26.6.07

A imigração em números

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Relatório da OCDE sobre as Perspectivas das migrações internacionais revelado ontem mostra aumento contínuo dos fluxos

John P. Martin, da OCDE, defende a mistura certa "de migrantes seleccionados e não seleccionados"


As oportunidades no mercado de trabalho têm mais implicações no "efeito chamada" do que as regularizações de imigrantes ilegais promovidas por um qualquer país, sustenta o relatório anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). "O "efeito chamada" é o mercado de trabalho", afiançou, por sua vez, ontem, em Paris, o autor do documento sobre imigração, Jean-Pierre Garson, minimizando o facto de uma parte dos estrangeiros que moram nos países-membros da OCDE serem imigrantes ilegais.

Não é por acaso que as migrações internacionais se instalaram nas agendas de muitos dos 30 Estados- membros OCDE. Como na década de 90, os fluxos estão a crescer e os governos procuram um equilíbrio entre abertura, firmeza (demonstrativa de intolerância perante movimentos não autorizados) e integração, retratara já no relatório Perspectivas de migrações internacionais de 2006 o então director de Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais, John P. Martin, para quem o equilíbrio adequado implica "uma mistura certa de migrantes seleccionados e não seleccionados, permanentes e temporários, altamente qualificados e não qualificados; de abertura e de controlo".

No total, o conjunto de países da OCDE recebeu cerca de 4 milhões de novos imigrantes há dois anos. Entre 2004 e 2005, as migrações legais cresceram dez por cento. Os trabalhadores temporários significavam uma grande fatia (1,8 milhões).
O crescimento nota-se, sobretudo, nos Estados Unidos (mais 164,5 mil do que no ano anterior), no Reino Unido (mais 55 mil), em Espanha (mais 37 mil) e na Itália (mais 31 mil). Mas também se sente com força em países como a Irlanda, a Coreia e a Nova Zelândia.

O trabalho temporário assume particular relevância na Austrália, no Canadá, na Alemanha, no Japão, na Nova Zelândia, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Em Portugal, o movimento de entradas desceu (ver texto ao lado), enquanto a emigração produz um curva inversa.

Dentro da Europa, os fluxos migratórios revelam o grande impacte da proximidade geográfica (e da facilidade de circulação). Fora da Europa, os movimentos de saída do território nacional são bem mais diversificados: com a Ásia, a América do Sul e o Reino Unido a figurar no top+ dos fornecedores de imigrantes para a América do Norte, a Oceânia, a Japão e a Coreia. No núcleo de emissores, na última década, ganhou peso a Rússia, a Europa de Leste, a China, a América do Sul (em particular para Espanha) e a África subsariana.

A reunificação familiar permanece a mais relevante motivação na maior parte dos países da OCDE, inclusive onde o fluxo de entradas é superior ao passado. Já os pedidos de asilo mantêm a tendência observada desde 2000 (caíram 20 por cento entre 2003 e 2004; caíram 15 por cento de 2004 para 2005.

Continua em franca ascensão o número de estudantes internacionais, com destaque para os Estados Unidos, a França, a Alemanha, o Reino Unido e a Austrália. O fluxo cresceu 45 por cento entre 1998 e 2003. Em 2005, os países da OCDE para os quais há dados passaram 2,3 milhões de vistos temporários de permanência a estudantes.
Mas a imigração laboral, que representa 30 por cento do total, também está em expansão. No espaço comunitário este fénomeno surge muito associado à livre circulação de pessoas e bens.

Os ilegais ficaram de fora

Os números compilados no relatório deixam de fora uma enorme cifra nega: a dos ilegais. Citado pela agência de notícias espanhola Efe, Jean-Pierre Garson recordou que "a história da imigração é, em grande parte, uma história de clandestinidade" e que o estatuto do imigrante ilegal costuma ser um fenómeno temporário.

Os factos desmentem os temores sentidos por alguns países europeus sobre a entrada em massa de imigrantes a partir de outros Estados da União Europeia (UE) que apostaram em acções de regularização ou que têm uma lei menos rígida no controlo de entrada. Garson, responsável pelo departamento de migrações internacionais da OCDE, relaciona a entrada de estrangeiros com a oferta de emprego. Quando ocorrem regularizações excepcionais sucessivas num país é por os procedimentos anteriores "não terem sido bem feitos", avaliou.

Facto é que os imigrantes representam uma cada vez maior força laboral na OCDE. E que estes trabalhadores padecem de mais elevados níveis de desemprego, o que denota maior dificuldade em enfrentar o mercado de trabalho.

De um modo geral, estão sobrerrepresentados em sectores como a construção, a hotelaria e a restauração. Há já algum tempo que o auto-emprego apresenta uma curva de crescimento (o que pode significar uma melhoria do seu posicionamento nos países de acolhimento ou, simplesmente, dificuldade no acesso ao mercado de tal forma grande que vão por esta via.

Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, pede mais e melhores políticas de inserção. No texto de apresentação do documento, lembra que, nos países de destino, os imigrantes ocupam cargos que requerem uma qualificação muito menor que a que possuem e que esta tendência "é particularmente maior" no caso das mulheres e dos jovens.
Gúrria insiste na contribuição financeira que os imigrantes oferecem não só aos seus países de origem (por via das remessas), mas também aos países de destino. Muitos dos países receptores sofrem de um crónico envelhecimento. Os imigrantes tendem a ser pessoas em idade activa que contribuem para manter a Segurança Social. Acresce que, pelo menos no início, estes indivíduos não representam encargos sociais.
"Os imigrantes são parte da solução para as necessidades de mão-de-obra e para o envelhecimento da população", considera Gurría. A vinda destes trabalhadores jovens "dá tempo" para pensar formas de garantir a sustentabilidade da Segurança Social a longo prazo. Mas "eles têm de ser bem integrados".

Pelas previsões da OCDE, a maioria dos países-membros da organização perderia população activa entre 2005 e 2020, caso não houvesse contribuição de imigrantes. O problema afectaria, principalmente, o Japão, a Itália, a Finlândia, a Espanha e a Alemanha. Nestes países, neste período, as quedas seriam maiores que 5 por cento.
As conclusões de Gurría sobre os fluxos migratórios soam a aviso: "Num contexto de globalização, é preciso aumentar os seus benefícios e reduzir os seus custos". Para alcançar tal meta, "impõe-se compreender melhor o fenómeno e ajudar a reforçar a cooperação internacional".

4
milhões de pessoas trocaram legalmente os seus países de origem por países ricos em 2005.

620 mil pessoas é o número aproximado de imigrantes que entraram de forma irregular nos Estados Unidos por ano, entre 2000 e 2004

2,3
milhões de estrangeiros estudam em países da OCDE

300
mil foi o número de pedidos de asilo na OCDE, o que significa uma redução de 15 por cento em relação a 2004

23
por cento dos requerentes de asilo provêm de África

18
por cento dos médicos e 11 por cento dos enfermeiros empregados nos países da OCDE nasceram no estrangeiro

Fonte OCDE