11.6.07

Pais são os novos patrões das crianças

Maria João Caetano, in Diário de Notícias

Há cada vez menos crianças em empresas


Já não estão em fábricas, com horários exagerados e sob as ordens de um patrão aos gritos. As crianças que hoje trabalham em Portugal fazem-no, na sua maioria, para os pais ou com o seu incentivo. Ajudam a tratar das terras da família. Dão uma mãozinha na oficina do pai. Saem da escola para ir para casa ajudar a mãe no seu trabalho domiciliário - por exemplo, a coser sapatos de uma qualquer marca conhecida. São levadas pelos pais aos treinos dos grandes clubes de futebol ou aos castings para telenovelas. São os pais que metem folga no seu trabalho para os acompanhar nas horas de gravações. Em todos estes casos, é à família, e não à empresa, que prestam contas.

Este é o retrato do trabalho infantil em Portugal feito por Joaquina Cadete, directora do Peti - Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil. "Não existe trabalho infantil no sector formal, ou se existe é residual. Não há crianças a trabalhar nas grandes empresas", afirma esta responsável. Seja porque as empresas estão mais sensíveis ao problema, temem as inspecções ou, simplesmente, conseguem empregados de baixo custo, a verdade é que há cada vez menos casos destes: em 1997 a Inspecção Geral do Trabalho encontrou 167 menores em situação irregular, em 1500 visitas a empresas. No ano passado, em quase quatro mil visitas, foram detectados apenas 13 menores.

O Peti conta ter um relatório actualizado sobre a situação em Portugal até ao final do ano. Por enquanto, os últimos números oficiais datam de 2001, quando havia 24 mil menores a participarem em alguma actividade económica. Mas, explica Joaquina Cadete, "se aplicássemos a esse número o critério da Organização Internacional do trabalho (OIT), que entrou em vigor em 2002 e que exclui da definição de trabalho infantil todas as actividades que ocupam até 14 horas por semana e não prejudicam o desenvolvimento harmonioso da criança, ficaríamos apenas com cinco mil crianças em situação preocupante".

Trabalhar em casa

A directora do Peti sublinha a diferença entre trabalho doméstico - "quando os filhos ajudam os pais e se envolvem nas actividades familiares, o que não é dramático, dentro de certos parâmetros" - e trabalho domiciliário - quando as crianças trabalham em ambiente doméstico mas por conta de outrem (como no caso, muito falado no ano passado, das crianças que trabalhavam para a Zara). O trabalho domiciliário é muito mais difícil de detectar porque tem a cobertura da família, geralmente é apenas uma pessoa que assume a responsabilidade perante a empresa empregadora e depois distribui as tarefas pelos membros da família.

"É preciso sensibilizar as famílias", diz Joaquina Cadete. "Muitas vezes, as crianças até continuam na escola e têm aproveitamento, mas é--lhes retirado o tempo de lazer porque a família tem uma valorização diferente da que está prevista na lei." Na agricultura, explica, é frequente acontecer que a "ajuda" dos filhos caba por se transformar em trabalho, quase sem se dar por isso. Uma situação agravada pelo facto de estas crianças trabalharem com máquinas perigosas e estarem expostas a produtos tóxicos. "Além do desenvolvimento da criança, há perigos para a saúde."

"A situação hoje é diferente do que era mas há coisas que não mudam: o trabalho infantil continua associado à pobreza. Quando o desemprego aumenta e as famílias têm dificuldades, as crianças são obrigadas a trabalhar", acusa Deolinda Machado, dirigente da CGTP e ex-presidente da Cnasti - Confederação Nacional de Acção Sobre o Trabalho Infantil.

Mesmo quando o trabalho aparece disfarçado e até agrada aos miúdos, como acontece na moda, na televisão ou no desporto. "Há uma aceitação social deste tipo de trabalho, mas é muito grave. Devia haver uma maior fiscalização dos horários destas crianças", admite Joaquina Cadete. Algo está mal quando é uma criança de nove anos que sustenta a família, mesmo que apareça nas revistas e o seu trabalho seja elogiado. "São formas diferentes de flagelar as crianças mas são igualmente condenáveis porque não permitem às crianças que sejam crianças", diz sem rodeios Deolinda Machado. "O trabalho das crianças é estudar. Temos de pugnar pela educação das crianças e pela sua ocupação lúdica e pedagógica."

Os dados em relação ao abandono escolar não são conclusivos. "Não se sabe se é o abandono escolar que conduz ao trabalho infantil ou o inverso", afirma Joaquina Cadete. O Peti tem encontrado cada vez mais casos de abandono escolar que não estão relacionados com o trabalho: "Deixam a escola para nada. E então dedicam-se a um ócio criativo, que geralmente conduz à delinquência, à pequena criminalidade, à toxicodependência." Muitos deles são menores que já têm mais de 15 anos e por isso não têm de ir à escola, mas ainda não têm 16 e, por isso, ainda não podem trabalhar. Vivem num vazio legal e aproveitam-se disso.