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24.1.22

Combate à pobreza exige novas políticas públicas e monitorização de resultados

Ana Carrilho, in RR

Conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz tem este ano como tema os “Pobres, Pobreza e Desigualdade”.

A crise pandémica inverteu o caminho de redução da pobreza trilhado até 2019. Esta foi a constatação da Conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, que tinha este ano como tema “Pobres, Pobreza e Desigualdade”.

Tudo dependerá das políticas públicas que vierem a ser adotadas e do impacto que tiverem na recuperação económica que, na opinião do especialista Carlos Farinha Rodrigues, tem que ser mais inclusiva.

A implementação de uma Estratégia Nacional de Combate à Pobreza torna-se inevitável e tem que começar com as crianças, com o combate à pobreza infantil, cujo nível é superior ao da população em geral.

Apurar as causas, estabelecer complementaridade de políticas e medir o seu impacto na vida das pessoas, para a professora universitária Joana Silva, é fundamental. Algumas políticas públicas e sociais têm que ser alteradas e o seu resultado, monitorizado.


Para organizações que estão no tereno para acudir aos mais vulneráveis, como a Cáritas, a resolução dos problemas não pode fugir da proximidade às pessoas.
Será que se consegue regressar ao caminho de redução da pobreza?

A crise pandémica acentuou os fatores tradicionais de pobreza, mas trouxe outros novos que potenciam a pobreza e exclusão. Por exemplo, para os trabalhadores informais, que sem qualquer tipo de proteção social associada ao trabalho, com a paragem de atividade durante a pandemia, se viram sem rendimentos e sem apoios sociais. Serão muitos dos cerca de 228 mil que durante o ano de 2020 se juntaram aos 1,7 milhões de pobres do ano anterior, atingindo quase 1,9 milhões de pobres e um nível de pobreza de 18,4%, segundo os dados apresentados pelo INE – Instituto Nacional de Estatística – no fim do ano passado.

Este foi um ponto assinalado pelo professor e investigador na área de Pobreza e Desigualdades, Carlos farinha Rodrigues, na conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, subordinada ao tema “Pobres, Pobreza e Desigualdades”.

Farinha Rodrigues frisou que os efeitos da crise foram profundamente assimétricos, não apenas ao nível sanitário, mas também do ponto de vista socioeconómico. “Os expressivos agravamentos da pobreza, privação, exclusão social e desigualdade social revelam a situação de fragilidade de uma larga percentagem da população portuguesa e a menor capacidade da economia e das políticas públicas para enfrentar uma crise profunda como a que vivemos”.

No entanto, para o especialista, a questão central é saber se a crise pandémica e as medidas que foi necessário adotar, representam uma efetiva inversão de tendência ou se é apenas um ponto de paragem do caminho que poderá ser retomado no futuro. “Claro que a resposta irá depender da evolução da pandemia e da qualidade das políticas públicas para assegurarem uma recuperação económica inclusiva no período pós-pandemia que permitam não somente recuperar a economia, mas igualmente evitar erros do passado em termos do modelo de proteção social, garantindo a todos a efetiva concretização dos seus direitos”.

O economista Carlos Farinha Rodrigues deixa ainda um alerta:” esta crise deixa um lastro que nos vai acompanhar durante muitos anos, principalmente no sistrema de ensino”. E explica que o facto das crianças e jovens terem estado afastadas do sistema escolar por tão longos períodos em 2020 e 2021 vai ter impacto na igualdade de oportunidades e que mais cedo ou mais tarde se traduzirão num agravamento das desigualdades económicas e no potenciar de fatores acrescidos de pobreza e exclusão social.

Por isso considera que “esta crise mostrou bem a necessidade de um Estado Social mais forte, abrangente e eficaz”. Defendeu a implementação de uma Estratégia Nacional de Combate à Pobreza que tem que começar com o combate à pobreza infantil, com uma taxa mais elevada do que a da população em geral, mesmo antes da pandemia.

Para Farinha Rodrigues, a crise é também uma janela de oportunidades que só dependem da vontade política. Espera por isso que os decisores tenham capacidade de tirar lições e usar os ensinamentos da crise para criar um sistema mais eficiente, eficaz e resiliente no apoio à população, especialmente às pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade social.
Combate à pobreza não se faz só com dinheiro e precisa de monitorização dos resultados

Joana Silva, professora da Universidade Católica Portuguesa diz acreditar no poder de combater a pobreza. E para o fazer aponta três fatores decisivos: diagnóstico das causas, estabelecimento de complementaridade entre políticas e finalmente, a monitorização do impacto.

A docente, especialista em desenvolvimento económico e economia do trabalho, chamou a atenção para o crescimento negativo do salário médio em Portugal nos últimos anos. E o para o facto de um terço dos pobres terem emprego, “o que desmistifica a ideia de que os pobres são pobres por escolha”.

Joana Silva referiu ainda o local onde cada um nasce, o meio socioeconómico e a inserção no mercado de trabalho como determinantes do seu futuro. Manifestou também preocupação com a pobreza infantil, mas especialmente dos jovens entre os 14 e 17 anos, que é mais alta.

Considera também importante ver como são redistribuídas as transferências sociais. No caso da resposta à pandemia, o governo adotou políticas fortes, mas centraram-se especialmente nos trabalhadores que estavam no mercado “formal” de trabalho. Os que dependiam do trabalho informal não tiveram uma resposta tão rápida nem ao mesmo nível.

Joana Silva fez questão de deixar uma informação específica do sobre o RSI – Rendimento Social de Inserção: “corresponde a 018% do PIB, um programa muito importante que abrange cerca de 200 mil pessoas. E se pensarem que 18,4% da população está em situação de pobreza, mostra que são muitos mais que 200 mil. Portanto, há muito a fazer”.

Para Joana Silva a redução das desigualdades pode ser feita através de impostos progressivos, acesso mais facilitado a serviços básicos, nomeadamente de educação e saúde, transferências sociais bem dirigidas e consolidação de políticas sociais.

O combate à pobreza, por seu turno, depende de estímulos à recuperação económica e ao crescimento mas também com politicas que deem prioridade à infância (com acesso a vagas de qualidade para os mais pobres, que vai além das vagas subsidiadas); às crianças, com mudança de foco e reforço dos apoios específicos aos mais desfavorecidos; aos jovens, com prevenção do abandono escolar através de transferências monetárias condicionadas para os mais pobres; e no caso dos adultos, assegurar a cobertura do rendimento mínimo, usando essa transferência com porta de entrada a apoios complementares como formação profissional, ajuda na procura de emprego, apoio ao empreendedorismo ou com creches onde deixar os filhos.

Para o docente da Universidade Católica, “para reduzir a pobreza, não basta gastar e é preciso monitorizar de forma diferente”. Por vezes, a taxa de falha é muito alta, o que considera normal porque faz parte do progresso. Mas frisa que quando se estabelece uma política é preciso pensar realmente para o que serve e ver se serviu para o que se queria.

“Fico muito contente se souber que uma política que é de transferências monetárias para os pobres, quem a recebeu foram os pobres. Mas também quero saber o que aconteceu à vida deles, quem conseguiu sair da pobreza, entre as pessoas que fizeram formação profissional acoplado às transferências, quais as que encontraram emprego na área em que foram treinadas. E sempre a focarmo-nos no impacto”.
A importância de informação de quem está no terreno

As instituições que estão terreno conhecem bem a realidade e podem ser boas fontes de informação para quem decide. É o caso de organizações como a Cáritas, com uma rede em todas as dioceses do país e que tem estado, desde o primeiro momento da pandemia a ajudar quem mais precisa com apoio de continuidade, nomeadamente ajuda alimentar e apoios financeiros pontuais para despesas essenciais urgentes.

Rita Valadas, da Cáritas Nacional frisa que “houve um forte crescimento de famílias em situação de privação imediata”. Na conferência, fez questão de deixar oito alertas para a proteção social, nomeadamente a existência de vulnerabilidades cruzadas; a intensificação das privações; o direito (por cumprir) à habitação; o desencontro entre o rendimento e custo de vida; o risco laboral crescente da precariedade, trabalho sazonal e economia não declarada; a política de saúde mental (em modo de espera) e necessidade de afinação de respostas sociais.

Também a Irmã Maria José Gonçalves está no terreno. As Escravas do Sagrado Coração de Jesus trabalham com a população do Bairro da Fonte da Prata, no concelho da Moita. Um bairro multicultural, que não é de habitação social, com 900 casas e cerca de mil crianças.

Neste momento, a organização dá apoio à inserção social, com cerca de 2.500 atendimentos/ano; dá apoio diário no horário pós-escolar a cerca de crianças e jovens e apoio alimentar a 70 famílias, com a ajuda de voluntários e do Instituto de Segurança Social.

A Irmã Maria José Gonçalves sublinha também o empenho da autarquia e a mobilização da sociedade civil. E dá o exemplo de uma política social que teve forte impacto para as famílias do bairro: a redução do preço dos passes sociais. “Antes havia quem gastassem mais de 120euros/mês para se deslocara para o trabalho, o que é muito para quem ganha o salário mínimo ou pouco mais. Teve um efeito imediato no seu rendimento e ajuda-as a cobrir outras despesas, nomeadamente com a habitação. E lembra que há seis anos, quando chegou á Fonte da Prata, as rendas de casa rondavam os 200-250 euros e agora não há nada abaixo de 450-500 e até 600 euros”.

Na Conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz participou também o bispo D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e D. José Traquina, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Urbana.

7.4.21

Manutenção e criação de empregos: a chave para o combate à pobreza e desigualdade no pós-pandemia

in RR

Na semana em que a Renascença completa 84 anos, olhamos para várias áreas da sociedade procurando perceber os novos caminhos que, como sociedade, estamos a percorrer.

Cada vez se evidencia mais como a crise económica devida à pandemia da Covid-19 não atinge todos por igual. Para além do grande incremento das colossais fortunas dos gigantes das tecnologias de comunicação, alguns factos mais próximos de nós devem ser salientados a esse respeito.

Uma explicação para que os impostos sobre os rendimentos do trabalho não tenham caído como seria de esperar será a de que as quebras desses rendimentos atingiram sobretudo os mais pobres, os que não pagam impostos ou que pagam menos. E entre estes conta-se quem não pode recorrer ao teletrabalho. Entre trabalhadores do setor público, sem quaisquer quebras de rendimentos, e muitos do setor privado ou pequenos empresários, a diferença também é notória. Li há tempos uma peça jornalística com conselhos sobre a aplicação de poupanças que para alguns (sem quebras de rendimentos e com despesas reduzidas, como as de transportes) trouxe a pandemia. Entretanto, os sucessivos confinamentos (depois de se ter afirmado que o país não aguentaria a repetição do primeiro) vão atingindo invariavelmente as mesmas categorias profissionais. A pandemia, pelos vistos, agravou desigualdades já existentes e originou novas desigualdades.

Diante desta situação, parece-me de salientar, por um lado, o que afirmaram os bispos portugueses na sua reflexão intitulada Recomeçar e Reconstruir, sobre a sociedade a reconstruir depois desta pandemia. Salienta tal documento que a amplitude da crise originada pela pandemia tem feito redescobrir a importância do papel do Estado no que diz respeito aos apoios sociais e ao relançamento da economia, algo que condiz com a doutrina social da Igreja se for também observado o princípio da subsidiariedade (isto é, que a iniciativa do Estado não absorva, mas complete, supletivamente, as iniciativas da sociedade civil). Cabe, pois, ao Estado fazer do combate à pobreza e à desigualdade uma prioridade que supera muitos outros dos seus objetivos. Tal prioridade não significa um aumento da dívida pública, que sempre terá de ser paga pelos vindouros, mas um critério decisivo de seleção de despesas e receitas.

Mas salienta também esse documento, na linha desse princípio da subsidiariedade: «… convirá não cair na ilusão de que do Estado se pode esperar a superação da crise sem o contributo da iniciativa e criatividade da sociedade civil, quer no plano dos apoios sociais, quer do relançamento da economia. Seria uma forma de desresponsabilização da sociedade civil esperar passivamente pela intervenção do Estado em todos os domínios.»

Quanto aos apoios sociais imediatos, afirma ainda esse documento que é exigido um esforço acrescido da sociedade civil que não tem paralelo na nossa história recente: «Não bastam ajudas esporádicas e ocasionais, movidas por emoções momentâneas. São necessárias ajudas, em dinheiro, bens ou trabalho voluntário, que sejam contínuas, consistentes e impliquem até renúncias significativas.»

Vem-me à mente, a este propósito, uma iniciativa que surgiu na minha paróquia e que se está a estender a outras paróquias vizinhas: várias pessoas (são já mais de duas centenas) confecionam regularmente refeições para distribuir por famílias que delas necessitam e que são selecionadas pela junta de freguesia com salvaguarda da privacidade destas. Tenho acompanhado a iniciativa e é comovente ver como cada cozinheira/o confeciona tais refeições com o mesmo esmero e a mesma qualidade com que o faz para a sua própria família.

Essas situações de carência não param de aumentar e não se prevê que diminuam nos tempos mais próximos. Mas é óbvio que não podemos aceitar que esta situação se prolongue indefinidamente.

É que, como afirma o Papa Francisco na encíclica "Fratelli Tutti", ajudas como esta ou subsídios estatais devem ser sempre «um remédio provisório para enfrentar emergências», porque o objetivo é o de conseguir uma vida digna através do trabalho, pois o «trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável do mundo e, finalmente, viver como povo» (n. 162).

É este objetivo, de combate à pobreza e à desigualdade através da manutenção e criação de empregos, que, nesta fase de pós-pandemia, deverá mobilizar a todos, Estado e sociedade civil, trabalhadores e empresários, num esforço acrescido de unidade e conjugação de esforços que, também ele, deverá ser sem paralelo na história recente.

Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz

3.3.21

Quem dá trabalho a um cidadão cigano?

Ângela Roque, in RR

Pergunta é deixada pela Comissão Nacional Justiça e Paz, que alerta para a situação de “pobreza extrema” em que muitos ciganos estão a viver. Organismo católico lamenta estereótipos e preconceitos, muitas vezes incentivados por quem tem responsabilidades públicas.

A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) denuncia, nesta terça-feira, as condições de miséria em que continuam a viver muitas comunidades ciganas em Portugal. “Sabe-se que um número significativo, aproximadamente metade, permanece numa situação de pobreza extrema e exclusão”, indica o comunicado divulgado por este organismo da Igreja católica.

Apesar de reconhecer que a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas já teve “alguns impactos positivos”, a CNJP considera que é preciso reforçar a “implementação das políticas públicas de inclusão social”, nomeadamente “nas áreas da habitação, da educação e do emprego”. Políticas que, apesar de se destinarem a todos, “tardam a ser integralmente aplicadas a este grupo de cidadãos. Basta pensar em decisões institucionais que permitiram que o direito à educação das meninas ciganas não se realizasse em nome da ‘identidade cultural’”, recorda o comunicado.

Maria do Rosário Carneiro, vice-presidente da CNJP, diz à Renascença que a situação é preocupante e que, apesar do esforço que tem havido ao nível das políticas públicas, o preconceito é generalizado, como se vê na hora de dar trabalho.

“Na nota que hoje emitimos perguntamos: quem é capaz de afirmar, em boa verdade, que dará trabalho a um cidadão cigano? E este é um dos grandes dramas, porque frequentam cursos de formação profissional e depois não encontram trabalho. E sem trabalho, como é que alguém pode ser autónomo?”, interroga-se a responsável, para quem há muito a fazer em termos coletivos, “um trabalho de todos nós, não ciganos e ciganos, de remoção desta forma cristalizada e estereotipada com que nos olhamos”.

“Temos de nos olhar como iguais, na total dignidade humana, e este é um trabalho que tem de ser feito e promovido, naturalmente por quem tem mais responsabilidade, que são as instâncias políticas”, defende a vice-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz e antiga deputada.
Há “preconceito” e é alimentado pelo “desconhecimento”

Na nota divulgada nesta terça-feira, a CNJP lamenta que a população cigana em Portugal continue “refém de estereotipias e preconceitos”, e que a discriminação de que continua a ser alvo seja muitas vezes incentivada por quem tem responsabilidades públicas, com posições que só revelam “desconhecimento”.

E exemplifica: “classificar um grupo de pessoas, globalmente, como subsídio-dependentes, parasitas que não querem trabalhar, é injusto e infundado, revela desconhecimento acerca de uma realidade que é múltipla, complexa e diversificada, que permanece fechada num quase gueto de isolamento e discriminação”, lê-se.

Maria do Rosário Carneiro não esconde que a crítica se dirige a quem, no plano político, mais tem atacado a comunidade cigana, como o líder do Chega, com um discurso “discriminatório, inaceitável, sobretudo porque faz generalizações que nem sequer são assentes em pressupostos reais”.

“É um discurso que assenta no preconceito, e alimenta o preconceito. Diria mesmo que é esta estereotipia cristalizada, fortemente arreigada nas comunidades, que leva ao insucesso das práticas e ações decorrentes das políticas públicas”. Dá como exemplo o Rendimento Social de Inserção.

“O RSI não é um subsídio, é um instrumento poderoso de inclusão, de combate à pobreza, porque é contratualizador. Da atribuição do RSI resulta um contrato entre o Estado e os cidadãos, promotor do seu desenvolvimento e da sua inclusão, através da procura de trabalho, e da frequência da escola, dos serviços de saúde”, refere, sublinhando que a população cigana esbarra muitas vezes no preconceito, não arranjando trabalho.

A nota divulgada pela CNJP recorda que, em outubro de 2020, a União Europeia aprovou um novo quadro estratégico (2020/2030) para a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos assente em sete domínios principais: igualdade, inclusão, participação, educação, emprego, saúde e habitação.

A Comissão apela, ainda, ao reconhecimento e implementação do conceito de “cidadania plena” que o Papa Francisco tem sublinhado, desde a declaração sobre a Fraternidade Humana (fevereiro 2019), assinada em Abu Dhabi, à encíclica ‘Fratelli Tutti’ (outubro de 2020), lembrando que este é um conceito “inclusivo”, que “recusa estigmas e práticas discriminatórias e excludentes, que exige o conhecimento de cada parte e a sua aproximação, que é promotor da igualdade e da justiça”.



28.7.20

Comissão Nacional Justiça e Paz alerta para impacto da pandemia nos mais velhos


A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), organismo da Igreja Católica em Portugal, alertou hoje para o impacto da pandemia nos mais velhos, questionando a forma como a sociedade trata os idosos.

“Estes tempos alertam-nos para o facto de termos de refletir seriamente sobre as condições de vida e de participação dos mais velhos. Sobre o que é ser ‘mais velho’”, assinala a nota, enviada à Agência ECCLESIA.

O organismo de leigos católicos cita o Papa Francisco para falar de uma “cultura do descarte” dos mais idosos, particularmente visível na crise provocada pela Covid-19, nomeadamente naqueles que “estão ‘confinados’ em lares, impedidos, face aos riscos de contaminação, de receber visitas dos seus familiares”.

“Temos de pensar em alternativas e já há conhecimento de experiências bem interessantes que vão sendo postas em prática um pouco por todo o mundo. Soluções mais humanizadas de combate ao isolamento que, numa perspetiva intergeracional, permitem que jovens estudantes, a troco de alojamento, acompanhem os mais velhos que assim permanecem na sua casa”, assinala a CNJP.

Outras alternativas são a construção de unidades residenciais autónomas e soluções mais integradoras na vida ativa, “pela diversificação de postos de trabalho e de novas áreas e perfis funcionais, pelo desdobramento de horários de trabalho”.

Os mais velhos são muito diversos e as políticas públicas têm de o contemplar. Desde a garantia de um número suficiente de unidades de cuidados continuados e paliativos que garantam um final de vida digno para os mais velhos, a reformas/pensões suficientes e justas que permitam autonomia de vida, a modelos concretos organizativos que possibilitem a sua participação”.

A CNJP destaca que os mais velhos são as principais vítimas da Covid-19 e ficaram “ainda mais sós, portanto”.

“Os velhos não são para ‘deitar fora’ porque já não são úteis na denominada vida ativa. Os velhos ‘nascem dentro de si e no coração de Deus’. Os mandamentos alertam-nos para que devemos ‘honrar pai e mãe’, temos o dever de proteção”, aponta a nota.

Para o organismo católicos, os idoso não podem ser meros “utentes” de instituições, impedidos de “participar e contribuir para o bem-estar da sociedade a que pertencem”.

O documento recorre à mais recente classificação etária da OMS (Organização Mundial da Saúde), na qual se apresenta uma nova abordagem à 3ª idade, considerando a fase dos 66-79 como “meia idade” – os idosos são aqueles que se situam entre 80 e os 99 anos.



“A referida ‘meia idade’ é uma idade bem ativa e que, infelizmente, tem sido ignorada. Muitas pessoas desta idade continuam ativas nos diversos sectores da sociedade (que lhes são consentidos), nomeadamente em importantes atividades de voluntariado”, pode ler-se.

“É urgente pensarmos nesta ordem de questões e encontrar alternativas. Para que um dia o nosso coração culpabilizado não se sobressalte”, acrescenta a nota.

Portugal contabiliza 1717 mortes associadas à Covid-19 e 50 164 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS).

OC