Teresa de Sousa e Maria João Guimarães, in Jornal Público
Bruxelas preparou uma proposta de parceria estratégica que servirá de base de discussão à cimeira de hoje
A primeira cimeira entre a União Europeia e o Brasil realiza-se hoje em Lisboa, cumprindo uma das grandes apostas do Governo para a sua presidência europeia. Luiz Inácio Lula da Silva, o Presidente do Brasil, terá a aguardá-lo em Lisboa o presidente em exercício do Conselho Europeu, José Sócrates, e o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, mas também alguns dos principais líderes europeus numa demonstração de que esta iniciativa portuguesa é uma iniciativa europeia.
Para a diplomacia portuguesa, chegar até aqui não foi um caminho fácil. Teve de convencer, primeiro, os seus parceiros europeus e, depois, o próprio Palácio do Itamaraty, chefiado pelo ministro Celso Amorim. A sua argumentação tinha, no entanto, uma lógica política que se revelou imbatível: era preciso, citando um diplomata de Lisboa, "colocar o B que faltava nos BRIC". Ou seja, não havia qualquer razão para que a União Europeia, que estabeleceu parcerias estratégicas com a Rússia, a Índia e a China, três dos quatro grandes países emergentes que estão a moldar a geopolítica mundial, excluísse o quarto.
Sócrates obteve facilmente o apoio da chanceler alemã Angela Merkel, mas houve países mais reservados quanto à sua oportunidade, numa altura em que o Brasil se apresentava com uma atitude pouco cooperativa em diversos fóruns internacionais, em especial nas negociações de Doha para a liberalização do comércio.
Mas os líderes europeus, todos eles, acabaram por ser sensíveis aos argumentos políticos: a Europa tem de apoiar uma grande democracia que tem o peso e a influência para não deixar cair a balança latino-americana para o lado de Hugo Chávez.
O apoio da Comissão foi fundamental. Bruxelas preparou já uma proposta de parceria estratégica com o Brasil que servirá de base de discussão à cimeira e à declaração comum que será assinada hoje por Lula, Sócrates e Barroso.
Ambições brasileiras
Na frente brasileira, a batalha não foi mais fácil. Foi preciso clarificar as dúvidas da diplomacia brasileira, que via na iniciativa uma ideia mais portuguesa ou, quando muito, ibérica do que europeia. Depois foi preciso ajustar a proposta às novas ambições do Brasil na cena internacional, nomeadamente à sua aspiração de liderar o chamado mundo em vias de desenvolvimento na sua relação com o mundo desenvolvido.
Fernando Henrique Cardoso, o antecessor de Lula no Planalto, valorizava mais a relação do Brasil com a União Europeia, atribuindo-lhe um dos vértices de um triângulo estratégico que incluía os EUA e as relações com a Argentina e os restantes parceiros do cone Sul do subcontinente.
Hoje, a nova diplomacia brasileira, que vê o Brasil já não apenas como um global trader, mas como um global player, tende a uma visão menos lisonjeira e menos positiva da Europa enquanto um dos principais pólos de influência mundiais. Mas a UE continua a ser o primeiro parceiro comercial do Brasil e uma das suas principais fontes de investimento estrangeiro, e o interesse brasileiro em transformar-se num grande produtor mundial de biocombustíveis coloca obrigatoriamente a União na sua rota. E se Brasília quer institucionalizar o seu estatuto de grande potência com responsabilidades regionais e mundiais, entrando um dia no Conselho de Segurança da ONU, vai continuar a precisar do apoio europeu.
Uma nova agenda global
Portugal não só aproveitou bem esta oportunidade como ensaiará na cimeira com Lula uma nova abordagem para as parcerias estratégicas da União: partir da agenda dos grandes desafios globais e procurar os pontos de interesse comum na sua gestão. Das questões energéticas às alterações climáticas, passando pelos desafios do desenvolvimento sustentado ou pela luta contra a pobreza.
Todas estas questões estarão hoje sobre a mesa da cimeira UE-Brasil, mas também as que envolvem o relacionamento regional entre a União e o Mercosul. Lula aposta forte na consolidação da liderança brasileira no Mercosul e na sua função de pólo de integração regional. As relações entre os dois blocos arrastam-se há 10 anos sem conseguir alcançar o objectivo inicial da criação de uma área de comércio livre. O Brasil responsabiliza a PAC, num braço-de-ferro idêntico àquele que já quase fez descarrilar as negociações de Doha, com os países desenvolvidos a devolverem a acusação no que diz respeito aos bens industriais e aos serviços.
O maior risco da iniciativa da presidência portuguesa é que este diálogo estratégico que agora se inicia acabe por reduzir-se a um diálogo de surdos sobre subsídios agrícolas e sobre a abertura dos mercados.