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30.5.23

“É preciso travar o círculo vicioso da pobreza infantil”, alerta Rede Europeia

Henrique Cunha, in RR

Em 2020 “o risco de pobreza nos menores de 18 anos era de 20,4%, ou seja, uma em cada quatro criança eram pobres”.

Na contagem decrescente para a celebração do Dia Mundial da Criança, a Rede Europeia de Luta contra a Pobreza (EAPN) alerta para a necessidade de se investir “na prevenção ao nível da saúde e da educação”.

Em entrevista à Renascença, Fátima Veiga, sociologia e responsável pelo gabinete de investigação e projetos da EAPN admite que os indicadores deste ano em relação à pobreza infantil “possam ser mais negativos por força da pandemia, e da crise financeira”.

De acordo com esta especialista na área da pobreza infantil, em 2020 “o risco de pobreza nos menores de 18 anos era de 20,4%, ou seja, uma em cada quatro criança eram pobres”. Os números baixaram em 2021 para os 18,5%, mas a descida "muito provavelmente tem a ver com os apoios que o Estado foi realizando junto das famílias por via sobretudo do abono de família".

Fátima Veiga diz que a redução “não é significativa” e que ocorre “num período que não envolve ainda a guerra, a crise inflacionária e os aumentos do custo da energia e dos bens alimentares”. Neste contexto, Fátima Veiga admite que "os dados deste ano serão provavelmente piores".

A especialista em pobreza infantil defende que é necessário “investir na prevenção ao nível da saúde e da educação, e numa política de distribuição de rendimentos mais igualitária porque a pandemia provou-nos que as crianças nas escolas não estão todas ao mesmo nível”. “Até podem ter um computador, mas podem não ter luz em casa, ou um quarto para estudar ou uma divisão sem barulho”, esclarece.

Fátima Veiga sublinha que todas estas diferenças são prejudiciais “ao normal desenvolvimento da criança”, pelo que é decisivo “apostar em políticas que possam travar o círculo da pobreza”.

22.12.22

"Há uma classe média que está quase no limiar" de pobreza, alerta Francisco Assis

Carla Fino, Carla Caixinha, in RR

O presidente do Conselho Económico e Social (CES) diz ser preciso olhar para os mais desfavorecidos, mas deixa vários alertas.

“Vamos ter um ano complexo.” Francisco Assis defende ser preciso encontrar um equilíbrio económico para fomentar políticas anti-inflacionistas, para não se correr o risco de agravar a pobreza no país.

À Renascença, o presidente do Conselho Económico e Social (CES) diz ser preciso olhar para os mais desfavorecidos, mas deixa um alerta: a classe média corre o risco de empobrecer ainda mais.

“Os setores mais desfavorecidos em Portugal não se limitam àqueles que estão numa situação de pobreza em termos de indicadores estatísticos. Há uma classe média que está quase no limiar e se não houver uma preocupação de atender às necessidades deste segmento corremos alguns riscos de uma parte dessa população cair também em situações de pobreza.”

O presidente do CES não tem dúvidas em afirmar que a crise em Portugal é uma situação agravada pela guerra na Ucrânia. Por isso, avisa que é urgente definir políticas anti-inflacionistas, para não se correr o risco de agravar a pobreza no país.

“Estamos confrontados com uma gravíssima crise que decorre em grande parte da guerra e estamos com uma inflação elevada…e se não calibramos adequadamente as políticas anti-inflacionistas corremos algum risco de criar aumentar substancialmente as situações de pobreza no país”, defende.

A questão da pobreza no país levou o CES a elaborar um relatório sobre a questão. Os resultados serão conhecidos na próxima reunião de Concertação Social.

“Temos indicadores muitos claros e na próxima reunião, que vai decorrer no dia 12 de dezembro, vou levar tema a discussão para os conselheiros do CES tomem conhecimento da realidade atual para depois se debater o assunto”, avança.

Localização do novo aeroporto com impacto nacional

O Conselho Económico e Social (CES) promove, esta terça-feira em conjunto com o jornal Público, uma conferência para analisar o novo aeroporto para Lisboa. Um debate que conta com várias abordagens da sociedade, numa altura em que o Governo promete uma decisão final sobre a localização no próximo ano...

Para Francisco Assis este é um tema que tem obrigatoriamente de ser discutido por todos, até porque tem um impacto não só para a região de Lisboa, mas para todo o país.

“É um assunto muito importante que não se pode esgotar nem na vida partidária, nem na vida parlamentar. É um assunto que tem de ser discutido pelo conjunto da sociedade portuguesa, pois é algo que interessa a todo o país, pois a localização do aeroporto tem um verdadeiro impacto nacional”, explica.

20.7.22

Crise alimentar: há "esperança" para um acordo Rússia-Ucrânia

Alice Tidey, in Euronews

A União Europeia (UE) tem esperança de que se possa alcançar, esta semana, um acordo entre a Ucrânia e a Rússia sobre as exportações de cereais.

Negociadores dos dois países reuniram-se na semana passada em Istambul, na Turquia, ao lado de representantes da ONU para chegar a um acordo que permita a exportação de milhões de toneladas de cereais ucranianos atualmente presos nos portos do Mar Negro.

Esta semana deverão voltar a encontrar-se na Turquia.

Para o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, "este pode ser o desafio mais importante que a comunidade internacional tem pela frente. O mais preocupante é a falta de alimentos em muitos países do mundo."

O bloco de 27 Estados-membros e os seus parceiros ocidentais acusaram Moscovo de usar os alimentos como arma de guerra e de atacar deliberadamente infraestruturas agrícolas da Ucrânia.

Quer a Ucrânia quer a Rússia acusam-se mutuamente de minar o Mar Negro para impedir que lado rival lance ataques anfíbios, o que contribuiu largamente para a interrupção das exportações, já que a grande maioria dos cereais ucranianos era exportada, anteriormente, através do Mar Negro.

Borrell, que falou a jornalistas antes de uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE em Bruxelas, disse que o bloco está "a fazer todos os possíveis para apoiar o fluxo desses cereais de outras maneiras, através de vias solidárias, através do Mar Negro para a Roménia, Bulgária."

Mas acrescentou que "isso não é suficiente."

"Então espero que esta semana seja possível chegar a um acordo para desbloquear Odessa e outros portos ucranianos. A vida de mil - mais de mil -, de dezenas de milhares de pessoas depende desse acordo. Então não é um jogo diplomático. É uma questão de vida ou de morte para muitos seres humanos."

"A Rússia tem de desbloquear e permitir que os cereais ucranianos sejam exportados. Caso contrário, teríamos de continuar a alegar que estão a usar os alimentos comida como arma, sem qualquer tipo de consideração pela vida dos seres humanos. Isso tem de se dizer alto e bom som", insistiu.

5.7.22

Crise alimentar provocou subnutrição grave a "uma criança a cada minuto"

in TSF

A UNICEF aponta a "guerra na Ucrânia e alterações climáticas" como principais responsáveis devido à "escalada no preço dos alimentos e dos tratamentos terapêuticos".

A crise alimentar mundial já provocou subnutrição grave a mais de 260 mil crianças desde o início deste ano, o que se traduz em "uma criança a cada minuto que passa", revelou esta quinta-feira a UNICEF.

O Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aponta a "guerra na Ucrânia e alterações climáticas" como principais responsáveis devido à "escalada no preço dos alimentos e dos tratamentos terapêuticos".

"Desde o início do ano, a escalada da crise alimentar global levou a que 260 mil crianças adicionais viessem a sofrer perda de peso severa em 15 países afetados pelo impacto desta crise de forma particular, inclusive no Corno de África e na região do Sahel", especificou a organização, em comunicado.

Além disso, alerta a UNICEF, "o aumento dos preços dos alimentos" devido à guerra, "os cortes orçamentais provocados pela pandemia de covid-19 (RTUTF)" e também "a seca extrema em muitos países fizeram disparar a necessidade de Alimento Terapêutico Pronto a Usar", cujo custo deverá sofrer um "aumento de 16% nos próximos seis meses".

15.6.22

Com milhões de pessoas afectadas, líderes da ONU querem medidas na OMC contra a crise alimentar

in Expresso das Ilhas

As responsáveis das Nações Unidas Rebeca Grynspan e Michelle Bachelet defenderam hoje um acordo na Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) para evitar que a guerra na Ucrânia agrave a crise alimentar para milhões de pessoas.

Numa carta aberta, a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e secretária-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Rebeca Grynspan, escrevem que as negociações que decorrem esta semana em Genebra devem conduzir a um acordo que possa melhorar a escassez de alimentos que milhões de pessoas enfrentam nos países mais pobres, nomeadamente africanos.

Citada pela agência Efe, a carta aberta defende que deve ser acordado o fim das restrições à exportação de alimentos para os países menos desenvolvidos e aos importadores líquidos da cesta básica, e reclamam também apoio financeiro e técnico para que esses países possam tomar medidas de proteção social para evitar um agravamento da crise alimentar.

O objectivo, defendem, é “abrir caminho para o fortalecimento do sistema multilateral da agricultura”.

No texto, também se mostram esperançadas que a OMC garanta a obrigação de não impor restrições às exportações com fins humanitários para o Programa Alimentar Mundial, algo a que 80 países se comprometeram em 2021 mas que se tornou uma questão urgente este ano devido à invasão da Ucrânia pela Rússia, que cortou o fornecimento de cereais a vários países africanos dependentes, o que causou ou agravou uma crise alimentar.

A guerra “aumentou a escassez de alimentos e a fome para dezenas de milhões de pessoas”, lê-se na carta aberta de Grynspan e Bachelet, que recordam que os países africanos são obrigados a importar cerca de 80% dos seus alimentos e 92% dos cereais a economias de outros continentes.

A Rússia e a Ucrânia concentram cerca de 25% das exportações de trigo e uns 15% das exportações de cevada, entre outros produtos básicos, pelo que a guerra entre os dois países, em conjunto com as sanções e o bloqueio marítimo russo no Mar Negro, agravou a crise alimentar mundial que começou durante a pandemia de covid-19.

A organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que os preços do trigo tenham aumentado cerca de 56% num ano, com os óleos vegetais a subirem 45% e os fertilizantes, outro produto muito exportado por estes dois países e fundamental para os países africanos, aumentaram 128%.

8.6.22

A crise da fome global está aí

Seta Tutundjian, in DN

Os preços globais dos alimentos estão a subir. O Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação - que cobre um cesto de alimentos básicos (cereais, carnes, laticínios, óleos vegetais e açúcar) - atingiu uma alta histórica de 159,7 em março, face a 141,1 no mês anterior. Embora tenha baixado ligeiramente em abril, para 158,5, a situação atual - como a guerra da Rússia na Ucrânia - devem continuar a elevar os preços para novos máximos, com implicações devastadoras para a fome global.

A pandemia de covid-19 expôs a fragilidade e a disfuncionalidade dos sistemas alimentares do mundo, com restrições de movimento e interrupções na cadeia de abastecimentos fazendo subir os preços, prejudicando os meios de subsistência rurais e exacerbando a insegurança alimentar, especialmente para os pobres. Agora, a guerra na Ucrânia está a agravar esses desafios, porque ambos os lados são grandes exportadores de alimentos, combustível e fertilizantes.

Além disso, as alterações climáticas representam uma ameaça ainda maior à segurança alimentar global. O clima extremo, como ondas de calor, inundações e secas prolongadas, já provocou choques na produção agrícola e na disponibilidade de alimentos. À medida que as temperaturas aumentam, esses choques tornar-se-ão cada vez mais frequentes e poderosos. Se o aquecimento global ultrapassar o limite de 1,5° Celsius (em relação à temperatura pré-industrial da Terra), eles tornar-se-ão provavelmente catastróficos.

Como mostra o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, evitar o limite exigirá uma ação imediata e drástica. Mas a mitigação é apenas parte do desafio. Também serão necessários investimentos em larga escala na adaptação para proteger comunidades vulneráveis do aquecimento que já está em curso.

A pobreza e a fome podem levar os agricultores a utilizar em demasia os frágeis recursos ambientais para garantir a sua sobrevivência a curto prazo.

Mesmo sob o cenário de mitigação mais otimista, espera-se que o aquecimento global atinja o limite de 1,5°C numa década, antes de retroceder. Isso resultará em mudanças nas zonas climáticas, subida do nível do mar e interrupções no ciclo da água que aumentam a frequência e a intensidade do clima extremo. Além de aumentar os riscos económicos e de saúde, as interrupções resultantes no abastecimento de alimentos e água provavelmente causarão convulsões sociais e políticas, alimentando um ciclo vicioso de pobreza, fome, instabilidade e até conflito, acompanhado por um aumento acentuado da migração.

Um sistema alimentar mais resiliente, sustentável e equitativo deve ser um pilar de qualquer agenda de mitigação ou adaptação climática. Mas as barreiras para a construção de tal sistema não devem ser subestimadas, especialmente para países e regiões onde o solo é pobre, a terra tem pouco valor agrícola, outros recursos naturais, como a água, são limitados ou degradados e as condições socioeconómicas são difíceis.

Dada a baixa produtividade das suas terras agrícolas, esses ambientes marginais são incapazes de suportar a produção sustentável de alimentos suficientes para atender às necessidades nutricionais da população local. De facto, enquanto os ambientes marginais abrigam menos de 25% da população global - cerca de 1,7 mil milhões de pessoas - eles representam 70% dos pobres do mundo e a maioria dos desnutridos.

A pobreza e a fome podem levar os agricultores a utilizar em demasia os frágeis recursos ambientais para garantir a sua sobrevivência a curto prazo, mesmo à custa do esgotamento a longo prazo das suas terras e do empobrecimento das suas famílias e comunidades. Aqueles que vivem em áreas remotas com infraestruturas mínimas, poucas oportunidades económicas alternativas e acesso limitado ao mercado são particularmente propensos a fazer essas escolhas.

Assim, os países com terras marginais significativas dependem da importação de alimentos - em alguns casos para mais de 80% das suas necessidades. Mas as interrupções relacionadas com a pandemia e a guerra, juntamente com os aumentos de preços que aquelas provocaram, mostraram o quão vulneráveis são esses países. De acordo com o relatório sobre a Situação da Alimentação e Agricultura 2021 da FAO, mais 161 milhões de pessoas foram afetadas pela fome em 2020, em comparação com 2019. E o Programa Alimentar Mundial está a alertar agora que a combinação de conflito, covid, crise climática e aumento de custos levou 44 milhões de pessoas em 38 países até à beira da fome.

Com os países a lutarem para garantir alimentos suficientes para atender às necessidades nutricionais das suas populações, muitos estão agora a reavaliar as suas dependências alimentares e a procurar expandir a produção local. Mas, a menos que a sustentabilidade seja levada em consideração, os esforços para aumentar a resiliência de curto prazo, encurtando as cadeias de abastecimentos, podem minar a resiliência de médio e longo prazo, esgotando ainda mais os recursos agrícolas, como solo e água.

5.9.12

Alimentos: Nações Unidas defendem intervenção nos preços

in Agência Financeira

Há receios de que crise alimentar de 2007-2008 se possa repetir

As três agências das Nações Unidas responsáveis pelas questões alimentares apelaram esta terça-feira para uma intervenção internacional «rápida e coordenada» que impeça a repetição da crise alimentar de 2008, numa altura em que os preços dos alimentos continuam a subir.

Num comunicado comum, o diretor-geral da organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, o presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Kanayo F. Nwanze, e a diretora executiva do Programa Alimentar Mundial (PAM), Ertharin Cousin, apelam ainda para «o combate às causas profundas do aumento do preço dos alimentos».

«A situação nos mercados globais de alimentos, caraterizada por um forte aumento dos preços do trigo, milho e soja, provocou receios de uma repetição da crise alimentar de 2007-2008. Uma resposta rápida e coordenada à escala internacional pode evitar a sua repetição», consideraram os três responsáveis, citados pela Lusa.

Trata-se de «agir prontamente para assegurar que esses choques de preços não levem a uma catástrofe que venha a afligir dezenas de milhões de pessoas ao longo dos próximos meses», advertiram.

A FAO, PAM e FIDA, consideram que «os preços elevados dos alimentos são um sintoma, não a doença» e defendem que a comunidade internacional «deve tomar medidas preventivas para evitar aumentos excessivos, fazendo uma intervenção ao nível das causas profundas que estão na origem do aumento dos preços».

Os responsáveis defendem a «produção sustentável nos países pobres importadores de alimentos, que geralmente têm um enorme potencial para o aumento da produção».

«Tal permitiria abastecer os mercados locais e criar empregos e receitas, particularmente nas zonas rurais onde vivem 70 por cento dos pobres do planeta», consideraram.

«Devemos abordar também o problema do desperdício e da perda de um terço dos alimentos produzidos no mundo devido a alterações, deterioração ou outras causas», acrescentaram.

As três agências defendem ainda uma «dupla abordagem» com o objetivo de apoiar os investimentos a longo prazo na agricultura, nomeadamente dos pequenos agricultores, garantindo ao mesmo tempo o estabelecimento de redes de segurança para produtores e consumidores pobres que evitem situações de fome e pobreza a curto prazo.

As organizações apontam ainda algumas medidas a evitar: «os países devem abster-se de fazer compras impulsionadas pelo pânico e pelas restrições às exportações, que apesar de ajudarem temporariamente alguns consumidores, se revelam ineficazes e dificultam a vida a todos os outros».

«A crescente conversão de culturas de alimentos em biocombustíveis e a especulação financeira desempenharam um papel no aumento e na volatilidade dos preços», denunciam ainda as organizações das Nações Unidas, renovando uma recomendação da reunião do G20 de 2011 em Paris, que vai no sentido de que as autorizações para a produção de biocombustíveis sejam ajustadas quando o abastecimento de alimentos esteja ameaçado.

15.2.12

"A crise alimentar de 2008 não vai repetir-se no mundo"

Por Ana Rute Silva, in Público on-line

Ann Berg nunca tinha estado em Lisboa, mas, a convite da Associação Nacional de Produtores de Milho e Sorgo, falou, esta semana, para a plateia de 500 agricultores sobre o mercado de futuros e a volatilidade dos preços, durante o VII Congresso do Milho.

Numa altura em que as medidas de austeridade arriscam provocar uma descida do valor dos alimentos e um "êxodo da agricultura", a consultora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e antiga corretora da Bolsa de Chicago, critica os movimentos especulativos e a falta de "transparência" em algumas transacções. Sem arriscar previsões para este ano, Berg defende que um cenário como o da grave crise alimentar de 2008, que fez disparar os preços do arroz e do milho em 170 e 140%, respectivamente, não deverá repetir-se.

Em 2011, os preços dos alimentos tiveram um movimento de subida constante. A tendência vai manter-se este ano?
Neste momento os preços dos cereais estão estáveis. E é impossível prever o que vai acontecer porque factores que menos esperamos afectam directamente os preços. Ninguém poderia prever a crise no mundo árabe ou o tsunami [no Japão]. Os preços dispararam. Há alguns factores que têm relação directa e que podemos identificar: os relatórios sobre as colheitas, a intervenção dos Governos nas exportações e na política monetária, e motivos climáticos que ninguém pode prever.

Todos estes acontecimentos influenciam da mesma forma a oscilação dos preços?
Depende muito da localização geográfica. A seca e os incêndios na Rússia [em Agosto de 2010] tiveram um enorme impacto. Toda a região é um grande produtor de trigo e, de repente, deixou de exportar. O efeito sentiu-se na Bolsa de Chicago, nos Estados Unidos, e nos mercados globais. O preço aumentou.

A crescente procura dos mercados emergentes, sobretudo da China, também tem grande influência no preço a que os cereais são vendidos.
Imensa. A China decidiu comprar uma grande quantidade de feijão de soja, tornando-se no maior importador do mundo deste produto. Vão produzir o seu próprio trigo e milho, comprando por isso quantidades mínimas, mas vão importar 50 milhões de toneladas de soja por ano. É uma quantidade enorme. Foi uma decisão governamental. Além disso, também há uma orientação política nos biocombustíveis, que favorece a alta dos preços do milho. Estamos a falar de 130 milhões de toneladas de grãos que são direccionados para os biocombustíveis.

Nos EUA, 40% da produção de milho destina-se aos biocombustíveis, o equivalente a alimentar 600 milhões de pessoas. É um contra-senso?
Estão em causa razões políticas. É uma questão de dinheiro e o lobby dos agricultores é muito poderoso. Não estamos a falar de pessoas pobres: são ricos, donos de milhares de hectares de terra e cada hectare vale, hoje, sete mil dólares. Os incentivos dados aos agricultores para venderem os seus cereais ao biocombustível não resolvem o problema energético. A única coisa que fizeram foi aumentar o preço do milho. Voltando à sua questão sobre o que vai acontecer aos preços dos cereais este ano, assistimos às altas em 2008, mas tivemos resposta do lado da produção e mais consciência do problema. Penso que o mesmo cenário não se vai repetir.

Que consequências tem esta volatilidade dos preços para as pessoas?
Um agricultor pode decidir, de repente, semear feijões de soja em toda a propriedade. Mas se todos decidirem fazer o mesmo, os preços descem e cria-se um problema. Os mercados podem ser muito úteis para vender e comprar, mas a volatilidade traz dificuldades para os agricultores, e ainda mais para quem vive com um ou dois dólares por dia. Esta realidade não existe na Europa. Quando compramos uma carcaça por 15 cêntimos, apenas 10% desse valor equivale ao preço do trigo. Tudo o resto são custos de transporte, embalamento, entre outros. Os altos preços das commodities [mercadorias] não afectam assim tanto as sociedades ocidentais. Não se passa o mesmo na carne. Quando os preços sobem, o consumo desce.

Quem é que mais beneficia com a instabilidade de preços?
Os operadores de mercado. Com os mercados hoje totalmente informatizados, podem ser os primeiros a aproveitar uma subida de preço e fazer muito dinheiro. Não há dúvida de que estes veículos se tornaram mais especulativos.

Pensa que a existência de regulamentação, como defende a França, pode travar esta excessiva especulação?
Não, isso não vai acontecer. Os países do G20 concordaram com alguns limites, mas os lobbies dos bancos são muito poderosos, sobretudo no Reino Unido, onde não há limite para os preços, nem para as posições a comprar. Em 2010, um fundo de investimento comprou cerca de 7% da produção anual global de cacau e o preço subiu para 2800 libras por tonelada [o valor mais alto dos últimos 33 anos]. Assim que a mercadoria foi entregue, em Setembro, o preço caiu 30 a 40%. Na minha opinião, houve manipulação de mercado. Nas leis dos Estados Unidos chama-se a isso "distorção de comércio" e é ilegal.

Defende, então, que é preciso regras mais apertadas na Europa?
Penso que outros mercados deveriam adoptar a lei dos Estados Unidos, que é um modelo a seguir no que toca à transparência. Por exemplo, proíbe o armazenamento da mercadoria.

Com a crise global, tem havido uma transferência dos investidores do mercado financeiro para as commodities...
O que é que hão-de fazer? Não estão a conseguir ganhar dinheiro. As taxas de juro estão a zero.

Mas isso significa que as commodities vão assumir cada vez mais importância?
Não sei. Há duas influências opostas a ter em conta: uma são os estímulos à economia que criam mais riqueza e fazem com que os preços subam; outra é a contracção, a diminuição da procura e as medidas de austeridade. Sei que a Reserva Federal está com muito medo da deflação, que afecta não só o preço dos alimentos, mas também da habitação. Olha para a Europa e questiona se estas medidas de austeridade não vão matar a economia...

E é também a sua opinião?
Penso que as medidas de austeridade são um comprimido e tenderão a contrair a economia. Há alternativa? Não sei. Não sou economista. Mas desejaria que houvesse formas de aumentar a produtividade.

Investir na produção agrícola é uma solução?
Há uma tendência para o investimento agrícola, nomeadamente na China, e se eu fosse governante tentaria garantir o abastecimento.

Tem defendido que os cortes para travar a crise provocam uma queda nos preços das matérias-primas e, em consequência, um êxodo de agricultores e abandono dos campos. Este cenário já está a acontecer?
Já estamos a assistir a uma queda do volume transaccionado no mercado dos EUA. Os bancos de investimento já estão a prever menos lucros este ano e não vêem as mesmas oportunidades de lucro.

Mas neste momento o abastecimento de alimentos à população mundial está em níveis satisfatórios?
Os maiores problemas são as infra-estruturas e a distribuição dos alimentos. Na Índia, onde estive, as perdas durante o transporte são muitas. As estradas são más. Se conseguíssemos diminuir o desperdício, teríamos excedentes. Não tem havido esforço suficiente neste aspecto.