Ana Meireles, in DN
Manuela Silva é a vencedora do FLAD Science Award Mental Health 2022 com um projeto que, através de um ensaio clínico, pretende que doentes mentais graves sejam acompanhados no pós-internamento por um par constituído por um doente mental já estabilizado e uma pessoa não especialista nesta área.
Manuela Silva classifica como de uma "importância enorme" os 300 mil euros que vai receber como vencedora do FLAD Science Award Mental Health 2022 "porque vai possibilitar que concretizemos este projeto, que visa explorar uma área que ainda não temos em Portugal e que é a dos cuidados às pessoas com doença mental grave serem prestados por pessoas que têm também a experiência da doença mental grave".O nome do projeto premiado desta investigadora do Lisbon Institute of Global Mental Health - um instituto criado por Fundação Calouste Gulbenkian, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e Escola Nacional de Saúde Pública - é comprido e em inglês, Effectiveness of the Critical Time Intervention-Task Shifting model for persons with serious metal illness discharged from inpatient psychiatric treatment facilities in Portugal. Mas em bom português consiste na realização de um ensaio clínico de uma intervenção psicológica usada com sucesso em países como os Estados Unidos e a Austrália e que consiste em contratar e treinar pessoas para acompanhar doentes mentais graves, como esquizofrenias e perturbações bipolares graves, após estes saírem de um período de internamento.
"O projeto é um ensaio clínico randomizado que pretende ajudar as pessoas com doenças mentais graves a reorganizarem a sua vida, para não ser um tratamento que é meramente baseado em virem à consulta, em que façam medicação, mas em que haja um acompanhamento muito diário, na casa das pessoas, muito na comunidade, no dia-a-dia, para que se encontrem as áreas em que as pessoas estão a funcionar menos bem e que se procurem apoios na comunidade que possam ajudar a ultrapassar algumas dessas dificuldades", explica ao DN Manuela Silva. "Nós sabemos que há grandes défices de tratamento na área da saúde mental, principalmente em pessoas que têm doenças mentais grave, porque um dos primeiros problemas é que as pessoas acabam por rapidamente perder o contacto com os serviços e, por isso, não conseguem muitas vezes fazer um processo de recuperação", acrescenta a investigadora.
O ensaio clínico deverá começar no início de 2023, com o recrutamento das pessoas que irão acompanhar os doentes e que serão submetidos a uma formação intensiva inicial, sendo que o acompanhamento propriamente dito deverá arrancar no final do primeiro trimestre do próximo ano. "Nós vamos contratar pessoas com doença mental e também agentes da comunidade, pessoas já ligadas à saúde mas sem treino em saúde mental, e que vão acompanhar durante nove meses pessoas saídas do internamento, vão as casa delas, vão fazer um plano de cuidados com elas e perceber de que forma isto melhora a sua qualidade de vida, a sua adesão à terapêutica, aquilo que é o reestruturar das suas rotinas", refere a psiquiatra. "O ensaio vai ter dois braços, algumas pessoas vão continuar a ter os cuidados habituais que são prestados pelos três serviços envolvidos, e o grupo de intervenção, que, para além dos cuidados habituais prestados pelos serviços de psiquiatra, vão ter este par de pessoas que as vai acompanhar durante alguns meses".
Os três serviços envolvidos neste estudo são o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (hospitais de Santa Maria e Pulido Valente), o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (hospitais Egas Moniz e São Francisco Xavier) e o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. O objetivo, e para que o estudo tenha conclusões estatisticamente significativas, é arranjar uma amostra de 150 doentes, metade será acompanhada e a outra metade não, e contratar 12 pessoas, quatro por serviço, que ficarão encarregues de seguir 25 doentes em cada centro hospitalar.
A importância de um destes elementos do par de cuidadores ser ele também doente mental é de uma grande importância para o sucesso deste ensaio, conforme explica Manuela Silva. "Por um lado, porque as pessoas com doença mental grave muitas vezes têm problemas de confiança e, portanto, poderem estar com alguém que viveu experiências semelhantes e que percebe aquilo que estão a sentir pode ajudar a aprofundar a confiança nos cuidados de saúde e nos cuidados que lhes são prestados e isto é uma barreira que muitas vezes nós, técnicos de saúde mental, temos que ultrapassar no cuidado destas pessoas. Depois porque também vamos empoderar as pessoas que têm doença mental e que estão recuperadas".
Quanto à possibilidade de a metodologia deste ensaio ser posta em prática no futuro no Serviço Nacional de Saúde, esta investigadora acredita que poderá tornar-se uma realidade. "As coisas têm demorado muito a serem implementadas, mas em dezembro saiu legislação que determina que sejam reorganizados os serviços e são muito assentes nestas equipas de intervenção, nestas equipas comunitárias de saúde mental. Estão a ser lançadas já algumas e eu acho que se este modelo der resultados positivos podia somar àquilo que são as estratégias para o país", declara Manuela Silva. "Este é um momento importante para nós encontrarmos formas inovadoras de reorganizarmos os cuidados, principalmente das pessoas com doença mental grave. Portanto, acho que os resultados terão importância para a reorganização dos serviços no nosso país".