24.6.07

Seremos três milhões de idosos e usaremos talheres flexíveis

António Marujo, in Jornal Público

Aumento da esperança de vida e diminuição da taxa de fecundidade traz novos problemas. Previsões apontam para 3,2 milhões em 2050


Sim, é uma cadeira de rodas, mas pode descer e subir escadas: há um comando que faz mover uma peça, esta fixa-se no degrau e a cadeira move-se. Sem esforço. Também há um molde onde se pode enfiar uma meia. Coloca-se depois o molde no chão. Com a ajuda de uma haste, enfia-se o pé, retirando-se em seguida o molde. A meia fica calçada. Sem esforço. E ainda os talheres flexíveis, com cabos largos e antiderrapantes. Permitem que o braço faça apenas a flexão do cotovelo e do punho.

Estes são produtos que pretendem facilitar a vida às pessoas mais velhas, para as quais a mobilidade se vai reduzindo. Estão à venda nas Lojas do Avô. E que interessam a cada vez mais gente: em 2050, prevê a socióloga Maria Filomena Mendes, da Universidade de Évora, Portugal deverá ter quase 3,2 milhões de idosos.
Mesmo que a fecundidade aumente, o cenário será o de um país em que, por cada 100 jovens haverá pelo menos 186 idosos (ou o dobro, no cenário com o maior envelhecimento). Filomena Mendes, que interveio anteontem no Congresso do Idoso, em Lisboa, diz que uma sociedade envelhecida, em si, é um facto positivo. "Todos queremos viver mais tempo. O problema é que reduzimos extraordinariamente a fecundidade e foi esse o factor de desequilíbrio", diz ao PÚBLICO.

A principal razão para se ter chegado a esta situação foi o declínio da fecundidade, afirma a socióloga, aliado ao aumento da longevidade. Basta pensar que a taxa de fecundidade reduziu de 3,1 filhos por mulher, em 1960, para 1,5, em 2001. Ou seja, para menos de metade (neste momento, é de 1,4).

Os idosos (na definição da sociologia, as pessoas com 65 ou mais anos) terão um peso cada vez maior na população portuguesa: no cenário de um maior envelhecimento da população, prevê Filomena Mendes, em 2050 haverá 71 idosos por cada 100 activos e a fecundidade terá baixado para 1,3 filhos por mulher.

Escondidas nestes números, estão outras realidades: "Temos de aprender como lidar com esta situação e como nos vamos reorganizar enquanto sociedade", diz a socióloga. Haverá diferentes perfis de consumo, os idosos serão cada vez mais activos e permanecerão mais tempo em actividade, a idade da reforma será adiada, haverá mais voluntariado idoso, a esperança de vida e de vida com mais saúde aumentará, exemplifica.

Perspectivas como estas estiveram em debate no Congresso do Idoso, quinta e sexta-feira. E alguns dos novos produtos e serviços ao dispor dos idosos estão a ser mostrados ontem e hoje (até às 19h), no salão Portugal Sénior, na Gare Marítima de Alcântara, em Lisboa. João Costa, director da VivaEventos, a empresa que promove o salão, diz que este pretende mostrar "todos os produtos que posam ajudar no dia-a-dia" de pessoas com mais de 55 anos, não só na situação de dependentes, mas também activas.

Com a transformação social, os idosos serão produtivos e não apenas activos: "Temos é que pensar que não trabalharão oito horas por dia, terão de conciliar a actividade com mais lazer", diz a socióloga. João Barreto, chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital de São João, que falou também no Congresso do Idoso, recorda a "necessidade de estimulação das pessoas, mantendo as capacidades cognitivas e a convivialidade e sociabilidade".

Na sua intervenção no congresso, João Barreto pediu aos médicos "prescrevam actividade" aos idosos. Trata-se de "envelhecer activamente", com actividades que podem ir da leitura até à informática, aos cursos ou aos passeios.

A exigência de outros cuidados médicos e assistência confronta-se com uma rede social mais fragilizada, com famílias mais pequenas - e, por isso, menos capazes de apoiar os mais velhos. Factor agravado por uma outra realidade: "Ser idoso, em Portugal, aumenta muito a probabilidade de ser pobre", diz Filomena Mendes. Com a probabilidade de viver mais tempo na situação de reforma, a socióloga teme que mesmo pensões de valor razoável acabem desvalorizadas e perdendo poder de compra.