19.10.10

A Alemanha, onde nem todos têm lugar, não desperdiça os seus imigrantes qualificados

Por João Manuel Rocha, in Jornal Público
Depois do discurso de Merkel sobre fracasso do multiculturalismo, executivo avança com reconhecimento de diplomas de estrangeiros para responder às necessidades da economia


A Alemanha vai reconhecer os diplomas de 300 mil imigrantes qualificados e adoptar novas regras sobre a permanência de estrangeiros, que podem passar pela obrigação de frequentar cursos de integração. As medidas foram ontem anunciadas pelo Governo, depois de, no fim-de-semana, a chanceler Angela Merkel ter afirmado que o multiculturalismo "falhou redondamente".

Perante jovens democratas-cristãos, a chefe do Governo defendeu no sábado que os imigrantes têm de "fazer mais" pela sua própria integração e lembrou que "aqueles que não são capazes de aceitar" que os alemães se sentem "ligados "aos valores cristãos" também "não têm lugar aqui".

O site da revista Der Spiegel fazia ontem eco das opiniões de críticos que viram no tom duro de Merkel uma tentativa para inverter a tendência de perda de popularidade e ir ao encontro de preocupações com a imigração expressas em diversos estudos de opinião. Numa análise ao discurso, assinalava também que, fiel ao seu estilo, a chanceler teve o cuidado de não alienar os elementos mais liberais do seu partido ao expressar apoio a um recente discurso do Presidente alemão, Christian Wulff, que salientou que o islão é "uma parte da Alemanha".

Com as medidas, o Governo procura apaziguar os que, no campo conservador, criticam a suposta fraca integração dos imigrantes, sobretudo dos muçulmanos, mas também ir ao encontro das inquietações dos meios económicos - preocupados com a falta de mão-de-obra qualificada que ameaça a retoma da Alemanha, onde vivem 15 milhões de estrangeiros, 18,4 por cento da população.

O plano de reconhecimento de qualificações de estrangeiros foi anunciada ao jornal Financial Times Deutschland pela ministra da Educação, Annette Schavan, segundo a qual a avaliação das competências não será automática e deve ser feita segundo critérios alemães.

O diário bávaro Süddeutsche Zeitung, que teve acesso ao projecto de lei, escreveu que os candidatos ao reconhecimento de habilitações serão submetidos a testes práticos e teóricos ou a entrevistas. A ministra disse que todos terão oportunidade de ver as suas competência avaliadas, mas o jornal refere que campos como a engenharia e a educação são competência dos estados regionais e não do governo federal.

Dados da Câmara de Comércio e Indústria alemã divulgados pela Reuters indicam que a economia do país carece de cerca de 400 mil trabalhadores qualificados. O instituto de pesquisa económica IW calculou que, no ano passado, a falta de mão-de-obra qualificada custou 15 mil milhões de euros à economia alemã e que, se nada for feito, em 2020 faltarão 250 mil trabalhadores qualificados nas áreas técnicas. Dados referidos pela AFP indicam que, no ano passado, a Alemanha, que já está a pagar o preço do envelhecimento da população e da fraca natalidade, teve um saldo migratório negativo de 13 mil pessoas.