28.2.10

Igreja presente na construção da União Europeia

Paulo Rocha, in Agência Ecclesia

Delegação da Conferência Episcopal Portuguesa recebida pela Comissão e pelo Parlamento Europeu


A Igreja Católica em Portugal quer adequar a sua presença social às formas de participação previstas nas estruturas de soberania nacionais e europeias, nomeadamente durante este Ano Europeu para a Erradicação da Pobreza e Exclusão Social. Com esse objectivo, uma delegação da Conferência Episcopal Portuguesa visitou, na última semana, a Comissão e o Parlamento Europeu onde contactou com o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e com eurodeputados dos diferentes quadrantes partidários.

Relevância da Igreja
Durão Barroso referiu o “papel importantíssimo” da Igreja Católica na sociedade europeia. Ao receber esta delegação, o Presidente da Comissão sublinhou o trabalho social e educativo desenvolvido pelas estruturas da Igreja Católica.

“A Igreja Católica, para além da dimensão religiosa – e obviamente essa não é do foro da Comissão – tem no domínio social, da integração dos imigrantes, da educação um papel tão relevante que para mim é importante conhecer as suas opiniões, ouvir as suas preocupações e as suas aspirações também”, disse o Presidente da Comissão Europeia à Agência ECCLESIA após uma reunião com Bispos de Portugal que representam a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e um encontro com delegados de organismos da CEP.

Por outro lado, num Seminário em que se analisaram as relações Igreja-Estado, eurodeputados dos diferentes partidos foram unânimes no reconhecimento da importância das estruturas da Igreja Católica na sociedade, nomeadamente na área social, educativa e da saúde.

Intervindo neste Seminário, Paulo Rangel referiu que é hoje muito mais forte a “capacidade de influência” da Igreja Católica e das instituições a ela ligadas. “O Estado moderno perdeu o seu monopólio de poder, é uma comunidade política muito mais aberta à entrada de novos parceiros”. Para o eurodeputada do PSD, a capacidade das instituições da sociedade civil hoje marcarem a agenda política no sentido lato, não no sentido partidário, é muito maior”. “Por isso o papel das igrejas, da Igreja católica no espaço português designadamente, se actuar não apenas como uma unidade, mas na diversidade dos seus grupos (da acção social, da reflexão espiritual, dos que estão orientados para o mundo do trabalho, da educação), tem hoje um lugar muito maior porque a sociedade é muito mais complexa, é muito menos dominada pelo Estado e pelo seu paradigma”.

Para além de uma comunidade política e económica, a Europa precisa de uma identidade cultural. Intervindo durante o Seminário para a delegação da CEP e para representantes dos eurodeputados portugueses, Manuel Braga da Cruz disse que “a construção Europeia não é apenas a edificação de instituições políticas”. O Reitor da Universidade Católica defendeu, que “não há entidade política sem substrato cultural”. “Se a Europa quer ser uma união política, não pode deixar de ter uma identidade cultural”. Nessa construção cultural, Braga da Cruz defende uma participação efectiva da Igreja Católica, fundamentada nas raízes culturais da Europa e na construção de uma identidade baseada em valores.

Erradicar a pobreza
A pobreza perdura na Europa porque as estruturas da UE apenas “cuidam dos ricos”. Para o Pe. José Maia, essa é uma das fragilidades da União, que não consegue “respostas eficazes” para lutar contra a pobreza, onde problema se agrava: hoje, um em cada seis europeus estão em risco de pobreza; o número de pobres ultrapassa os 80 milhões (2 milhões em Portugal).

A realização do Ano Europeu para a Erradicação da Pobreza e a Exclusão Social fez com que esta temática estivesse incluída nos trabalhos da delegação da CEP a Bruxelas, que promoveu uma reunião com o Comissário Europeu do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão. Uma oportunidade para László Andor referir que este Ano será uma ocasião para “despertar consciências” para a realidade da pobreza.

Para outro elemento desta delegação da CEP, o Presidente da Confederação das Instituições de Solidariedade (CNIS), a razão fundamental para essa realidade deve-se ao facto de se terem promovido “mais transferências financeiras do que a atribuição de competências”. Interpelando o Comissário Europeu, o Pe. Lino Maia lamentou que o ano 2010 não seja um ano de “comemorações” pela diminuição da pobreza na Europa, como previsto na Estratégia de Lisboa. Neste ano, esses objectivos remetem-se para outra Estratégia, a “Estratégia 2020”, em definição nas instituições da Europa.

“Estamos a entreter, com mais iniciativas, um problema que não mostra uma queda substancial desde 1974, quando o problema da pobreza começou a ser uma preocupação da então Comundiade Europeia”. É a convicção de Alfredo Bruto da Costa, que integrou também esta delegação. O Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz referiu à Agência ECCLESIA que “tudo quando se faz contra a pobreza na Europa faz-se com projectos, programas e políticas periféricas”. “Como cientista, eu encontro as causas da pobreza na sociedade. Se aquilo que eu faço para lutar contra a pobreza não interfere com a sociedade - é periférico nesse sentido - não estou a fazer nada de substancial contra pobreza”, explicou. Para Bruto da Costa, as acções contra a pobreza apenas tentam resolver o problema da privação.

No Ano Europeu para a Erradicação da Pobreza e a Exclusão Social, o Comissário para o Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão referiu que as políticas de luta conta a pobreza serão definidas a partir dos contributos das organizações que trabalham no terreno, também as da Igreja Católica. “A UE dispõe de muitas plataformas para essas auscultações”, referiu. Nesse sentido, László Andor manifestou disponibilidade para ouvir as Igrejas, na consulta aos estados-membros no âmbito da Estratégia 2020.

Diálogo garante presença da Igreja Católica
No contexto constitucional europeu actual, o diálogo aberto, transparente e regular previsto no artº 17 do Tratado de Lisboa é o meio pelo qual a Igreja Católica, a par de outras instituições, participa no debate cultural, social, económico e político em curso nas instituições europeias. Nesse sentido, D. Jorge Ortiga, Presidente da CEP e desta delegação da Igreja Católica em Portugal, sugeriu ao Presidente da Comissão Europeia, durante o encontro que os Bispos presentes mantiveram com Durão Barroso, uma “estruturação do artigo 17º”. O Arcebispo de Braga deseja que, por imperativo legal, exista na UE uma estrutura “que nos faça sentar à mesma mesa, partilhar ideias, sem proselitismo”.

Um problema a merecer a análise de Manuel Braga da Cruz que, diante da “organização dos interesses” na Europa (políticos, económicos e sociais) através de Observatórios, Fóruns ou Parlamentos, defende também que “os interesses culturais e promocionais”, como são os da Igreja Católica, se organizem. “Não tem fórum próprio para se exprimir, para se articular, para se traduzirem”, referiu o Reitor da Católica, sublinhando que “é importante que os parlamentos, não apenas o europeu mas também as representações nacionais, olhem para estes interesses e para a necessidade que eles têm de se exprimirem”.

Neste âmbito, Durão Barroso informou a delegação da CEP que se reúne, todos os anos, com representantes de todas as confissões religiosas. Referiu também o diálogo que mantém com a COMECE, a Comissão dos Episcopados da União Europeia. “Eu próprio tenho mantido um diálogo com a COMECE e também com outras confissões religiosa porque tenho de estar aberto ao pluralismo das confissões religiosas e também a quem não tem religião”, referiu à Agência ECCLESIA. Para Durão Barroso, “a COMECE tem uma presença muito importante no diálogo europeu”.

COMECE
Com um Secretariado em Bruxelas, os Bispos da União Europeia participam no debate da construção da Europa através da COMECE, a Comissão dos Episcopados da União Europeia.

No âmbito da visita da Conferência Episcopal Portuguesa às instituições europeias, a delegação presente em Bruxelas teve a oportunidade de se inteirar do papel desenvolvido pela COMECE junto do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeia, que passa pela realização das Assembleias Plenárias da COMECE, compostas por Bispos representantes das Conferências Episcopais de cada país da EU e que reúne duas vezes por ano (a próxima está agendada para os dias 14 a 16 de Abril), e pelo trabalho de peritos em áreas que são da competência das estruturas da UE. Migrações, bioética, acção e diálogo social são alguns temas analisados por peritos da COMECE, que acompanham o debate em curso nas estruturas da UE e adiantam propostas em sintonia com os princípios da Doutrina Social da Igreja.

A presença da COMECE nos debates da UE acontece também pela promoção de encontros bilaterais com membros do Parlamento, do Conselho ou da Comissão Europeia e de debates em torno das questões que marcam a agenda da EU em Seminários ou conferências.

Ingerências “de morte” da UE
A UE faz depender a atribuição de fundos disponíveis para a cooperação e também para a ajuda humanitária da “aprovação, pelos beneficiários, de legislação que, de uma forma ou de outra, liberaliza o aborto”. Em declarações à Agência ECCLESIA, um dos técnicos da COMECE, José Ramos Ascensão, denuncia estas ingerências da UE na política interna dos Estados, através de uma “posição paternalista” da União, que é, ao mesmo tempo, “veículo transmissor de um conjunto de valores que na doutrina da Igreja estão associados à cultura da morte”.

Este tema, como os que se relacionam com a imigração, a erradicação da pobreza ou o ambiente, são acompanhados tecnicamente pelos peritos da COMECE, que produz pensamento, fá-lo chegar às instâncias europeias, debatendo-o com todos os cidadãos.

Delegação da CEP
D. Jorge Ortiga, Presidente da CEP e desta delegação, referiu que a visita às instituições da União Europeia (EU) é uma oportunidade para partilhar e ideias e sugestões que permitam a concretização de valores defendidos pela Igreja Católica para todas as sociedades, nomeadamente a europeia. Eles fazem parte da matriz cristã que caracteriza o Continente e, “mesmo que ela não seja referida” no Tratado que rege a UE, o Tratado de Lisboa, D. Jorge Ortiga defende a conjugação de esforços para que esses valores cristãos marquem a sociedade europeia.

A deslocação desta delegação, composta cerca de 40 elementos (6 bispos e padres e leigos responsáveis por diferentes sectores da pastoral da Igreja Católica) aconteceu por convite do eurodeputado Mário David. Em declarações à comunicação social, o Vice-presidente do PPE recordou a “relevância da Igreja Católica” e a oportunidade de “estabelecer um novo diálogo entre os deputados europeus e os responsáveis pela organização da Igreja Católica em Portugal”.

Em cada ano, cada eurodeputado pode convidar 100 a visitarem as instituições europeias. Foi no âmbito deste programa que o eurodeputado do PPE decidiu, desta vez, convidar uma delegação da Conferência Episcopal Portuguesa.