24.6.07

O que estará no Tratado de Lisboa

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Um dos objectivos da defunta "Constituição europeia" era substituir os anteriores tratados. Isso já não vai acontecer. E haverá pontos no novo Tratado que podem ser de leitura polémica

A bandeira das 12 estrelas em fundo azul continuará a existir e o hino à Alegria a ouvir-se, mas não serão mencionados


a Chame-se ele reformador, simplificado ou de Lisboa, o novo Tratado será quase integralmente decalcado da Constituição europeia. O que leva muitos dos seus detractores a considerar que se trata da mesma Constituição de sempre, que regressa desta vez pela porta dos fundos.

O problema é que, depois da rejeição de franceses e holandeses, e perante a oposição dos britânicos, a Constituição foi despida de todos os elementos que lhe conferiam essa característica para dar lugar ao bom velho estilo dos tratados tradicionais. Apesar de o resultado ser juridicamente muito mais complicado e politicamente mais opaco, na opinião de alguns observadores.

A diferença é que enquanto a Consituição pretendia substituir e concentrar num só texto todos os tratados actuais, o seu "filho" limitar-se-á a alterá-los, acrescentando uma boa dose de complexidade ao direito comunitário. Como referia um dos participantes na cimeira, "os juristas têm um bom futuro".

O que muda e o que fica

Eis o que deverá contemplar o futuro Tratado de Lisboa:
- Todos os símbolos ligados à Constituição desaparecem, incluindo o nome e o estilo. Como refere Angela Merkel, a bandeira das doze estrelas em fundo azul continuará a ser hasteada, e o hino - à Alegria - a fazer-se ouvir, mas não serão mencionados no texto. A referência ao euro enquanto moeda da UE também desaparece.

- A totalidade da chamada "parte III" da Constituição, que consolidava as disposições dos diferentes tratados sobre as políticas, desaparece, regressando cada uma aos seus tratados de origem.

- A Carta dos direitos fundamentais, a "parte II", também desaparece por exigência britânica e passa a figurar em anexo, embora um artigo no interior do Tratado garanta o seu carácter vinculativo. Um protocolo anexo (com valor de Tratado) garante uma isenção para o Reino Unido, cujos cidadãos ficarão assim de fora da protecção dos tribunais nacionais e europeu no caso dos direitos que não são reconhecidos internamente.

- A afirmação do primado do direito comunitário ficará igualmente de fora - por exigência britânica - mas uma declaração anexa lembra que este princípio está garantido pela jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça.

- Desaparece a estrutura do Tratado em três pilares que separava a componente comunitária da integração - Comunidade Europeia - das intergovernamentais - Política Externa e de Segurança Comum (PESC) - e Justiça e Asuntos Internos (JAI). É garantida a personalidade jurídica única da UE. Por exigência da França e Reino Unido, é reafirmado o carácter específico e intergovernamental da PESC de modo a impedir confusões com as competências nacionais na matéria.

Dupla maioria em 2017

- As decisões por maioria qualificada passarão a ser possíveis num conjunto de novas matérias, sobretudo na cooperação judicial em matéria penal e na cooperação policial - mas o Reino Unido fica isento.

- O capítulo institucional permanece inalterado nas suas grandes linhas, sobretudo no que se refere ao presidente do Conselho Europeu por mandatos de dois anos e meio, o formato reduzido da Comissão Europeia a partir de 2014 e o ministro dos Negócios Estrangeiros cuja denominação é, no entanto, alterada para alto-representante da UE para a Política Externa e de Segurança.

- O sistema de "dupla maioria" para as votações no conselho de ministros da UE mantém-se mas só será aplicável a partir de 2017. Durante um período de transição entre 2014 e 2017, os Estados-membros podem pedir para votar com base nas regras do Tratado de Nice, sobretudo as que regem as possibilidades de bloqueio das decisões.

- Os parlamentos nacionais passam, por imposição da Holanda, a poder contestar as propostas legislativas da Comissão Europeia (desde que o pedido parta de metade dos parlamentos) no prazo de oito semanas depois da sua apresentação. Se depois de reexaminar a proposta Bruxelas decidir mantê-la - opção que tem de justificar por escrito -, a proposta poderá ainda ser definitivamente rejeitada pelo conselho de ministros ou pelo Parlamento Europeu à luz dos argumentos dos parlamentos nacionais.

- Os critérios ditos de Copenhaga - respeito pelo estado de direito, democracia, direitos humanos e economia de mercado - exigidos a todos os países candidatos à adesão à UE serão incluídos de forma implícita no Tratado (por exigência da Holanda).

- A referência à "concorrência livre e não falseada" deixou de ser um dos objectivos da UE como estava previsto na Constituição - quando no Tratado de Roma é apenas um dos "princípios. A alteração foi imposta pela França, mas provocou uma tal vaga de protestos no Reino Unido, que será incluída uma declaração anexa garantindo que as competências europeias em material de política de concorrência se mantêm inalteradas.