20.2.10

Famílias "penalizadas"

Ana Trocado Marques, in Jornal de Notícias

Sempre que há um naufrágio, a questão volta à baila, mas os anos passam e o problema persiste: as viúvas dos pescadores que desaparecem no mar vivem, quase sempre, um calvário na Justiça para comprovar a morte dos maridos e levam anos a receber as indemnizações do seguro.

Perdem o marido, ficam sozinhas, muitas vezes com filhos menores e sem o principal sustento da casa, com a dor de quem nunca terá um corpo para velar e a braços com uma lei que, só ao fim de cinco anos, considera a morte, indiferente às dificuldades económicas de quem perdeu quase tudo.

"De uma vez por todas, esta questão devia ser resolvida. Não se percebe que haja uma naufrágio, o barco apareça todo partido, e, quando o corpo do pescador não aparece, a lei obrigue a cinco anos para assumir a morte", afirmou, ao JN, o presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar (APMSHM), José Festas, que há anos se bate por esta questão.

Foi assim com o "Salgueirinha", que a 19 de Outubro naufragou ao largo de Aveiro. Um dos cinco pescadores mortos, todos das Caxinas (Vila do Conde), nunca chegou a aparecer. A viúva, com uma filha menor, andou quase três anos em Tribunal. Valeu-lhe a ajuda da Câmara de Vila do Conde, que, junto da seguradora, acabou por desbloquear a situação. Em 2006, o naufrágio do "Luz do Sameiro", a 50 metros da Praia da Légua, em Alcobaça, voltou a deixar a nu as fragilidades da lei. Na altura, morreram seis pescadores "quase em directo". A APMSHM, criada a propósito do naufrágio para exigir mais segurança para os pescadores, bateu-se pelo tema: "Houve duas viúvas [dos pescadores que nunca mais apareceram], que estiveram quase dois anos para receber. Não se admite", frisou José Festas. As famílias acabam por ficar à mercê da boa vontade das autarquias e dos restantes familiares.

Agora, o drama das famílias promete repetir-se. Entre a comunidade piscatória, diz José Festas, só se pede a Deus que o mar devolva os corpos. Em caso de pescadores desaparecidos no mar, a declaração legal do óbito só pode ser feita por um tribunal através da chamada "morte presumida", já que, de acordo com a lei, são necessários cinco anos para que um desaparecido seja considerado, para efeitos legais, morto, mesmo no caso da pesca, onde, na maior parte dos casos, "as provas da morte são mais do que evidentes".