Bernardo Mendonça, in Expresso
A propósito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a vice-presidente da Assembleia da República, Edite Estrela, começa por deixar a mensagem: “Há os heróis do 25 de Abril, mas é justo que a História reconheça também o papel das mulheres, que têm sido esquecidas.” Feminista e acérrima defensora da igualdade de género, deixa claro que há uma revolução contra o patriarcado por se cumprir. “A democracia não se cumpre se prescindir do contributo de metade da população. Temos de afastar a ideia de que as mulheres trabalham e os homens brilham, que as mulheres são formiguinhas e os homens podem ser cigarras e usufruir do trabalho das mulheres.” Neste podcast, Edite Estrela recorda que quando se filiou no PS e foi deputada na AR, havia poucas mulheres no parlamento. “Era o reino do masculino. Foi precisamente quando se introduziu o sistema de quotas que se começou a feminizar a política." O seu nome chegou a ser apontado para a presidência da AR nesta nova legislatura. Tal não aconteceu, mas nesse processo houve uma campanha negativa sobre si, em relação ao qual comenta: “Estou convencida que fui mais atacada por ser mulher. Há sempre uma tendência para se escrutinar mais a mulher na política.” Ouçam-na no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, com Bernardo Mendonça
Edite Estrela foi durante muitos anos o paradigma do rigor no uso da língua portuguesa. E talvez ainda seja. Nos anos 80 e 90 era comum, a meio de uma discussão sobre erros gramaticais, ser nomeada para colocar os pontos nos is. Costumava dizer-se: “Que grande ‘calinada’, a Edite Estrela devia estar aqui.” E quem era alvo de correção podia ripostar: “Olha, mas agora estás armado ou armada em Edite Estrela?” Uma imagem criada desde que passou a ser a voz e o rosto de vários programas sobre Língua Portuguesa para a rádio e televisão, nomeadamente “Bem-dizer, bem escrever”, “Crónicas de Bem dizer" e “Falar Português” - este último em parceria com o professor João David Pinto-Correia.
Neste episódio, Edite Estrela revela os erros atuais mais comuns, as palavras que mais gosta e mais detesta ouvir e confessa que, por vezes, com cuidado, corrige algumas pessoas nos corredores da Assembleia da República.
Licenciada em Filologia Clássica e Mestre em Comunicação Social, Edite Estrela foi professora de Língua e Literatura Portuguesa durante 15 anos e colaborou em vários jornais, como “A Capital”, o “Expresso” e o “Jornal de Notícias”.
Nos anos 80 filiou-se no PS - depois de uma longa reflexão solitária frente ao mar da Costa da Caparica - e o resto é a história que muitos conhecem. Deputada em três legislaturas, foi Presidente da Câmara de Sintra, entre 1993 e 2001, e depois eurodeputada, distinguida por duas vezes com o prémio de melhor parlamentar na área dos Assuntos Sociais, em 2010 e 2014. Atualmente é vice-presidente da Assembleia da República, cargo que ocupa desde a anterior legislatura, e o seu nome chegou mesmo a ser apontado este ano para a sua presidência. Tal não veio a acontecer, mas neste processo houve uma campanha negativa sobre si que a relacionava ao ex-primeiro ministro José Sócrates. Ferro Rodrigues chegou a mostrar a sua solidariedade institucional afirmando que Edite Estrela tinha sido sujeita a "vis ataques pessoais e de caráter, em circunstâncias inadmissíveis em democracia".
Neste episódio, Edite Estrela chega a comentar: “Não tenho ainda a distância suficiente dos últimos episódios, mas estou convencida que foi por ser mulher que fui mais atacada.” E acrescenta: “Não nego essa relação [com José Sócrates], de maneira nenhuma. Mas nessa altura não fiz parte do governo, estava no Parlamento Europeu. Não seria provavelmente a pessoa que nesse período esteve mais próxima [dele]. No entanto, fui atacada. Mas ninguém pode ser penalizado pelas amizades, assim como ninguém pode ser penalizado pela família. Temos de ser avaliados por nós próprios, por aquilo que valemos, pelo que somos, fizemos. E todo o tipo de vinganças e maus sentimentos prejudicam muito [a democracia]. ”
Edite Estrela chega também a afirmar neste podcast que as mulheres são sempre um alvo mais fácil para a crítica e a chacota. “Há sempre uma tendência para se escrutinar mais a mulher na política.”
A verdade é que quase 50 anos depois da revolução de Abril, o país ainda não teve nenhuma mulher primeira-ministra, nem nenhuma Presidente da República eleita. Faltará muito para o país estar preparado e livre para dar esse passo? O que é certo é que os maiores cargos de poder político e do Estado ainda são ocupados por homens. Uma desigualdade de género que permanece também nos cargos de poder das empresas e na diferença de salários. Em média, as mulheres auferem salários 14% mais baixos que os homens, situação que se demonstra transversal a grupos etários e é mais acentuada em cargos de chefia.
Nestes 40 anos na política, Edite Estrela reconhece que foi convidada para cargos executivos do governo de António Guterres. Sobre o futuro, é questionada se se imagina no cargo de Presidente da República. “Essa não é uma ideia desagradável. Estou bem onde estou, mas gostarei de ver uma mulher na Presidência da República Portuguesa."
Edite Estrela recorda neste episódio também a meninice passada em Trás-os-Montes, na aldeia de Belver, em Carrazeda de Ansiães, e dá a perceber o que teve de sonhar, forjar, combater e ultrapassar no caminho para se afirmar na capital.
Sobre o que ainda falta fazer para Abril se cumprir, Edite Estrela chega a declarar no podcast: "Não é tolerável que haja prémios chorudos escandalosos atribuídos a maus gestores. Temos de combater as desigualdades. Espero que neste mandato do governo se deem passos seguros nesse sentido." E acrescenta: "Não podemos ter a utopia do mundo perfeito. Mas todas as pessoas têm de ter os mesmos direitos, as mesmas liberdades e as mesmas oportunidades independentemente do seu ponto de partida."
Há bem mais para ouvir e descobrir nesta longa conversa com a política Edite Estrela, que chega a ler vários poemas e dá-nos música.
Como sabem, o genérico desta nova temporada é uma criação original da Joana Espadinha, com mistura de João Firmino (vocalista dos Cassete Pirata). Os retratos são da autoria de João Carlos Santos. E, desta vez, a edição áudio deste podcast é de João Martins.
Voltamos para a semana, com mais uma pessoa convidada. Até lá escrevam-nos, comentem, classifiquem o podcast e, já sabem, pratiquem a empatia e boas conversas!