11.7.10

Quando o internamento não é opção

Helena Norte, in Jornal de Notícias

Acamados, idosos e bebés recebem cuidados de enfermagem em casa.Histórias de sofrimento, solidãoe felicidade contadas por quem convive com a doença


São 8 horas e o enfermeiro Bruno Azevedo, da Unidade de Saúde Familiar (USF) de S. Simão da Junqueira (Vila do Conde), começa a sua ronda pelos utentes que acompanha ao domicílio. Vai no táxi de Fernando Silva Fernandes que transporta, há 30 anos, médicos e enfermeiros até aos enfermos da terra. Nessa manhã, vão para Bagunte, uma freguesia ruralizada e de povoação dispersa. Esperam-nos acamados, dependentes, diabéticos e doentes em recuperação de cirurgias.

Maria da Conceição Oliveira tem tudo a postos para receber o enfermeiro. Há 17 anos que cuida da mãe, atirada para uma cama na sequência de um acidente vascular cerebral que deixou sequelas permanentes.

Aos 82 anos, Ana Costa dá sinais de compreender o que a rodeia, mas permanece fechada num mutismo que só a filha descodifica. A diabetes e os longos anos na cama abriram feridas nas pernas e nas costas que são tratadas, três vezes por semana, pelos enfermeiros de família. Desempregada para tratar da mãe, Maria da Conceição não quer interná-la: "Se tivesse mesmo de ser, faria o sacrifício, mas, com esta idade, prefiro que ela esteja em casa".

O internamento também não é opção para Alexandrina Silva, cuidadora a tempo inteiro da mãe, Carminda, de 89 anos, doente de Alzheimer há 21, um triste recorde de sobrevivência à demência que rouba a memória, os movimentos e os afectos.

Sem meios para contratar apoio domiciliário de higiene e alimentação - só um dos medicamentos custa 93 euros e os suplementos alimentares são caríssimos (uma embalagem de quatro fica por 13 euros) -, Alexandrina é o rosto da exaustão. A única ajuda que tem é a de Bruno Azevedo, que vai lá a casa fazer o curativo ao pé da mãe e serenar a alma de quem faz tudo o que pode e, ainda assim, não vê melhoras.

"As famílias sentem-se culpadas, mas, mesmo os doentes mais bem cuidados, acabam por ter úlceras (feridas) devido à posição", explica, enquanto avança para o próximo domicílio. O apoio e treino dos cuidadores é uma das funções mais importantes dos enfermeiros que fazem visitação domiciliária.

Maria Arminda Costa Santos é outra cuidadora avançada. A vida assim a obrigou. É ela quem trata do pai (sofre de Parkinson), da irmã (portadora de Trissomia 21) e da sogra, Cesaltina Ferreira, diabética de 82 anos, que acamou há três meses na sequência de uma cirurgia aos intestinos. Desde então, os enfermeiros vão lá a casa fazer-lhe o curativo.

Joaquim Costa está desempregado há um ano e dedica os dias e as noites a cuidar do pai, António, 88 anos, vítima de um acidente vascular cerebral isquémico e amputado de uma perna. O Enfermeiro António Fernandes, da USF de Santa Clara (Vila do Conde), acompanha-o há algum tempo e aponta os progressos: já não precisa da sonda nasogástrica para ser alimentado e apresenta-se estável.

"É o meu pronto-socorro. Sempre que tenho dúvidas, ligo e ele esclarece-me", diz Joaquim do enfermeiro.

Este filho não se poupa a esforços. Arranjou cama articulada, colchão anti-escaras, gaiola (estrutura que se coloca ao fundo da cama para evitar o contacto dos lençóis com o doente), muda o pai frequentemente da cama para o sofá e faz os exercícios de mobilização que o enfermeiro lhe ensinou. "Ele nunca me faltou com nada. Agora, é a minha vez de lhe fazer tudo."

A dor de ver sofrer o marido de há 65 anos

Paulo Cunha tem uma agenda cheia - 24 doentes para visitar em seis horas de trabalho que, não raras vezes, se prolongam para que ninguém fique sem assistência. É enfermeiro na USF de Villa Longa, Vialonga (Vila Franca de Xira), e há dois anos que as casas dos utentes são o seu local de trabalho.

O multiétnico bairro social de Ecesa faz parte do seu roteiro habitual. É lá que mora Pedro Rosa dos Santos, que perdeu a vista, a perna esquerda e o dedo grande do pé direito para a diabetes. As lesões têm evoluído bem e o enfermeiro está confiante de que, em breve, estarão cicatrizadas. "Vamos combinar uma cachupa quando estiver bem", desafia Paulo Cunha, que durante todo o tratamento conversa com o paciente para averiguar como está a família. "O doente não é a ferida. É tudo o que sente, a família e todas as circunstâncias que o envolvem. É preciso estar atento a tudo."

Nessa manhã, como em muitas outras, os pés diabéticos e as úlceras provocadas por problemas de circulação constituem a maioria dos casos a que tem de atender. Há quatro anos que Artur Soares Pacheco não consegue livrar-se das várias feridas que lhe surgem nas pernas por causa da insuficiência venosa.

Maria, a companheira de vida há 65 anos, sai da sala quando o marido geme de dores durante o curativo da chaga da perna direita. Disfarça as lágrimas apontando para os retratos da família e enumera os dois filhos, os três netos e os dois bisnetos.

"Estamos juntos há tantos anos. Não sei como vai ser quando nos separarmos", diz Maria.

A ansiedade de não saber amamentar

Ana Isabel Melo tinha tido a Verónica há quatro dias quando foi visitada pela Enfermeira Cláudia Pires, do Centro de Saúde n.º 1 de Chaves. O apoio à amamentação e o teste do pezinho são as prioridades da primeira visita de um enfermeiro especialista em saúde materna.

Para esta cabeleireira de 34 anos e para o marido - pais pela primeira vez -, tudo é novidade e assustador. "Mas, quando os temos nos braços, é mais fácil do que imaginávamos", confessa. Ainda assim, as dúvidas são muitas.

"O receio de não saber cuidar, a ansiedade perante o choro e as dúvidas quanto à amamentação são as principais dificuldades das mães", explica a enfermeira que já acompanhou centenas de mulheres durante a gravidez e depois do parto. O despiste de problemas de vinculação entre a mãe e o bebé e de depressão pós-parto são outras mais-valias do acompanhamento precoce.

As visitas a puérperas e recém-nascidos são apenas uma parte do trabalho ao domicílio daquele centro de saúde. À Equipa de Cuidados Continuados Integrados calham as situações mais complexas: doentes oncológicos, grandes dependentes, com múltiplas lesões, que precisam de cuidados 365 dias por ano.

"Mais do que um mero executor de pensos, somos um gestor de cuidados. Fazemos a ponte entre os doentes, familiares e vizinhos", explica o Enfermeiro João Barbadães Pereira, dez anos de trabalho domiciliário. Idosos a cuidar de idosos, vizinhos a valeram-se mutuamente porque os filhos migraram, pobreza que não deixa comprar medicamentos. Retratos de muitas vidas aconchegadas pela presença de enfermeiros.

"Temos formação para lidar com os aspectos técnicos, mas a parte emocional é a mais difícil. Há muitas situações de pobreza, solidão e doença sem resposta", resume João Barbadães Pereira.