Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Fugiram da República Democrática do Congo, do Iraque, do Afeganistão, da Etiópia e da Somália e foram parar à Tanzânia, à Síria ou à Ucrânia
Os últimos a chegar foram dez afegãos, três etíopes e um somali que a vida tinha despejado na Ucrânia. Entraram em Portugal o mês passado. Vestiram roupas tradicionais para receber o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, que por estes dias lhes foi dar as boas-vindas ao Centro de Acolhimento para Refugiados (Loures) e até lhe fizeram um bolo.
Portugal acolheu 74 pessoas a pedido do Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) desde 2006, ano em que passou a usar o mecanismo de reinstalação - um instrumento complementar ao sistema europeu comum de asilo. O ministro admite acolher mais, mas não arrisca dizer quantos mais: tudo depende dos contornos dos casos apresentados.
Nos primeiros anos, Portugal nem sequer atingiu a meta mínima que definiu. Em 2006, respondeu favoravelmente a 17 pedidos do organismo liderado por António Guterres: 12 residentes num campo de refugiados em Marrocos e cinco já resgatados por uma embarcação espanhola ao largo de Malta. No segundo e no terceiro ano, acolheu ainda menos: 16 e 11 - da Índia, da Somália, da Eritreia, do Iraque ou da República Democrática do Congo. No ano passado, pela primeira vez, alcançou a quota mínima anual: 30.
O ministro atribui a míngua à "falta de pedidos devidamente instruídos". Teresa Tito Morais Mendes, do Conse-lho Português para os Refugiados, enfatiza a falta de experiência. Cada processo tem de ser apreciado por diversas entidades até ser aprovado pela Administração Interna. Com o acumular de saber, os intervenientes ganham traquejo.
Este é um tipo específico de protecção internacional, como salienta Teresa Tito Morais Mendes. O indivíduo conseguiu sair do seu país de origem, mas não encontrou uma vida suportável no país de acolhimento. Às vezes, é difícil localizá-lo: a resposta tarda e, entretanto, ele mudou de sítio. Também acontece não haver representação diplomática no país de trânsito e a burocracia aprofundar-se.
Teresa Tito Morais Mendes não dá detalhes sobre casos concretos - para não manchar um certo sigilo. Não se coíbe, porém, de prestar informações capazes de formar uma ideia. Em Julho, exemplifica, chegou um grupo da República Democrática do Congo que estava na Tanzânia e que por lá continuava a enfrentar graves problemas de segurança e de integração.
Os 10 afegãos que agora chegaram a Portugal permaneciam indocumentados: a Ucrânia não lhes reconhecia o estatuto de refugiados, tão-pouco lhes conseguia autorização de residência por razões humanitária - a qualquer momento a mulher e os dois filhos e o casal com cinco filhos podiam ser deportados para um país em guerra. Os três etíopes e o somali corriam igual risco.
"As pessoas trazem histórias de grande sofrimento e chegam aqui com uma grande expectativa de por-to seguro", sublinha Teresa Tito Morais Mendes. Um porto seguro, em casos destes, significa um sítio onde "a pessoa se sinta livre e possa reorganizar a sua vida".
Não é fácil reorganizar a vida num país distante, estranho. Quase sempre se levanta a barreira da língua. E, amiúde, a diferença cultural é imensa. Teresa Tito Morais fala numa taxa de integração que ronda os 50 por cento - na certeza de que ela se pode alterar a qualquer instante.
No Centro de Acolhimento para Re-fugiados, os do regime de reinstalação misturam-se com os do regime de asilo. Nos primeiros seis meses de 2009, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) registou 85 pedidos de asilo, 44 formulados em território nacional e 41 formulados em postos de fronteira - aeroportos. No ano anterior, registara 161, menos 71 por cento do que em 2007 (224). Parece uma diminuição drástica, mas o efeito esbate-se quando se olha para os anos que o precederam: 126 pedidos em 2006, 113 em 2005, 113 em 2004, 116 em 2003. Não se pense que todos conseguem o estatuto de refugiado ou a autorização de residência por razões humanitárias. Em 2008, 82 conseguiram. No ano anterior, apenas 28.
Neste momento, 51 pessoas vivem no centro de acolhimento temporário, que foi pensado para 42. "Estamos a exceder a nossa capacidade", reconhece Teresa Tito Morais Mendes. Podem ficar ali até oito meses. "Como temos quartos espaçosos, podemos pôr uma cama suplementar. Usamos um anexo para criar um quarto de isolamento - por causa da gripe A. Como o risco abrandou, estamos a usá-lo."
Na calha está já um centro destinado a crianças desacompanhadas - uma parceria do Conselho Português para os Refugiados com o SEF, a Câmara Municipal de Lisboa e a Swatch Tempus International. Agora mesmo, no centro, há cinco menores desacompanhados. A unidade, a nascer no Parque da Bela Vista, em Lisboa, terá lugar para 12.