perto de duas dezenas de casos de adolescentes violadas ou vítimas de abusos sexuais, na sequência de encontros marcados pela Internet. A maioria dos casos, porém, não chega à polícia. "As crianças ou nem se apercebem que estão a ser vítimas de crimes ou escondem dos pais, com medo dos castigos", diz Camilo Oliveira.
Mesmo assim, foi o aumento das denúncias que fez com que o crime de pornografia envolvendo menores até aos 18 anos com enquadramento na Internet ganhasse autonomia no Código Penal. "Se a criança tiver menos de 14 anos e o indivíduo a aliciar para fins de natureza sexual, convencendo-a por exemplo a exibir-se perante uma web cam, a pena vai até três anos", exemplifica Camilo Oliveira. Se o caso envolver "a produção, distribuição, venda ou cedência de pornografia de menores, as penas vão de um a cinco anos de prisão".
Ricardo Teles, de 15 anos, e um dos alunos da EB 2,3 de Cabreiros que foram ouvir o inspector Carlos Alves, é assíduo na Internet, tem MSN e página no Hi5 e jura que não sabia que histórias como as que ouviu contar podiam acontecer. Lição aprendida? "Claro. Vou mudar a foto no Hi5 e tirar o meu nome verdadeiro. E vou pensar duas vezes antes de me pôr a falar com estranhos".


